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Revista Luz & Cena
Neste espaço, Enrico De Paoli fala de suas experiências e histórias em engenharia de música, estúdios e shows.
Fala também do mercado musical e fonográfico e de suas tecnologias.
Tudo é fácil quando se sabe
Postado por Enrico de Paoli em 09/06/2006 - 00h00
É comum fazermos tanto de alguma coisa a ponto de ela se tornar automática, parte de nossos cotidianos. Quando isso acontece, passamos a achar ingenuamente que todo mundo sabe fazer aquilo ou enxergar da mesma forma. Depois que comecei a escrever o Lugar da Verdade, minha interatividade com o mundo real aumentou, e a beleza das diferenças entre todos, assim como a possível troca se fez bem óbvia. Aliás, comecei a perceber essas variedades de estágios de aprendizado onde todos se encontram também, lá atrás, quando comecei a fazer palestras e workshops.

Tenho recebido muitas cartas. Todas interessantes. Algumas pela abundância de informação. Outras, com bons mp3 de trabalhos independentes. E outras interessantes pela perdição total, no bom sentido, dentro desse labirinto de tanta coisa que há para saber. Uma delas me chamou mais a atenção. O leitor disse que estava interessado em saber como funcionava o Incrível Mundo, e se eu podia enviar a ele uma amostra de uma música, antes e depois de mixada!

Tentei explicar que tal solicitação seria impossível de atender. O antes é muito vago. Mas ele educadamente insistiu. Mais uma vez, tentei mostrar que antes de ser mixada, a música é inaudível em aparelhos estéreo. Se ainda fosse antes de masterizar. Mas antes de mixar, os canais estão todos separados! Como poderia mandar isso a ele? Enfim, quando fiquei sem mais argumentos para convencê-lo de que enviar o antes seria impossível, usei meu bom senso e atendi a sua solicitação.

Abri uma sessão de uma mix que tinha feito recentemente. Desliguei todos os plug-ins, efeitos de periféricos externos, botei os pans no centro e faders no zero (nominal). Para que não ficasse uma mix surreal, dei um trato rapidíssimo, apenas para ficar decente, como faria se tivesse um minuto para fazer uma mixagem pra alguém gravar um solo (nos anos 80). Marquei um pouquinho antes do refrão até um pouquinho depois e mandei um bounce da mix. Depois abri minha master já mixada e finalizada, e fiz o bounce entre os exatos mesmos pontos. Converti pra mp3 e enviei a ele o antes e o depois. Confesso que nem eu tinha percebido quão grande tinha ficado a mix/master. Meu pai sempre dizia "som é comparação". Ele não deixava de ter razão !

Foi depois desse episódio que percebi que existe uma vasta quantidade de novos talentos estudando ou interessados em ingressar no áudio profissional no Brasil. Então vou fazer um breve resumo sobre as etapas de uma produção de um disco.

Seleção de repertório: a primeira e talvez mais importante das etapas. Nos dias de hoje, com tanta tecnologia, esqueceu-se que o motivo de toda essa tecnologia é a gravação de MÚSICAS. E esperamos que sejam músicas boas. Não se grava à toa. Não se grava por gravar. Não tá escrito em lugar nenhum quantas músicas tem que ter um CD. Então, grave o que vale a pena. Grave o que é bom, o que pertence e tem a ver com o seu trabalho. Se você só tem uma música incrível, não deixe ela pra lá porque você não tem outra. Grave só ela. Na minha opinião, é melhor um CD com uma incrível música que um CD com 12 músicas medíocres e das quais nem o artista gosta tanto. Quantos artistas de uma música só conhecemos... E porque só têm essa música boa eles não prestam? E se a música for ótima?

Concepção da gravação. Escolheu as músicas. E agora? Qual a sonoridade? Qual o estilo dos arranjos? Qual o orçamento? Pois é. Agora vamos ver onde vai ser gravado. Quais os instrumentos e tocados por quem. Em qual estúdio gravar. Hoje isso é mais raro: grava-se onde dá. Antigamente é que mudávamos de estúdios porque cada um era melhor pra uma tarefa e sonoridade.

