Hoje resolvi abordar este assunto, que além de soar muito autobiográfico, atualmente carece de algumas explicações para aqueles que gostariam de tornar a produção fonográfica sua profissão. Atualmente, no Brasil, podemos encontrar alguns cursos de Tecnologia em Produção Fonográfica, dentre os quais a Fatec-Tatuí figura como o primeiro curso gratuito do país.
A profissão produtor fonográfico não é nova. Pelo contrário, sempre existiu na indústria fonográfica, mas de maneira descentralizada. Já o profissional de nível superior chamado de tecnólogo em produção fonográfica existe no Brasil há mais ou menos dez anos.
O INÍCIO
Poucas pessoas sabem, mas os cursos de tecnologia em produção fonográfica foram regulamentados no Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia, criado pelo MEC no ano de 2006. Nesse ano, além de professor no curso de Música da Universidade Estadual de Londrina, também era professor no curso de Música e Tecnologia da Universidade do Oeste Paulista. Foi nesse momento que todos os cursos superiores que envolviam áudio, música e tecnologia passaram a ser enquadrados como cursos superiores de tecnologia em produção fonográfica.
De lá pra cá, alguns cursos abriram, outros fecharam, e por uma manobra do destino participei desde o inicio do curso de Tatuí e continuo até hoje. No entanto, depois de mais de 13 anos como professor universitário tanto de música quanto de produção fonográfica, eu consegui identificar algumas angústias gerais dos alunos que procuram a produção fonográfica como uma formação profissional.
A EXPECTATIVA
Dois perfis distintos de alunos procuram os cursos de produção fonográfica e ambos se realizam, mas também se decepcionam em alguns aspectos.
Perfil 1 - O profissional sem titulação, mas com experiência de vida. Esse perfil era muito comum no início da criação dos cursos de produção fonográfica justamente pela grande quantidade de pessoas atuando no mercado de trabalho, porém sem titulação superior em áudio ou música, principalmente pela inexistência desses cursos no Brasil.
Perfil 2 - O jovem saído do ensino médio em busca de uma profissão de garantisse o sustento financeiro aliado a uma vida profissional mais interessante e motivadora. Na grande maioria são jovens sustentados pelos pais, que cobram retorno financeiro rápido do investimento na educação dos filhos, algo que atualmente não acontece em nenhuma profissão.
A REALIDADE
Na minha opinião de professor do ensino superior, o perfil 1, apesar de vir carregado de uma experiência prévia, provavelmente já inserido no mercado de trabalho, tende a criar uma relação menos desesperada com as expectativas. Por outro lado, enxerga de maneira reduzida o que seria a profissão de protutor fonográfico, em geral priorizando o áudio sobre a própria música. Muitas vezes esse aluno torna-se resistente em conhecer questões administrativas/jurídicas ou, ainda, musicais, focando apenas no que fazem os botões dos equipamentos. Frustração certa! Cursos superiores de produção fonográfica são muito mais abrangentes do que cursos técnicos de áudio, principalmente por privilegiar função do técnico na produção.
Ou seja, o tecnólogo sempre que possível, deve contratar um técnico para tais funções, ficando a produção com o gerente da operação completa. Por exemplo: o técnico monta o set, liga os cabos, posiciona os microfones, e o produtor fonográfico administra o artista, o tempo, o orçamento e o produto final. Claro que ensinamos operações técnicas no curso de tecnologia, mas isso acontece principalmente porque o gestor da operação deve conhecer a fundo a função técnica, mesmo que ele não vá realizá-la no momento.
O perfil 2 vive um misto de euforia e medo durante os primeiros meses do curso, que se não for devidamente abordado pode se transformar em uma frustração terrível, culminando também no abandono do curso. Nada pior do que viver uma vida com uma espada na cabeça, mas pra quem a vida não é assim? O jovem produtor fonográfico consome os professores até os ossos, se interessa por tudo, está sempre pronto pra aprender e é muito produtivo no curso. Em contrapartida, vive atormentado pela insegurança financeira e na maioria das vezes faz escolhas erradas, fechando os olhos para oportunidades e para as suas próprias habilidades pessoais.
