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Revista Luz & Cena
entrevista
Luís Paulo Serafim
Gravando, Mixando e Co-Produzindo Marina Lima
André Luiz Mello
Publicado em 01/01/2001 - 00h00

A satisfação é dupla: pela oportunidade de trabalhar num dos maiores estúdios do país e pela chance de poder contribuir para a volta aos palcos de Marina Lima, atingida nos últimos cinco anos por uma depressão que chegou a afetar a sua voz, mantendo-a longe dos shows. A luz baixa da técnica do estúdio Mega, no Rio contribui para o bom andamento da mixagem feita pelo mais que solicitado Luís Paulo Serafim para o disco ao vivo "Sissi na Sua". Marina mantém-se ao lado, sempre atenta aos detalhes.

Gravado ao vivo em São Paulo, o CD foi lançado no início de dezembro e foi co-produzido por Luís Paulo e Edu Martins, baixista da cantora. "Sissi na Sua" será lançado em duas versões pela Universal: um duplo com 21 canções e a íntegra do show, e outro simples, com 14 faixas. O trabalho foi mixado na sala SSL 9000, equipada com uma (super) console dessa marca e modelo. Ao lado de equipamentos hi-end convivem outros bem antigos, como os compressores valvulados Teletronix e Urei 1176.

Edições em Pro Tools foram realizadas no estúdio Discover. A mixagem foi feita em ½" e a masterização do disco ficou a cargo do estúdio Classic Master. A seguir, a entrevista com Luís Paulo Serafim, profissional com 20 anos de estúdio e com boas lembranças por ter trabalhado para artistas como Gil e Milton, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gal Costa, Pato Fu, Skank, Simone, Maria Bethânia, Jota Quest, Zélia Duncan e Daniela Mercury.

 "Eu Tento Fazer o Melhor e Sempre com Participação de Todos"

M&T: Foi muito difícil começar no mundo do áudio?
Luís Paulo Serafim: Eu venho de uma família humilde, então era muito difícil para estudar. Tive equipe de baile, depois fui para rádio. Em estúdio comecei como assistente, só que a minha estrutura era muito pequena. Foi tudo na raça e isso de um lado é bom, porque às vezes você não tem determinado equipamento mas se vira com outro. Eu fazia muita coisa dentro do estúdio e não só assistia às pessoas. A batalha para chegar lá é de uma outra forma.

M&T: Você sonhava em gravar algum artista em especial?
Luís Paulo: Eu queria gravar um dia a Rita Lee. Eu realizei o meu sonho e eu vivo isso. Em qualquer música eu vou tentar fazer o melhor e sempre na democracia, com participação de todos porque na música você não é o dono da verdade. O quadro não é meu, o quadro é de um artista a quem estou ajudando a deixá-lo com a moldura certa, com o equilíbrio certo das cores.

M&T: Você já havia trabalhado com a Marina nos discos anteriores, "Registros à Meia Voz" e "Pierrot do Brasil".
Luís Paulo: Eu mixei os dois. Foi um encontro muito legal que está durando até hoje, a gente se entende muito bem. Dentro do estúdio você deve entender o que o artista quer para acrescentar algo nesse projeto. Todos dizem que ela é difícil mas, na verdade, ela é muito exigente e o casamento ficou muito bom porque eu também sou exigente. Estou feliz também em poder ver a Marina renascendo, é muito importante para a música brasileira.

M&T: Quando o disco foi gravado?
Luís Paulo: No Directv Music Hall (o antigo Palace, em São Paulo) nos dias 28, 29 e 30 de setembro e em 1º de outubro. Nós gravamos essas quatro noites para ter segurança.

M&T: Até que ponto vocês foram em termos de edição e overdub? Chegaram a mixar bases e vocais de dias diferentes?
Luís Paulo: Não. Nós pegamos a base e seguramos tudo. Por exemplo: quem foi ao show viu que houve um problema com um jack do violão da Marina no início de uma música. Esse problema num compasso do violão era um problema técnico. Então nós colamos ali uma introdução que estava boa, nós não estamos mentindo. Cerca de 90% é o show e esses 10% cabem a algumas edições e coisas técnicas na voz de que ela não estava gostando.

