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Revista Luz & Cena
Músicos
Bocato
Trombonista Leva Para o Mundo seu Samba Contemporâneo
Pedro Paulo Junior
Publicado em 01/04/2002 - 00h00
Divulgação
 (Divulgação)
Itacyr Bocato Júnior - mais conhecido como Bocato. Trombonista e compositor que foi revelado nos anos 80 à frente da banda paulistana Metalurgia e atualmente é considerado um dos músicos mais atuantes nos estúdios e nos palcos do mundo inteiro.
Nascido em São Bernardo do Campo - SP, Bocato teve uma infância totalmente voltada para o som. Na adolescência teve oportunidade de tocar ao lado de artistas de vanguarda e na década de 90 passou a cumprir uma missão de oferecer uma nova face à música brasileira no exterior com seu tecnosamba ou acid samba.

Bandas de Colégio
Música para Bocato começou dentro de casa. Seu pai era violeiro da mais tradicional música sertaneja. Começou a tocar violão por causa do pai e escutou muita música sertaneja. Esta é a sua formação musical como ouvinte na infância.
Por outro lado, no colégio em que estudava, aos oito anos começou a tocar numa banda que viajava pelo interior do estado. Mais tarde, ampliou sua experiência tocando em bandas de baile em São Paulo.
O encontro com o seu instrumento ocorreu de maneira muito natural. A família de Bocato era tão simples que não tinha dinheiro para comprar um trombone. Então, teve que permanecer na bandinha, fazendo teoria musical até o momento em que sobrasse um instrumento. "Os instrumentos geralmente eram divididos entre três garotos, nos três turnos do dias" - lembra o trombonista, que fez quase um ano de teoria, sempre esperando um instrumento. Pensava num trompete, mas o maestro ofereceu-lhe um trombone. "Se ele não aceitasse ficaria mais três meses esperando um trompete e estudando teoria", diz. Mas antes de estudar tanta teoria, Bocato tocou muito de ouvido. A banda era diferente das outras, tocavam muita coisa que se ouvia no rádio.
Aos 18 anos, no terceiro ano do secundário, Bocato se preparava para fazer Medicina, mas não estava muito no pique. Já ganhava a vida tocando na noite quando fez com o cantor Wando sua primeira viagem como profissional, que durou quatro meses.
Acabou optando por fazer composição e regência na Universidade Estadual de São Paulo em 79. Aprendeu os elementos da música clássica e tocava jazz com amigos como Eduardo Neves e Zé Nogueira. Ficou na universidade apenas um ano, o suficiente para tocar com Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção no Festival Universitário da Cultura, onde o próprio Arrigo foi o vencedor com a música Diversões Eletrônicas. Na ocasião, Itamar Assumpção tocava baixo, dando suporte ao grupo Metalurgia. Bocato diz que Arrigo ficou numa situação complicada, porque no festival não havia uma banda para acompanhá-lo. A orquestra, em cima da hora cancelou a apresentação. Não tocariam alegando que o tipo de música era "anti-instrumentística". "No último momento entrou a banda Metalurgia. Fomos lá e papamos o primeiro e o terceiro lugar", diz.
Foi com a preocupação do músico em sentir o ritmo da música e outros elementos que surgiu o interesse pela composição e arranjo. Nas bandas ele carregava as pastas, copiava as partituras, fazia transposição de tonalidades. Teve algumas dificuldades no início. Tocava muito bem de improviso e às vezes não tocava bem trechos aparentemente simples. Esforçou-se muito para entrar nos grupos. A solução foi compor e fazer os arranjos para tentar montar sua própria banda. Mesmo com essa experiência, considera que um ano de universidade foi super importante para sua formação musical.

