Desde o lançamento oficial da linha de periféricos HotSound na Expomusic 2001, estávamos loucos para pôr as mãos - ou melhor, os ouvidos e os instrumentos de medida - nestes produtos. Afinal, não há melhor alimento para o espírito do que a curiosidade, e o surgimento de uma nova linha, totalmente desenvolvida e montada no Brasil, é um justificado motivo de curiosidade.
Recebemos para avaliação dois produtos de grande potencial: o crossover de quatro vias CR2020 e o equalizador EQ2031, e agora você vai saber em detalhe como se comportam esses processadores.
Crossover CR2020
O CR2020 é um crossover de dois canais totalmente independentes, operável em três ou quatro vias. Possui apenas um tipo de corte, o Linkwitz-Riley - que é o melhor, dos pontos de vista de eficiência de filtragem e de acoplamento entre transdutores. Outro modelo é o CR2002, fixo em três vias.
O painel frontal, como é comum a toda a linha HotSound de periféricos, é metálico, revestido em policarbonato, podendo ser comprado nas cores negra, prata e ouro. Esta é uma curiosa novidade introduzida pela HotSound, já que a maioria dos fabricantes associa uma cor específica a seus produ-tos. Todas as três opções são muito bonitas, porém o painel negro oferece melhor leitura das inscri-ções em condições inadequadas de iluminação.
O painel frontal tem os controles separados por canal, ocupando um a metade superior e outro a inferior. Cada um desses canais é dividido segundo a banda de freqüências, começando à esquerda com a banda mais grave. Começando pela esquerda, temos os controles de ganho de entrada e de threshold do limitador de entrada, este indo de -12dB a +21dB. Abaixo destes, temos os LEDs Signal e Clip, os LEDs 3 Way e 4 Way, e o LED Limit, obviamente indicando a ação do limitador.
A seguir, vêm os controles dos filtros passa-altas (HPF) - freqüência, Q e chave de bypass, os contro-les de freqüências de corte, e os controles do filtro passa-baixas (LPF) - chave de bypass e a chave Air, que acrescenta um reforço nas altas freqüências. Finalmente, vêm os controles individuais de nível e de delay para as quatro bandas, incluindo chave de mute e chave de inversão de polaridade, como sempre erroneamente denominada "180°".
No painel traseiro, estão disponíveis através de conectores XLR, todas balanceadas, as duas entradas (canais A e B), e suas respectivas saídas em quatro bandas, de A1 a A4 e de B1 a B4. As entradas têm saídas paralelas, denominadas Sends, para ligação de outras unidades. Entre as entradas e saídas, ficam as chaves 3 Way / 4 Way e a útil chave Mono Low Link, que produz saídas mono para a banda de graves, para melhor aproveitamento da potência dos amplificadores.
A chave liga/desliga também fica na traseira, junto à entrada do cabo de AC, do seletor de tensão e da chave de levantamento de terra.
Medidas
As medidas foram feitas com o seguinte equipamento:
· Analisador Neutrik A2D com software AS04
· Software SpectraLab 4.32.17
· Computador Pentium III de 1GHz com placa Yamaha DS2416
· Cabos Whirlwind e Santo Angelo
Resposta de freqüências das 4 bandas: linkwitz-Riley
Resposta de fase praticamente perfeita
Precisão dos Filtros Linkwitz-Riley
As primeiras medidas feitas foram as de precisão dos filtros Linkwitz-Riley. Como se sabe, neste tipo de filtro de 24dB/oitava, na freqüência de corte a amplitude relativa correta é de -6dB e a rotação de fase é de ±180°. A leitura de resposta de amplitude do CR2020 deu um resultado quase perfeito, pecando apenas na transição da 2ª para 3ª banda por quase 1dB a menos - algo praticamente inaudível. A resposta de fase, medida na 2ª banda com cortes em 95Hz e 1kHz, se mostrou correta, com ±180° exatamente nas freqüências de corte, e excelente linearidade ao longo da banda.
Resposta de Freqüências e Filtros
Sem o uso do filtro HPF, a resposta se estendeu perfeitamente plana até 10Hz (limite do analisador). Com o filtro no circuito, em sua posição mínima (12Hz), notamos uma perda de apenas 1dB em 20Hz, e a partir de 30Hz a resposta se torna plana. A freqüência de corte (-3dB) nesta situação não é de 12Hz como esperado, mas em torno de 16Hz - sem problemas.
