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Revista Luz & Cena
Neste espaço, Enrico De Paoli fala de suas experiências e histórias em engenharia de música, estúdios e shows.
Fala também do mercado musical e fonográfico e de suas tecnologias.
Quantas mixagens até conseguir ... a boa?
Postado por Enrico de Paoli em 20/07/2007 - 09h39
Então um cliente nos encomenda uma mixagem. Após conversar um pouco, debater, ouvir referências, pegamos aquele monte de arquivos de áudio e montamos uma sessão. Talvez o cliente já te envie uma sessão começada, ou seja, o que ele vinha ouvindo até você se tornar responsável pela mix. Isso pode parecer falta de autonomia, mas de fato é uma ótima cola pra você ter a chance de saber como ele se acostumou com aquela música. Antigamente, quando as mixes eram feitas em mesas, com faders manuais, botões e, acreditem, sem mouse, era comum o mixer pedir ao artista/produtor um cassete com a cópia de monitor, ou a mixagem que, até então, era a que ele usava pra ouvir a música em questão.

Foi dada a largada... mixagem em andamento. O que fazer? Pra onde ir? O que ouvir primeiro? Devemos solar cada canal, e tratar deles independentemente, ou ir ouvindo todo mundo junto e ajustando um para o outro. Bem, só essa dúvida já seria suficiente pra encher páginas da M&T, e o pior é que isso não é tudo... Assim, mais uma vez a minha resposta é: não há regras. E essa resposta vai fazer sentido no decorrer.

Recentemente fui contratado para mixar uma faixa de uma cantora independente americana. A tecnologia permitiu que ela enviasse a sessão dela inteira para um servidor e eu baixasse diretamente pra o meu computador. Ouvi vários trabalhos dela e as referências indicadas. E, como não podia deixar de ser, a música que eu mixaria não tinha nada a ver com nada daquilo que eu tava ouvindo. A bateria estava muito mal gravada; em compensação, as vozes eram primorosas, e o melhor: a canção, ótima.

Então logo escolhi um caminho: que tal uma mix com a bateria bem lo-fi, hiper comprimida, chegando a ser... estranha? Tudo isso contrastava bem com as vozes limpas e presentes, a ponto de eu conseguir brincar com elas várias vezes totalmente secas e na cara durante a música. E não faltaram oportunidades pra automatizar reverbs e delays, e a mix foi se formando. Aliás, parece que cada coisa que fazemos em uma mix nos faz ter idéia para outras. Mas é uma faca de dois gumes: nem sempre as idéias que a gente vai tendo nos levam para o caminho que queremos seguir, ou melhor: o caminho que a música quer seguir (ou que o cliente quer que a gente siga!).

E quando terminar? Realmente, com a quantidade de possibilidades que um sistema de mixagem hoje nos oferece, é fácil não acabarmos uma mix nunca mais na vida! Imagino que a hora de acabar se ascende quando acontecem duas coisas: as idéias começam a parar de surgir e, à medida que vamos ouvindo a faixa, ela soa cada vez mais acabada, redonda, sem ter o que fazer.

Isso naturalmente foi acontecendo com a minha mix e, finalmente, eu a enviei pra ela. Para minha surpresa, ela não gostou da mix! Mas por quê? Eu sou ruim? E agora? Fui despedido? Afinal, se eu soubesse fazer melhor do que aquilo, por que não fiz em primeiro lugar? A resposta é bem simples. Não fiz, simplesmente, porque não tive a idéia.

Há algum tempo atrás, eu me apegava às minhas mixes e consequentemente, às minhas idéias com uma certeza, no mínimo, limitadora. Com o tempo, fui aprendendo que, por mais experiência que eu possa ter, nada substitui experimentar. Podemos ter muito tempo atrás dos faders, mas música é tão complexo que tem coisas que têm tudo pra soar mal e soam bem, e vice-versa. Enfim... ela não gostou da mix, dizendo delicadamente que estava muito diferente do resto da cara do disco, mas adorou as vozes e me pediu pra enviar somente a voz e os efeitos, que seria então encaixada em uma mix dela.

Nessa hora, em vez de lamentar a minha demissão, aproveitei para imaginar mil outros caminhos pra aquela música. Fiz bom uso da informação de que ela queria um CD com "uma cara específica" e que já gostava de algumas mixes que tinha. Partí para um novo caminho e fui chegando a lugares que, não fosse o incidente, não imaginaria pra essa música. E, quanto mais eu me desprendia da mix antiga, mais abria espaço para me deixar evoluir na nova. Até que, como disse antes, as idéias começaram a acabar, e a mix foi tomando forma e eu começando a exergar, ou melhor, a ouvir, que estava terminando. Hora de enviar a mix. Resultado: o trabalho, que eu já havia cortado da minha lista de clientes, voltou pra mim. Ela adorou a mix, e eu também. De fato, era muito melhor do que a anterior.

Eu recebo diversos emails perguntando sobre vários aspectos técnicos de uma mixagem, dúvidas de equipamentos, compressores, etc. Mas nunca alguém me perguntou quando uma mix acaba, e quando acaba, se é o melhor para aquela música. Isso na verdade será para sempre uma daquelas perguntas sem respostas. Porém, sabendo disso, o mínimo que podemos fazer é respeitar o fato de que, eventualmente, uma idéia nova de alguém pode despertar em nós mil outras que, sem aquela, não existiriam. Que não sejam mil: uma nova idéia pode ser o suficiente pra uma grande mix.

Enrico De Paoli é engenheiro de gravação, mixagem e masterização. Projetos recentes: Titi Walter, Flávio Medeiros e Cheryl Engelhardt.  Escreva para cartas@enricodepaoli.com
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