Aprendizado com Elis
Depois desse ano acadêmico, Bocato caiu nas graças de uma das maiores cantoras que este país já gerou. Em 1980 acompanhou Elis Regina no palco do Canecão, com o show Saudades do Brasil. Para ele, foi um dos momentos mais marcantes de sua carreira. "Aprendi muito com ela. É a maior artista que eu já conheci", exalta. Além do trabalho com a intérprete, o trombonista, à frente da banda Metalurgia, tocou com Rita Lee, Roberto Carlos e Ney Matogrosso. Em 1982 gravou um disco com a banda pelo selo Som da Gente. Passou por outros selos, Baratos Afins, Camerati e Mix House.
Lançou pela L177, gravadora suíça, o CD Samba de Zamba que foi lançado recentemente no Brasil pelo selo paulista Rainbow Records. O mais recente álbum, Acid Samba, também editado na Suíça e com previsão para sair no mercado brasileiro neste ano, é a seqüência de um trabalho internacional para divulgação do samba. Ele acredita que a música popular brasileira ainda não conquistou o espaço que merece no mercado internacional. O objetivo é colocar o samba no padrão da música internacional mais conceituada. Seus últimos discos são a prova de que está batalhando para deixar a música brasileira numa posição como a do gênero dançante acid jazz. No caso, seria com o próprio acid samba. Seria uma maneira de massificar um novo som brasileiro lá fora.
Não necessariamente, este caminho deve ser seguido, mas ele diz que é muito interessante trabalhar a música brasileira de outras maneiras e com mais swing para dançar. "A cabeça dos músicos fica muito atrapalhada hoje. Eles ficam presos no passado remoto do rock, ou ficam presos no instrumental brasileiro da década de 60 e 70 que tinha aquela visão de quebrar tudo e o som brasileiro não tem que fazer dançar, tem que fazer dançar a cabeça" - referência ao disco Dança das Cabeças de Egberto Gismonti (1977).
O músico ainda faz comparação com os cubanos, procurando uma alternativa para as mudanças no conceito de música brasileira no exterior. "Fazer perto dos cubanos, que fazem dançar bem e tocam sua música deliberadamente linda", diz.
Para Bocato, existe outro fator que deixa a música brasileira sem competitividade. O cancioneiro brasileiro aumentou muito e as músicas brasileiras perderam sentido de ter comercialização no exterior por causa das letras em português. "Se os artistas e os músicos brasileiros não começarem a sacar e quebrar seus mitos como Caetano, Gil, Hermeto e Egberto, então, nós não vamos nunca sair desse patamar. Eles já fizeram muito, são gênios, maravilhosos", declara.
Suas contribuições para formar esta nova ordem musical brasileira no exterior começaram no final dos anos 80 e início dos 90. Em 86 foi para Alemanha e morou com Itamar Assumpção. Voltou para o Brasil e depois, em 93, foi morar em Hamburgo, Alemanha. Residiu em Berlim em 99. Lá, trocou muitas "figurinhas" com outros músicos, e pode observar que a nossa música tem "as asas protetoras muito grandes" e que todos os músicos brasileiros tem que fazer música brasileira. Em toda Europa existem vários músicos que aqui não conseguiram se projetar. Segundo Bocato, muitos músicos da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e do Maranhão vinham para São Paulo ou iam para o Rio. Hoje é mais fácil ir para Europa. Geralmente são músicos novos, já sabendo tocar, não são conhecidos aqui e chegam lá e tem todo o apoio. "Lá é uma terra fértil para a educação e estudo. Mas terra fértil mesmo é aqui para a criação musical", diz.

Versatilidade
Uma das características principais de Bocato é sua intimidade com vários gêneros musicais. Ao longo de sua produção discográfica já compôs e interpretou músicas que vão do funk-jazz ao samba tradicional. Enfim, passeou por tudo, toca com várias artistas e se diz obrigado a tocar qualquer ritmo.
Existe uma razão para esta versatilidade. Bocato ouviu muito Martinho da Vila, Clara Nunes e outros grandes artistas populares. Define claramente que sua origem é a popular por excelência. Por isso não carrega o fardo do preconceito de tocar com uma banda de pagode, por exemplo. "A partir do momento que as pessoas nos respeitam como profissionais, não há nada de errado", esclarece o trombonista, que admite não gostar de algumas coisas, mas sabe que é necessário trabalhar sem julgar o trabalho de ninguém. "Não tenho todo esse cacife e nunca vou ter para julgar. Não sei se sou um artista, só vou saber no futuro. Enquanto não for um artista vou ter que trabalhar", diz.
A diversidade na atuação de Bocato no meio musical é tanta, que já gravou com os grupos pop Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Mestre Ambrósio. É autor de Agamamou, sucesso do grupo de pagode Art Popular. Gravou um disco homenageando Pixinguinha. Aliás, a idéia de gravar este CD repercutiu tanto que levou Bocato a fazer uma das noites do Festival de Jazz de Montreux em 1994 ao lado de Rafael Lima.
O contato com a obra de Pixinguinha começou com o convite para fazer um show no Museu da Imagem e do Som de São Paulo em 1994 com as músicas do chorão. Alfredo da Rocha Vianna Neto, filho da estrela maior do choro, enviou para Bocato um livro com 180 canções para pesquisa. Quando fez o show, sentiu que este era o momento de agradecer a quem sempre o ajudou a conquistar todas as coisas na vida. "Na música brasileira um dos maiores pais para mim é o Pixinguinha. Acabei fazendo o disco para servi-lo e servir à música brasileira. Acabou me servindo mais ainda", diz.

 

Discografia
Acid Samba - 2001 (L177)
Samba de Zamba - 1999 (L177)
Tributo a Pixinguinha - 1997 (Mix House)
Bem Dito - 1996 (Camerati)
Ladrão de Trombone - 1990 (Baratos Afins)
Aqui Jazz Brazil - 1989 (Baratos Afins)
Abruxa-te - 1989 (Baratos Afins)
Concerto Para um Trombone Quebrado - 1988 (Baratos Afins)
Sonho de um Anarquista - 1987 (Baratos Afins)
Lixo Atômico - Bocato e Banda Bloco - 1985 (Baratos Afins)
Banda Metalurgia - 1982 - (Som da Gente)

 
 
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