O filtro HPF foi avaliado em 75Hz, em três situações: com Q (denominado Q Factor) de 0,707 (filtro Butterworth), o valor intermediário de 0,95 e o máximo de 1,65. No primeiro caso, medimos exatamente ?3dB na freqüência de corte do filtro. Na última situação, o pico atingiu nada menos de +12,5dB em 85Hz, o que realça o grave logo acima do inevitável limite de resposta do sistema, ao mesmo tempo que o protege de operar abaixo desse limite. A inclinação do filtro é de 12dB/oitava.
A resposta de altas freqüências sem o filtro LPF segue plana até ?3dB em quase 80kHz. O LPF tem freqüência de corte fixa em cerca de 35kHz, acarretando apenas queda mínima em 20kHz. Usando-se a opção Air, que eleva o Q do filtro para 2, a freqüência de corte desce para cerca de 21kHz, mas surge um reforço de 6dB na região de 13kHz, acrescentando grande brilho à resposta de cornetas. Este recurso não deve ser usado em sistemas de referência com respostas melhores de altíssimas freqüências. A inclinação deste filtro é de 18dB/oitava.
Resposta de baixa freqüência e filtro HPF
Distorção e Nível de Saída
Para medir a distorção harmônica, aplicamos sinal de 2kHz à entrada, fazendo a medição na saída de altas freqüências, sem filtro, na configuração de quatro vias. Como se pode ver, a distorção é muito baixa até o nível máximo de +25dBu. A +12dBu de saída, por exemplo, a distorção é de apenas 0,007%.
Não foram feitas medidas de intermodulação SMPTE por um motivo simples: ela não existe num crossover, pois pela mesma banda jamais passam juntos um grave e um agudo.
Resposta de alta freqüência do filtro LPF
Distorção harmônica
Ruído
O ruído medido é muito baixo. Utilizando a banda de altas freqüências (onde o ruído é mais audível) a partir de 1kHz, registramos uma relação sinal/ruído de 92dB, a mesma de um CD player típico.
Equalizador EQ2031
Testamos também o equalizador EQ2031 de 31 bandas, dois canais, da HotSound. O aparelho é tão bonito quanto o crossover, com o mesmo estilo e acabamento em três cores opcionais.
O painel frontal tem, a partir da esquerda, os sliders das 31 bandas. Os potenciômetros usados pela HotSound têm uma boa "pegada", com a desejável retenção no meio do curso. São bastante longos, com curso de 45mm, permitindo boa precisão nos ajustes.
À direita, temos os controles de Contour (um controle adicional de graves e agudos), os controles de freqüência dos filtros passa-altas e passa-baixas; à direita, as chaves de bypass geral e do Contour, a chave de Mode, que permite alternar entre equalização de ±6dB e ±12dB; e o ajuste de nível de saída. Todos esses controles se repetem para o outro canal na parte inferior do painel.
O painel traseiro oferece flexibilidade, com as entradas e saídas balanceadas em conectores XLR e P4. Na extremidade oposta, temos a parte de AC semelhante à do CR2020.
Medidas
Utilizamos os mesmos instrumentos que para o crossover CR2020.
Ação dos Filtros e Resposta de Freqüências
O primeiro controle a ser estudado é o Contour, com dois botões giratórios: Lo Freq e Hi Freq. O Contour é um controle de tom bem suave (±6dB), destinado a "esquentar" a resposta do sistema sem recorrer aos controles principais do equalizador. Atua nas extremidades do espectro, oferecendo ±6dB em 20Hz e 20kHz, e ±3dB em 125Hz e 5kHz. A idéia é utilizar os controles deslizantes de forma corre-tiva, e o Contour de forma criativa, realçando (ou mesmo atenuando) as pontas.
Com o Contour em 0dB e o bypass geral acionado, a resposta de freqüências é praticamente plana de 20Hz a 20kHz, com os pontos de -3dB abaixo de 10Hz e acima de 70kHz (curva em vermelho).
A ação suave do Contour Trabalhando as pontas
Ao se ativar o equalizador de 31 bandas, a resposta não fica tão plana. Os pontos de ?3dB passam agora para 22Hz e 22kHz. Veja a curva em cor laranja.