O ESTÚDIO, SONHO MALDITO
Invariavelmente, acabo sendo o responsável pela falência prematura do tão sonhado "Projeto do Estúdio de Gravação". Quando os alunos chegam para minhas disciplinas de consoles ou de gravação, o estúdio passa a ser um "prato de comida para um faminto". Parece que tudo perde importância. Música, som e arte dão lugar a marcas, equipamentos e dinheiro, e as perguntas mais dramáticas começam a surgir. "Professor, de quanto eu preciso pra montar meu estudiozinho e fazer alguns trabalhos pequenos?" "O que eu compro primeiro: interface e um microfone ou um computador Apple?"
Sempre sou muito sincero com meus alunos, e isso nem sempre é bem recebido, mas ao longo desses anos entendi que o estúdio e o produtor fonográfico não existem um sem o outro. Porém, eles podem ser entidades diferentes. Administrar um estúdio pode ser uma atividade massante e muito cara, além de, muitas vezes, pouco rentável.
Um home studio básico, de qualidade mínima, do chão ao teto, custa, em média, R$ 50.000, incluindo equipamentos modestos. Um médio que permita um fluxo razoável de clientes com atendimento satisfatório, carece, em média, de R$ 400.000 e necessita mensalmente de uma receita mínima de R$ 20.000 para pagar funcionários, manutenção e gerar um lucro mínimo para a atividade compensar financeiramente. Estúdios grandes devem ser encarados como indústrias de alguns milhões de reais, e para dar certo devem ser geridos por "mestres dos negócios", e não por artistas ou produtores.
NÃO TENHO DINHEIRO! O QUE EU FAÇO?
Não desista. Desapegue do óbvio. Comprar tudo o que o mercado "exige" é um péssimo negócio. Invista em algo positivo e especial que você sabe fazer melhor do que ninguém. Não faltam exemplos de pessoas que encontram um caminho original e passam a ser reconhecidas por isso. Seja atender segmento específico, como gospel, sertanejo ou jazz, ou investir em equipamentos garimpados e raros. Quando somos reconhecidos como produtores especialistas, somos sempre lembrados como pessoas especiais.
Em certo momento tive um aluno pianista de jazz que tinha o sonho de comprar um ótimo piano de meia calda para poder estudar melhor e também para sua satisfação pessoal. Logo ele percebeu que pra receber o piano ele precisava reformar completamente uma sala para torná-la acusticamente tratada. Quando o sonho se tornou realidade e ele conseguiu seu piano e sua sala, em pouco tempo passou a ser procurado para gravar as partes de piano de alguns discos ou alugar a sala para algumas gravações de piano. Assim, ele passou a ser o especialista em gravação de piano, com a sala mais bem preparada da região.
Quem não conhece a história do Gustavo Vasquez, dono do Rocklab Produções Fonográficas, pode conferir no YouTube um trecho de sua entrevista no #15 Unconvension de 2011. Nesse vídeo ele relata exatamente como a busca por um modelo standard de estúdio o levou inicialmente à falência, provocada por investimentos e escolhas erradas. O fato só foi revertido quando resolveu realmente abrir mão de um modelo preestabelecido de estúdio e investir em um segmento em que era realmente influente e especialista, vindo a figurar em pouco tempo como um dos principais estúdios para gravação de rock de Goiás.
Também no YouTube você pode conferir o Lisciel Franco apresentando o seu Estúdio Lab Forest, completamente personalizado com equipamentos que foram garimpados ou desenvolvidos para viabilizar o som que ele concebeu como ideal, indo na contramão da ideia de que as pessoas só procuram o estúdio pela marca dos equipamentos.
