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Revista Luz & Cena
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Dicas e técnicas de gravação em um home studio (Parte 4)
Técnicas de gravação de bateria: Parte A - Preparação
Lucas Ramos
Publicado em 21/07/2015 - 00h00
Nessa edição da coluna vamos começar a falar sobre gravação de bateria, partindo da preparação. Assim como com qualquer instrumento, a gravação de uma bateria acústica tem início muito antes de se apertar "rec", antes mesmo do posicionamento dos microfones. Sem essa atenção e cuidado desde o início, fica bem difícil obter uma gravação de alta qualidade no final.

E a bateria, pelo tamanho e número de microfones envolvidos, é um dos instrumentos mais complicados de se gravar. Além disso, emite frequências que cobrem todo o espectro (grave, médio e agudo), e muitas vezes com bastante dinâmica. A bateria é a base da música (ocidental), e geralmente precisa de peso e intensidade, porém, com bastante definição e brilho. Para isso, é essencial ter bastante cuidado e atenção para obter a sonoridade desejada. Prestem atenção!


INSTRUMENTO - ONDE TUDO COMEÇA

Assim como com todo e qualquer instrumento, antes de começar a pensar em microfones e posicionamento em uma gravação de bateria é preciso se certificar de que a bateria em si está soando bem na sala, com uma sonoridade próxima àquela que você deseja no produto final. É claro que a escolha e o posicionamento dos microfones vão influenciar, assim como a mixagem do material, mas tudo começa com o instrumento, e se você otimizar a sonoridade desde o início, a tendência é que o resultado final fique bem melhor.

Nessa hora é imprescindível ter em mente a sonoridade desejada na gravação. Há diversas decisões que você terá que tomar em relação à sonoridade da bateria, e para poder tomar a decisão correta é preciso saber qual a sonoridade final que você deseja. Uma música de referência pode ser bem útil nessas horas, para comparar com a sonoridade da sua bateria e poder tomar as decisões de forma mais objetiva.

Não é possível obter uma sonoridade boa na gravação se a bateria em si não estiver soando bem. Por isso, invista todo o tempo possível e necessário para tirar o melhor som possível da bateria a ser gravada. Um bom baterista também ajuda, pois grande parte do timbre de uma bateria vem da técnica na execução... Mas aí nem sempre temos escolha (infelizmente)!

PELES

Antes de iniciar a gravação de uma bateria é importante se assegurar que as peles estão em bom estado. Peles gastas geram uma sonoridade sem peso ou "brilho". Além disso, dificultam a afinação, tornando-a instável, muitas vezes com ressonâncias indesejáveis. Se as peles estiverem gastas, o ideal é trocá-las antes de iniciar a gravação. Se possível, utilize peles novas para obter uma melhor sonoridade. Como eu já mencionei antes (e irei mencionar muitas vezes ainda), o aspecto mais importante em relação à qualidade de uma gravação é a sonoridade do instrumento em si. E nisso incluem-se as peles de uma bateria!


AFINAÇÃO


A afinação também é fundamental na sonoridade de uma bateria, e deve ser feita na sala de gravação e com muito cuidado. Boa parte da sonoridade de uma bateria vem de sua afinação, e por isso deve-se alocar tempo e atenção a essa etapa. Há diversos problemas de sonoridade que uma boa afinação pode corrigir e que não daria para acertar na mixagem (ex.: ressonâncias etc.). Por isso é importante investir tempo e atençãoà afinação da bateria.

Também pode ser útil aprender a afinar uma bateria, pois infelizmente nem sempre podemos contar com o baterista para saber afinar direito (mesmo que eles digam que sabem!). Infelizmente, não tenho espaço aqui para descrever todo o processo, mas não é difícil achar essa informação na internet. Inclusive, recomendo a "bíblia para afinar bateria" (The Drum Tuning Bible), escrita por Scott Johnson e que pode ser facilmente encontrada na internet (inclusive traduzida para o português).


OUÇA O SOM "POR COMPLETO"

Quando estiver ouvindo o timbre de uma bateria, julgando a sonoridade seja da afinação ou do posicionamento do microfone, é importante ouvir o som por completo (início, meio e fim). Por isso, é importante que o baterista não "metralhe" a bateria e toque muito rápido, pois você não conseguirá distinguir entre o início, meio e fim dos sons. O ideal é que o baterista toque cada peça separada e em uma velocidade em torno de uma batida por segundo (ou 60 bpm). Isso permitirá que o som seja ouvido por completo, do início ao fim. É claro que também é imprescindível ouvir o som da bateria sendo tocada "à vera", no jeito e velocidade em que será feita a gravação. Mas na hora de ouvir o som de cada peça individualmente, e especialmente na hora de afinar a bateria, é importante ouvir o som de cada peça "por completo".


RUÍDOS

Também é necessário verificar que não há ruídos sendo emitidos pela bateria. Se houver, tente eliminá-los de alguma forma. Isso deve ser feito antes mesmo de posicionar os microfones, e também deve ser feito com cuidado e atenção. Alguns dos pontos fracos para problemas e ruídos em um kit de bateria são:

- Pedal do bumbo - O pedal do bumbo muitas vezes emite ruídos, especialmente se as peças estiverem oxidadas. Para minimizar os ruídos, desmonte o pedal e limpe as peças com um pano seco o máximo possível. Depois lubrifique as peças com algum tipo de óleo leve, como óleo para bicicleta ou máquinas de costura (não use WD-40 ou graxa, pois deixam resíduo, que a longo prazo entope as partes), antes de remontar o pedal. Esse processo, inclusive, deve ser feito regularmente com pedais de bateria, justamente para minimizar ruídos e aumentar a vida útil dos pedais. Ou então faça como o Led Zeppelin e aceite o "rangido" do pedal nas suas gravações... Pelo menos se o seu baterista for o John Bonham!