Os filtros são de 12 dB/oitava e podem ser ajustados em amplas faixas de freqüências de corte: de 2Hz a 500Hz para o filtro passa-altas, e de 3kHz a 55kHz para o passa-baixas. Notamos aqui uma séria incoerência entre os resultados reais e as inscrições no painel do aparelho. Na posição onde medimos a freqüência de corte mínima de 22Hz (a -3dB), a leitura do painel é de "2Hz". Na posição onde se lê "16Hz" (vermelho) a freqüência de corte medida é de quase 30Hz. Na posição onde se lê "45Hz" (roxo), o corte real é de quase 60Hz, e a "110Hz" (azul escuro) o real são 150Hz. Nas altas freqüências a situação também está difícil. Por exemplo, onde o painel lê "55kHz" (laranja), a freqüência de corte está pouco acima de 20kHz; a 16kHz (vermelho) e abaixo, as leituras do painel estão bastante coerentes com os resultados reais.
Sou de opinião que a HotSound deveria efetuar uma revisão nos filtros ou alterar o painel, para que o técnico não seja induzido a um erro aplicando os filtros longe do ponto correto.
Filtros de Equalização
Os filtros de equalização podem funcionar em dois modos: Mode 6dB e Mode 12dB. O primeiro deve ser usado para equalizações onde não há necessidade de grandes alterações de resposta, e apresenta as vantagens de maior precisão nos ajustes e melhor resposta de fase. O modo de 12dB deve ser usado quando ações radicais são necessárias.
Filtros: é preciso melhorar
As atuações medidas na banda de 1kHz foram de ±13,5dB, mais do que o prometido. No modo de 6dB as atuações chegaram a quase ±7dB, novamente excedendo as especificações. Os filtros no modo de 12dB são de Q constante; no modo de 6dB o Q varia bem mais com o ganho. Isto sugere o uso do modo de 12dB para equalizações corretivas (por exemplo, correção de resposta de sistemas de PA), e do modo de 6dB para equalizações "musicais", mais para modificar a tonalidade do que para corrigir a resposta.
No modo de 12dB, em máximo reforço ou atenuação, os filtros mostraram largura de banda correta, de 1/3 de oitava, como esperado.
As curvas de ripple mostram o comportamento do EQ2031 em quatro situações extremas. A curva em vermelho mostra a resposta com os sliders de 630Hz, 800Hz, 1kHz, 1,25kHz e 1,6kHz no ganho máximo.
Equalizador no modo de 12 db: O constante, ideal para correção de resposta
Equalizando no modo de 6dB: mais musical
A curva em azul claro mostra os mesmas sliders reforçando 5dB cada. O ripple é igual ou menor do que 1dB, mas a superposição entre as bandas produz um reforço conjunto da ordem de 5dB, o que pode dificultar um pouco a utilização do equalizador em trabalhos de correção eletroacústica. As duas curvas inferiores mostram o comportamento com todas as bandas atenuadas de 5dB cada (em laranja) e no máximo de atenuação (em azul escuro). O comportamento se repete, mostrando resposta quase plana em todo o espectro, com 5dB de atuação a mais na resultante.
Resposta de Fase
Este é um importante aspecto a ser analisado em se tratando de um conjunto de muitos filtros como um equalizador gráfico. Uma resposta de fase ruim provoca os mais estranhos fenômenos audíveis e medíveis, como anulação entre bandas e atuação de um controle em freqüências que nada têm a ver com a banda ajustada.
Equalizando várias bandas vizinhas: baixo ripple
A resposta de fase dos filtros de equalização do EQ2031 se mostrou correta, como se pode ver nos gráficos. A primeira figura mostra a variação de fase no reforço máximo apenas da banda de 1kHz, no modo de 12dB (curva em vermelho) e no modo de 6dB (em azul). Não aparece nenhuma anomalia que pudesse provocar comportamentos estranhos. As curvas de resposta de amplitude mostradas anteri-ormente comprovam isto.
