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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Não Existe Som Ruim, Existe Som Mal Empregado
Enrico De Paoli
Publicado em 01/10/2002 - 00h00
Um amigo meu da escola de áudio Grove School of Music, em Los Angeles, já dizia essa frase. Sempre me lembro dela.
Nossos problemas, normalmente, estão nos nossos maus hábitos... Um deles é, em uma mixagem, julgar um timbre ouvindo-o só ou solado. Tendemos a nos esquecer de que este timbre faz parte de uma base inteira. Ele pode ser bem feioso em solo, mas talvez seja perfeito para aquela música naquele momento, com aquele arranjo. Outra mania feia (risos) é julgar equipamento pelo preço e não pelo resultado que este gera como ferramenta, ou instrumento. Música não é mercado financeiro. É acima de tudo arte que emociona (ou deveria). É claro que, geralmente, não existe muita mágica. Componentes caros são melhores que componentes baratos. Mas ouvi dizer que toda regra tem sua exceção.
Nunca me esqueço de uma masterização de Bernie Grundman que acompanhei, em Los Angeles, onde em seu rack havia um compressor/limitador todo pintado de preto... Com nada escrito nele. Perguntei o que era aquilo, e tive como resposta "- é um compressor feito por nós mesmos ." Acontece que ele era absolutamente igual a um modelo da Aphex. Vale lembrar que nada da Aphex custa caro...(risos)  Bernie, além de ser um grande masterizador, é um cara esperto. Imagina o que os clientes pensariam dele se o vissem usando um compressorzinho barato? Certamente, falariam "- Tá doido? Não vou masterizar com esse cara duro aqui!"  Mas ele não só saca do mercado, como também acredita nos seus ouvidos.
Por falar em marcas de equipamentos baratos, várias delas fabricam um tipo de equipamento que já foi moda, já saiu, voltou e saiu de novo... E agora eu não sei se está na moda ou não (não tenho lido Caras!)   Estou falando dos enhancers ou exciters, processadores de harmônicos, sonic maximizers etc. Os mais conhecido, por acaso, é o Aural Exciter, fabricado também pela Aphex, um gerador dinâmico de harmônicos de alta frequência. Quando foi lançado em 1975, ele não estava disponível para compra. Só podia ser alugado. Depois disso já entrou no ciclo do entra-e-sai de moda. De uns tempos pra cá, eles implementaram a função Big Bottom, que gera harmônicos de baixa frequência. Parece que o pessoal da Aphex percebeu que o mundo passou a escutar música com mais grave. Quer dizer, com muito mais grave!  Outro processador concorrente que ganhou muito mercado foi o BBE (Barcus-Berry) Sonic Maximizer, que tem como característica não adicionar harmônicos artificiais no sinal, mas sim características sônicas de forma dinâmica, inversas às ineficácias de reprodução associadas aos alto-falantes. Outro modelo no mercado é o Ultrafex, da Behringer, marca altamente rotulada como "equipamento barato". O Ultrafex faz o seu serviço através de micro-delays dependentes de frequência adicionados dinamicamente, correção de frequências e geração de harmônicos artificiais. Vale lembrar para os novos-engenheiros (geração mouse) que não gostam de girar botões e plugar cabos, que existem alguns plug-ins com essas funções também: o próprio Aural Exciter, da Aphex, e o Maxx-Bass, da Waves. Este último só lida com baixas frequências.
E, então ? Esses troços baratinhos prestam mesmo? A frase que mais ouvi a respeito deles foi "- jamais passaria minha mix inteira por um equipamentinho de 300 dólares..."  Bem, acho que eu também não. A menos que ficasse boa!  Mas quem disse que você tem que passar a mix toda? Que tal um canal só? Ou dois? Ou um grupo? Aquele canal que precisa de mais presença e que o equalizador não resolve, mais agudo sem ficar estridente. Mais grave, quer dizer, mais sub-grave!
Está bem, eu também tinha um pé atrás até que... Recentemente, estava mixando ao vivo e nada fazia com que o bumbo viesse com o sub-grave que eu queria. O bumbo era ruim? Claro que não. Ele, simplesmente, era assim mesmo. De que me adiantaria um equalizador nessa hora? Para aumentar uma frequência que não existe no bumbo? Impossível. Então, quis experimentar um brinquedinho desses no meu problema. Estava na casa de um amigo de longa data, Guto Della Fávera, cantor/compositor. Falei do problema do tal bumbo e da minha vontade de experimentar um enhancer desses. Ele me disse com um ar cabisbaixo: "eu tenho um mas é Behringer, e deu aquela risadinha."  Eu falei: "- deixa eu ver o que acontece" e ele, gentilmente, me emprestou. Quando cheguei no show, a Mac Audio já tinha providenciado um BBE também para teste. Resultado: o BBE fez aquele bumbo ficar muito pesado na região do médio-grave. O Behringer, por sua vez, fez o bumbo ficar redondo, adicionando justamente as frequências que nele faltavam para o meu gosto. Qual é o melhor? Não sei. O BBE tem mais tradição em processadores dessa natureza, sem dúvida. O baratinho, no entanto, resolveu o meu problema. Guto, acho que vou ter que pintar seu Behringer de preto...


Enrico De Paoli é engenheiro de PA e estúdio. Seus créditos incluem Ray Charles, Al Jarreau, Marcus Miller, Cássia Eller, Marina, Jota Quest, Cidade Negra, Skank etc. Atualmente, está em tour com Djavan.  Contatos para reclamações, sugestões, dúvidas, críticas, elogios, empregos ou, simplesmente, um Olá: enrico@rio.com.br
 
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