- Tarraxas - Muitas vezes as tarraxas de uma bateria estão soltas ou mal colocadas, e, assim, balançam, gerando ruídos durante a gravação. Por isso, verifique se não há tarraxas soltas, mal colocadas ou até faltando! Eu já encontrei diversos kits de bateria com tarraxa faltando, e o grande problema é que, além de impossibilitar a afinação correta da bateria, gera ruídos, pois a "rosca" de baixo fica solta. Se não tiver como arrumar outra tarraxa, faça uso da fita crepe!

- Cascos - É importante verificar se os cascos dos tambores da bateria (bumbo, caixa e tons) não estão encostando, pois quando o baterista tocar eles irão "sacudir" um pouco e podem gerar ruídos. É bom verificar se há pelo menos um ou dois dedos de distância entre os cascos dos tambores.

- Estantes - As estantes de pratos e dos tambores de uma bateria muitas vezes ficam "amontoados" em um espaço reduzido, fazendo com que as peças fiquem bem próximas umas das outras. Verifique que as estantes não estão encostando, deixando também um ou dois "dedos" de distância entre elas. Isso também vale para os pedestais de microfone.

- Bumbo "fugitivo" - Outro possível problema na gravação de uma bateria é um bumbo que "foge" quando o baterista toca. Isso se deve à força exercida sobre o bumbo pela maceta (especialmente os bateristas com "pé pesado"), forçando-o a mover-se para a frente. Para corrigir isso, tente posicionar os "pés" do bumbo de forma que fiquem bem firmes no chão, utilizando o peso do próprio bumbo para segurá-lo. Se mesmo assim o bumbo quiser "dar um rolé", é possível amarrar, com barbante ou algum tipo de corda, os pés dele no banco do baterista, de modo que o peso do baterista impeça a "fuga" do bumbo.


- Ruídos no ambiente - Como uma bateria emite uma pressão sonora altíssima, quaisquer objetos que estiverem em torno serão "sacudidos" e poderão gerar ruídos na gravação. Por isso, remova tudo o que não for essencial para a gravação e estiver próximo à bateria. Ande em volta da sala, verificando se não há ressonâncias ou ruídos no ambiente. Se houver, remova-os ou utilize algum material como fita crepe ou espuma para segurá-los e eliminar os ruídos. Uma vez, em uma gravação, gastei mais de meia hora (e quase enlouqueci) porque havia esquecido uma caneta sobre uma mesa dentro da sala de gravação (não coloque mesas nas salas de gravação!), e toda vez que o baterista batia no bumbo a caneta "quicava", gerando um ruído agudo na gravação... Demorei muito tempo até conseguir identificar de onde vinha o ruído, e fiquei me sentindo um "mané" quando descobri.

AS FASES DE UMA BATERIA

Como em uma gravação de bateria haverá diversos microfones envolvidos, os mesmos estarão suscetíveis a interferências de fase, que podem causar perdas de frequências na gravação (especialmente nos graves). Por isso, tente manter os microfones o mais "paralelos" possível para minimizar possíveis problemas de fase. Isso não significa que os microfones têm que estar precisamente paralelos uns aos outros, somente o mais próximo possível sem atrapalhar o baterista ou a captação do microfone.

Além desse cuidado no posicionamento dos microfones, é imprescindível "checar" a fase em toda gravação de bateria. Eu expliquei o processo todo na edição em uma edição anterior da revista, e vocês podem conferir lá se não lembrarem! Esse processo pode ser a diferença entre uma gravação "pesada" e "definida" e uma gravação "sem peso" e "embolada". Não esqueçam de checar a fase sempre!

Esse cuidado todo na preparação pode parecer exagerado, mas é muitas vezes a diferença entre uma gravação amadora e profissional. Eu mesmo já gastei mais de 12 horas só ajustando a sonoridade e afinação de uma bateria antes mesmo de gravar o primeiro take. Isso porque as peles da bateria em questão haviam entrado na puberdade, aos 14 anos de idade, e não estavam querendo afinar de acordo (troquem as peles da bateria!). Para piorar, a sala de gravação era bem pequena e nela mal cabia o kit da bateria, muito menos os pedestais e microfones, dificultando bastante o posicionamento dos mesmos. Como não havia a opção de trocar as peles ou mudar de sala, e como eu não aceitava fazer uma gravação ruim, foram-se 12 horas só ajustando o timbre da bateria e o posicionamento dos microfones.

O resultado final da gravação ficou muito bom e ninguém ficou sabendo do esforço que eu tive... E as horas extras não foram pagas! Mas, provavelmente, se eu não tivesse feito como fiz, a gravação não teria ficado boa, e todo mundo ficaria sabendo disso... E eu provavelmente teria dificuldade em arrumar outras gravações no futuro! É o efeito dominó, que pode funcionar a seu favor ou contra. Basta escolher. Foco, atenção e persistência são necessários desde o início.

Na próxima edição vamos seguir falando das técnicas de posicionamento dos microfones para tirar o melhor som possível nas suas gravações de bateria. Não percam!

Até lá!

Lucas ramos é tricolor de coração, engenheiro de áudio, produtor musical e professor do IATEC.
Formado em engenharia de áudio pela Sae (School of audio engineering), dispõe de certificações oficiais como Pro Tools certified operator, apple Logic certified Trainer e ableton Live certified Trainer.
e-mail: lucas@musitec.com.br
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.