Enfim, há uma lista imensa de produtores consagrados que montaram seus estúdios para atender à sua concepção musical fugindo do padrão de mercado, ou ainda produtores que nunca tiveram seu próprio estúdio e sempre trabalharam em estúdios alugados para um projeto de gravação ou mixagem. O importante nesses casos é apostar naquilo que você realmente pode oferecer e que pouca gente faria tão bem quanto você, seja a habilidade de gerenciar de projetos, especialidade em áudio ou produção musical.
O PRODUTOR INDISPENSÁVEL
De maneira muito objetiva, o produtor indispensável é o que ajuda o músico a viver e ganhar dinheiro com sua arte. Todos os produtores podem ser trocados por outro "mais em conta", mas aquele que empreende junto com o artista acaba sendo decisivo e indispensável. Quase sempre o músico de talento é um "durango", então tentar arrancar dele seu último suspiro pra pagar a gravação de seu disco soa um tanto triste. O produtor indispensável é aquele que entra de sócio com o artista. Ele investe tempo, investe conhecimento e está lá junto com o artista pra fazê-lo tocar com mais frequência, aparecer no cenário musical e, juntos, colherem os frutos financeiros dessa parceria.
Nesse sentido, quando um produtor fonográfico domina mais uma área do que outra, ele deve contar com o apoio de uma rede de amigos, na qual um produtor cobre a deficiência dos outros e juntos fazem o artista decolar. Digo sempre aos meus alunos: "sejam empreendedores e não apenas prestadores de serviço". Prestar serviço é uma opção para profissionais já reconhecidos e consagrados que podem cobrar quantias robustas pois já têm uma clientela fiel que paga o preço sem titubear. Mas, se está no início da carreira, bom mesmo é se associar a outros profissionais para garantir mais fluxo de trabalho.
FARO FINO
Em toda história da indústria fonográfica a percepção do artista em potencial sempre foi decisiva na carreira do produtor. Nesse sentido, em vez de ser somente um proprietário de um estúdio, por que não ser um caçador de talentos? Uma pessoa bem relacionada é sempre lembrada e isso atrai recursos financeiros. Eu mesmo já encontrei no caminho muita gente talentosa precisando de uma força. Então elaborei uma tríade de quesitos que o artista precisa atender para que ele se torne um investimento em potencial.
- Talento musical: O músico em potencial deve estar parcialmente pronto ou, de preferência, muito bem preparado musicalmente para iniciar sua carreira.
- Presença de palco: A presença no palco tem que ser do mesmo nível ou ainda melhor do que seu talento musical. Desenvoltura com a banda, entrosamento e performances arrasadoras atraem público.
- Carisma com o público: O artista carismático tem público cativo e potencial pra atrair mais público pelos lugares por onde passa. É o público que vai financiar os projetos do artista, ou seja, ir aos shows, comprar discos, camisetas, canecas e colaborar com crowdfunding, e é esse dinheiro que vai fazer girar a engrenagem financeira do negócio.
Quando o artista em potencial não consegue equilibrar esses três quesitos e essa deficiência não pode ser melhorada com o planejamento de uma equipe de produtores, fica muito difícil atrair os recursos financeiros necessários para se produzir essas gravações.
Nesse sentido, se você está no começo e precisa entrar no mercado, encontre parceiros e juntos busquem um potencial artista. Invistam juntos, pois assim se arriscam na mesma proporção e você não precisará fazer um investimento de milhares de reais para poder se destacar no mercado da produção fonográfica. Custa muito mais construir um estúdio do que locar um de ponta para realizar trabalhos como gravação de bateria e voz. Fora isso, é possível realizar quase tudo "in the box", baixando o custo da produção e aumentado o lucro compartilhado com setores de digital media, produtores de shows, produtores de vídeo e com o artista.
Para encerrar, não se esqueça: o áudio é só o veículo da música.
José Carlos pires Júnior, músico e produtor fonográfico, é professor das disciplinas de técnicas de Gravação e Acústica Aplicada ao Instrumento.
E-mail: cravelha@gmail.com.
FAtEC tatuí - Curso gratuito de produção Fonográfica.
site: http://tinyurl.com/fatec-prodfono