M&T: O que definiu a escolha de um take? Foi a performance vocal da Marina?
Luís Paulo: Muitas vezes não, é a performance geral. Ela é a cantora, a artista, mas que precisa da energia da banda. Não adianta ela estar bem e a banda ter algum problema.

A Confiança nos Gravadores Analógicos

M&T: Em qual formato o disco foi gravado?
Luís Paulo: Em 24 canais analógicos, junto com gravadores digitais DA-88 (Tascam). Eu gostaria de ter gravado tudo em analógico, mas só existiam duas máquinas. Seriam necessárias mais duas para permitir a troca de fitas. Foi utilizado um total de 30 tapes rodando em 30 IPS. A máquina é muito segura, só dá problema se estiver sem manutenção nenhuma. Quando você vai gravar em Pro Tools, ADAT ou DA-88 você pode ter problema de formatação e dançar legal.

M&T: Como os instrumentos e vozes foram distribuídos?
Luís Paulo: Bateria, voz e guitarra foram gravados em 2". Voz eu splittei, ou seja, joguei tanto em analógico quanto no DA-88 também. Eu gravo todas as peças da bateria separadas (em13 canais) para ter um maior controle depois, porque muitas vezes o som ilude. Os 16 canais de ADAT (contendo loops, efeitos e samplers disparados ao vivo durante as canções) foram direto para os DAs. Nos DAs também entraram vocal, backing vocals, teclados e microfones de público. Foram uns 60 canais de gravação ao todo, sendo que a música que utiliza mais coisas tem uns 42 canais.

M&T: Usou algum periférico especial?
Luís Paulo: Usei tudo da (unidade móvel de gravação) ARP. Foi a primeira experiência gravando ao vivo. Não sou o tipo de engenheiro que diz: "Eu tenho que gravar com uma Neve 1073". Eu tenho que trabalhar para a música que eu estou fazendo e para o conceito do que eu quero. Mas é lógico que não vou fazer de qualquer jeito.
Você trabalha com muito vazamento nos shows e tem que tomar cuidado porque existem coisas que dão certo num estúdio mas lá dentro não. Também pensamos na captação de público para o DVD (para este formato ainda não há previsão de lançamento). Neste no caso utilizamos cinco microfones, além dos seis para o disco ao vivo.

M&T: Qual o microfone utilizado na voz principal?
Luís Paulo: Ela usou um SM-58 (Shure), que é um microfone muito dinâmico. Você tem que estar colado nele, o que provoca muito puff; quando você tira o microfone você perde completamente a presença e o timbre. Isso foi um problema porque ela canta um pouco longe do microfone. Então imagina o vazamento que eu pego de todo mundo. Mas aí é que está. Eu fui para lá prevendo esse vazamento. Gravação ao vivo é mais simples do que todo mundo pensa. Tudo se resume ao ouvido, ao bom gosto. Em estúdio tem muitos guitarristas que falam: "coloca um 57". Eu adoro esse microfone (Shure SM-57). Mas se você diminui o nível do amplificador e põem um microfone com uma cápsula um pouquinho maior, você vai ter um resultado muito melhor.

M&T: O músico já vai "presetado" para o estúdio...
Luís Paulo: E hoje em dia na música pop você não pode ser "presetado".

Aprendendo com os Produtores

M&T: Como é a experiência de ser co-produtor? Como é co-produzir e ser técnico ao mesmo tempo?
Luís Paulo: Eu trabalho há 20 anos com estúdio. Graças a Deus tive oportunidade de trabalhar com Liminha, Dudu Marote, João Marcello Bôscoli, Guto Graça Mello e um monte deles. Você aprende com eles, tem que ser curioso. As pessoas têm muitas coisas boas e você tem que aprender a pegar um pouco disso.
Muitas vezes vários engenheiros no Brasil trabalham mais do que produtores porque existem muitos deles que precisam da nossa ajuda. Eu já me peguei muitas vezes dirigindo ou a pedido do produtor dando opinião.