Pré-Produção. Antigamente, essa etapa também era mais importante. Como os grandes estúdios eram muito caros, fazia-se toda a preparação dos arranjos numa pré-produção, normalmente em algum estúdio mais barato. Algumas, ou várias, dessas idéias gravadas muitas vezes podiam ser aproveitadas e usadas na gravação final. Hoje, a pré-produção ocorre no mesmo home studio em que o disco é feito. Então as etapas se unificaram.

Gravação de bases. Como o nome já diz, nessa fase é que gravamos os instrumentos de base. Para isso, precisamos de um estúdio com algum tamanho, para gravar a bateria enquanto o baterista ouve outros músicos tocando juntos para guiá-lo. Porém, se bem tocados e bem captados, muitas vezes pode ficar valendo o baixo, guitarra e teclados gravados durante a base (se o estúdio permitir tantos canais ao mesmo tempo).

Overdubs. Acho que nunca soube uma tradução pra isso. Os overdubs são feitos quando as bases estão gravadas e chamamos alguém para, digamos, gravar algo a mais, um solo de sax por exemplo. Ou um coro. Enfim, gravar outros instrumentos em cima de algo já gravado.

Edição. Essa etapa é relativamente nova no processo. Como os gravadores baseados em computador têm um poder de edição cada vez mais extraordinário, seja em copiar uma parte para outro lugar na música por exemplo, seja para afinar uma voz, editar pode ocorrer depois de cada pequena gravação de overdub.

Gravação de voz. Não deixa de ser um overdub. Talvez o mais importante em música pop. Antigamente existia aquele medonho dia de gravar a voz. Claro que pouquíssimos cantores conseguiam relaxar e ficar naturais com a pressão. Hoje é tudo muito mais fácil e sem regras. Com a tecnologia de gravar em computadores, se tornou mais viável ir gravando quando for dando vontade.

[Muito provavelmente terá agora a] Edição das vozes. É inteligente gravar muitos canais interrompendo pouco o cantor. Assim consegue-se mais fluência e naturalidade. O que tiver que editar e escolher, pode ser depois.'

Mixagem. Não sei se perceberam, mas até agora, os canais estão todos separados. Para ouvir essa faixa num aparelho de CD normal, precisamos fazer aqueles 32 ou mais canais virarem dois, estéreo (ou seis, se for Dolby digital 5.1). Grosso modo, isso é mixar. Portanto, como enviar a um cliente, uma música antes de mixá-la? Ainda falando de mixagem, talvez seja a mais complexa das etapas. Onde se precisa de calma, precisão, excelentes monitores de referência. Ótima sala. Antigamente mixar era para poucos. Nem todos tinham tantos equipamentos, reverbs, EQs, como hoje. Precisava-se de uma mesa grande, de som ótimo e com automação. Hoje, tudo isso existe dentro de um computador. Na mix também se conserta uma sílaba muito baixa ou uma caixa de bateria que ficou muito alta. Sem automação não existem mixes nos padrões de hoje.

Masterização. A master se tornou muito popular com as mixagens sendo feitas em qualquer lugar. Os timbres das mixes vinham sempre diferentes, inconstantes. Monitores desalinhados numa mixagem podem causar efeito inverso na mix. Por exemplo, monitores com pouco grave podem fazer com que você adicione mais grave numa mix, erroneamente (esse talvez seja o mais clássico de todos os erros). Então artistas independentes se apóiam naqueles ouvidos do engenheiro de masterização, para que ele e sua experiência dêem seu "toque final e confiável" no timbre.

Capa, prensagem, distribuição e vendas fogem um pouco dos nossos propósitos aqui.

Para muitos, isso tudo é o óbvio. Para outros, não tanto. Essa quantidade de home studios democratizou a produção de música e desenvolveu muita musicalidade nos fanáticos. Gerou novas etapas. Atrapalhou algumas profissões e criou outras. É importante conhecer as regras para poder quebrá-las. Assim, se você tiver UMA grande música, pode já gravá-la mixando. Ou usar a voz guia do dia das bases. Ou mixar em casa e masterizar fora. Ou mixar num grande estúdio. Ou nem mixar, porque a mix guia tá ótima. Esse papo não tem fim.

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Enrico De Paoli
tem trabalhado há muito anos com essas etapas. Hoje, no seu Incrível Mundo mixa e finaliza músicas iniciadas em todos os tipos de estúdios. de grandes salas a quartos improvisados. Consulte em
incrivelmundo@enricodepaoli.com. Cartas para cartas@enricodepaoli.com.
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