Respostas de fase com reforço total a 1kHz
Outra experiência que fiz consistiu em reforçar as sete bandas desde 500Hz até 2kHz, de modo que a banda de 1kHz estivesse no reforço máximo, diminuindo à medida que nos afastávamos dessa fre-qüência. Ou seja, +12dB em 1kHz, +9dB em 800Hz e 1,25kHz, +6dB em 630Hz e 1,6kHz, e +3dB em 500Hz e 2kHz. A curva resultante (em verde) é muito mais suave que aquela obtida com o reforço apenas da freqüência central (1kHz), atingindo inclusive menor desvio de fase no máximo e no mínimo.
Para efeito de comparação, a curva em lilás mostra a resposta de fase sem equalização: os desvios nas extremidades do espectro mostram certa perda de resposta nas pontas, como já havia sido comen-tado anteriormente.
Distorção e Nível de Saída
A distorção no EQ2031 se mostrou muito baixa, em qualquer nível e em qualquer freqüência. Por exemplo, a +12dBu de saída, chegamos a 0,005% de distorção harmônica em 1kHz.
Para a intermodulação obtivemos valores igualmente baixos.
O nível máximo de saída é de +20dBu.
Aqui quero fazer um comentário. A saída destes equipamentos é balanceada, mas não flutuante ou seja, as duas saídas simétricas são referenciadas à massa. Muitas vezes, estes periféricos são usados em inserts de mesas ou em outros circuitos desbalanceados. Com isto, uma das "pernas" da saída é usada, e a outra é posta em curto-circuito para a massa.
Equalizando com mais suavidade
Os amplificadores de saída são protegidos e não vão sofrer nada com isso, mas metade da tensão de saída é perdida, reduzindo o nível máximo para +14dBu e ainda obrigando o usuário a "puxar" 6dB no controle de nível de saída para manter o ganho correto. Isto poderia ser melhorado usando uma saída eletronicamente balanceada e flutuante, em que aterrando-se uma das "pernas" a tensão na outra "perna" dobra de amplitude, mantendo o ganho global. A solução completa mesmo seria um transformador de saída mas, para manter a relação custo/benefício, este seria um componente crítico e caro a ser acrescentado.
Distorção muito baixa em qualquer situação
Ruído
O ruído se apresentou extremamente baixo. A relação sinal/ruído, com os controles flat, atingiu 108dB, valor encontrado em sistemas digitais de 24 bits.
Ruído: extremamente baixo
Audição
Para a avaliação auditiva do EQ2031, utilizei os DVDs: The Hell Freezes Over da banda The Eagles, e a Quinta Sinfonia de Beethoven, com a Sinfônica de Berlim regida por Herbert von Karajan. Os pro-gramas foram reproduzidos através dos conversores da interface Pro Tools 888|24, para máxima qualidade.
O sistema de monitoração consistiu em caixas Spirit Absolute 4, com amplificadores internos, e subwo-ofer desenhado por mim, com resposta a partir de 22Hz, alimentado por um velho e bom amplificador Micrologic M300.
Senti, no show ao vivo dos Eagles, o som da palhetada no violão de cordas de aço ser um pouco velado ao aplicar o equalizador. Isto tem a ver, seguramente, com a imprecisão dos filtros paramétricos já comentada. O som do violão tem componentes acima da freqüência de corte do filtro LPF mesmo em sua posição mais aberta, e esses componentes se perdem. É preciso uma revisão destes filtros para sanar o problema. Em sistemas de PA, a diferença será menos perceptível devido às limitações do próprio sistema. As inscrições do painel também não coincidem com as freqüências reais, induzindo o usuário a erros.
Tive também a impressão de perder um pouco de "peso" nos graves extremos, o que pode ser acarre-tado pela freqüência de corte de 22Hz e pela rotação de fase no extremo grave. Este problema é simples de resolver, apenas aumentando o valor dos capacitores de acoplamento.
A sonoridade dos filtros, principalmente no modo de 6dB, é agradável, não se notando ringing nem distorção apreciável. No modo de 12dB, é preciso, como em qualquer equalizador, evitar exageros, a fim de evitar perigosas distorções de fase e ressonâncias audíveis (ringing). Ruído jamais foi (nem poderia) ser notado.
Conclusão
Os periféricos da HotSound são de boa qualidade e, com algumas correções, se tornarão excelentes. Do jeito que a indústria brasileira continua evoluindo, cada vez teremos menos importações e mais exportações.
Sólon do Valle, engenheiro eletrônico, é editor técnico de M&T e professor do IATEC.