M&T: Essa abertura dos produtores foi importante.
Luís Paulo: Se eu tenho a liberdade de falar ou de criar alguma coisa eu sempre vou contribuir. A Marina e o João Marcello Bôscoli descobriram isso. Eu produzi o último disco dos Demônios da Garoa, um tributo ao Adoniran Barbosa, lançado pela Trama. O João queria que eu produzisse esse disco e foi interessante porque eles são históricos e eu me emocionei muito. Foi a última gravação do Arnaldo Rosa. E participei com o João Marcello no disco da banda de Pífanos de Caruaru. Agora: produzir a Marina Lima foi uma surpresa agradável.

M&T: Como está dividido o trabalho entre você e o Edu Martins?
Luís Paulo: O Edu cuidou da parte musical junto com a Marina nos ensaios com a banda, no pré-show. Eu entrei na gravação desse show e produzi no estúdio. Aí sim somamos, escolhemos os melhores takes, todo mundo participando igual. E a Marina nos deixou muito à vontade, o que ao mesmo tempo é uma responsabilidade muito grande. Uma coisa é eu estar ouvindo e ter a artista ao lado e outra coisa é eu determinar tudo isso.

M&T: Até que ponto vai o envolvimento dela com a tecnologia?
Luís Paulo: A Marina tem um computador em casa no qual ela faz as músicas. Ela tem um conceito musical muito bom. Às vezes alguns termos técnicos ela não sabe pedir, mas sabe o que quer quando você mostra para ela.

M&T: Você é muito solicitado. A que se deve essa procura?
Luís Paulo: Eu gosto do que faço. Quando estou mixando ou gravando eu fico muito envolvido com aquilo. É o que eu disse: se eu não for comprar eu não consigo vender isso. Eu sou muito honesto. Dentro do estúdio não é só gravar, é importante saber a hora que você vai falar, a hora em que é possível dar uma sugestão sem passar por cima de ninguém.

MÚSICOS:
Edu Martins: Produção Musical, Baixo, Teclados e Programação
William Magalhães: Teclados e Vocal
Giovanni Bizzotto: Violão e Vocal
Gustavo Corsi: Guitarra
Cuca Teixeira: Bateria

FICHA TÉCNICA:
Show: "Sissi na Sua"
Direção: Enrique Diaz
Roteiro: Enrique Diaz, Fernando Muniz, Marina Lima
Cenografia: Gualter Pupo e Beli Araújo
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurino de Marina e Banda: Alexandre Herchcovitch
Figurino última roupa de Marina: Gucci e Maurício Pecoraro by Daslu
Colaboração Especial: Fernando Muniz e Fernanda Young
Direção de Produção: Marcia Alvarez
Produção Executiva: Jerry Marques
Assistência de Produção: Elisa Carvalho
Assistência de Direção: Mariana Lima e Isabel Teixeira
Assistência de Cenografia: Renata Gentil
Preparação Corporal: Tica Lemos
Camarim Marina: Janete de Moraes

TÉCNICA:
Roadie: Jailton Pereira
Roadie: Nilson Batista
Som: Carlos Martau
Som: Renato Alscher
Luz: Nei Cardoso
Assistência Cenário: Bira Moura
Operador de Projeção: Grey Thompson

VÍDEO:
Direção: Enrique Diaz
Assistente: Isabel Teixeira e Mariana Lima
Edição: Joana Ventura
Agradecimentos: Marcos Pedroso (Ex-Silentio) e Pinky Wainer
**Fragmentos em off de " Os ombros suportam o mundo" de Carlos Drummond de Andrade
.AGRADECIMENTOS
Ocesa Mercury, Conspiração Digital, Gabisom, Érika Palomino, Felipe Venâncio e Suba (in memoriam)
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.