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Revista Luz & Cena
Mixagem
Otimizando Sua Mixagem (Parte 3)
Partindo para a mixagem propriamente dita
Fábio Henriques
Publicado em 01/05/2014 - 00h00

Após prepararmos nossa sessão de mixagem para um trabalho mais eficiente, o que fizemos nos nossos dois últimos encontros na AM&T, vamos agora começar a mixagem propriamente dita.

VOLUMES

O aspecto mais complicado e mais difícil de se controlar em uma mixagem digital é o volume. Isto decorre de duas características muito importantes. Primeiro, em áudio digital, quanto mais alto estiver o volume, melhor a qualidade. Isto porque ela está diretamente relacionada ao número de bits usados para representar cada amostra. Quanto mais baixo o sinal, menos bits são usados, e menor a qualidade. Segundo, existe um valor máximo para cada amostra, o chamado FS (full scale), ou seja, uma vez que se atinja o valor máximo de amplitude, qualquer tentativa de se aumentar mais ainda implicará em distorção, que, no caso, não é nada sutil.

Resumindo essas duas características, temos que trabalhar, na maior parte do tempo, com o volume o mais alto possível, porém sem nunca atingir ou ultrapassar o máximo, sob risco de se gerar distorção. Isso nos exige muita cautela, e para que se consiga trabalhar com tranquilidade, é conveniente nos cercarmos de mecanismos de segurança, conforme veremos a seguir.

POR QUAL CANAL COMEÇAR?

A gente tem que começar por algum canal, e a enorme maioria dos profissionais começa pelo bumbo. Para quem trabalha com música pop, vale lembrar que o trinômio bumbo, caixa e baixo são os pilares da mixagem. O volume destes três canais estabelece o volume da mix inteira para o ouvinte. Assim, começar pelo bumbo é prudente. E, mais ainda: é importante que somente com bateria, baixo e voz a música já funcione.

ESTABELEÇA UM VOLUME INICIAL

Uma pergunta frequente em meus cursos é "qual o volume que tenho que colocar no bumbo pra que no final tudo dê certo?". A resposta é simples, pois o melhor volume é o que for confortável a você. O mais fácil é se estabelecer um volume máximo que nos permita um "espaço de trabalho". O termo técnico é headroom. Um valor típico é de uns 6 dB. Particularmente, trabalho com 4 dB. Assim, através do uso de limites eu me asseguro de que nenhum bumbo ultrapassará -4 dB. Procedo assim com todos os canais da bateria, e ainda faço um master de grupo de bateria e também coloco nele um limiter que trava o volume em -4 dB. Isso nos dá a certeza de que a bateria nunca provocará uma saturação no master. O que não significa que ela somada aos demais canais não vai saturar, mas já diminui as possibilidades de problema.

É claro que devemos cuidar para que este limiter da bateria não esteja atuando exageradamente, o que se consegue estabelecendo os volumes adequados nos diversos canais do instrumento.


VALORES POSITIVOS NOS FADERS?

Em digital, o maior valor possível de volume para um áudio é 0 dB (FS), e todos os valores com que a gente trabalha são negativos. E os próprios softwares de gravação apresentam faders que possuem valores que passam do zero e ficam positivos. No Pro Tools um fader pode ir até +12 dB. Isto é um pouco confuso, porque o áudio em si tem um valor máximo de 0 e nunca fica positivo, mas, na verdade, é o próprio software já estabelecendo um headroom. Fazendo isso, o usuário fica mais propenso a deixar o fader em torno do zero e automaticamente tenderá a se proteger da saturação. É preciso não confundir as coisas. O fader vai até +12, mas o áudio só vai até 0 dB.

Como segurança adicional, procuro não usar valores positivos no fader. Na prática, isso não muda muita coisa, e desde que os áudios não saturem, tanto faz se os faders estiverem lá no topo ou não. Porém, manter este headroom de faders acaba nos resguardando mais ainda por permitir que lá na frente, durante a mixagem, ainda tenhamos uma "reserva" de volume que pode ser necessária.

A QUESTÃO DO LIMITER NO MASTER FADER

Muita gente, inclusive eu mesmo, gosta de trabalhar com um limiter insertado no master fader. Isso tem duas vantagens interessantes. Primeiro, podemos colocar o limite em um ponto um pouco abaixo do 0 dB (máximo) - digamos, 0,5 dB. Assim o áudio nunca vai saturar, e com esta pequena margem o LED vermelho não irá acender, evitando chamar nossa atenção desnecessariamente. A outra vantagem é que a gente já pode dar uma certa aumentada no volume geral, tornando a audição um pouco mais próxima do produto final masterizado.


O problema é sabermos dosar o limiter. Se ele estiver atuando muito na música acabaremos tirando dinâmica e prejudicando a masterização. O ideal é que o limiter dê um certo conforto na audição, e para isso bastam uns 2,5 dB de atuação. Na dúvida, é melhor usá-lo somente para impedir a saturação, sem dar ganho.

Independentemente dos ajustes, é fundamental que uma vez se optando por ter um limiter no master, o coloquemos ligado desde o princípio da mixagem, de forma que todas as nossas decisões auditivas levem em conta sua presença. Deixar para insertar o limiter no master fader no final da mixagem tende a gerar mais problemas, e não resolvê-los.

É PERMITIDO MUDAR DE IDEIA

Uma enorme vantagem da mixagem em estúdio em relação à de shows é que sempre podemos parar e começar de novo. Imaginem se o técnico de PA pudesse, lá pela quinta música, gritar lá da mesa "beleza, pessoal! Acho que agora ficou perfeito! Vamos recomeçar!". Já no estúdio isso é perfeitamente possível e compreensível. Assim, como dissemos que se pode escolher um valor qualquer para o volume do primeiro canal, se no meio da mixagem a gente vê que está ficando tudo alto, podemos simplesmente voltar e refazer os volumes. O importante, porém, é que o volume relativo entre os diferentes canais se mantenha. Por exemplo, se a guitarra 1 estava 3 dB acima da guitarra 2, provavelmente o melhor é manter essa diferença, mesmo que em valores absolutos as coisas mudem.

VOLUME DA SALA

Uma dica importante: se sua mix está com tudo muito alto, é provável que você esteja monitorando com o volume da sala baixo demais, e vice-versa. A gente costuma ter um volume preferido para ouvir a monitoração, e é bom que a gente memorize este volume no botão do controle da sala. Deixe este controle de volume sempre na posição em que a audição está mais confortável. Eventualmente, se desejar ouvir a mix mais alta ou mais baixa para verificar estas situações, volte assim que possível a este valor pré-determinado. Aproveitando esta tendência, se você está achando que seria melhor ser mais prudente com o volume da mix, aumente um pouco o volume da sala.

Existe também um caso muito comum em que a pessoa tende a ir aumentando o volume da sala à medida que vai ficando com os ouvidos cansados. Essa prática deve ser evitada a todo custo. Preserve seus ouvidos. A cada 50 minutos, pare por uns 10. O volume voltará ao normal sem precisar mexer no controle.


AUMENTANDO NO PLUG-IN

Um recurso que uso bastante em tracks que possuem muitas automações de volume é variar o ganho em um plug-in, e não na automação. Por exemplo, se temos um canal de voz que tem várias automações de volume e precisamos de uma versão com, digamos, mais 1 dB na voz como um todo. Como será uma coisa momentânea, eu prefiro ir no último plug-in do canal e simplesmente variar seu ganho. O efeito é o mesmo de se escrever uma automação no canal inteiro, só que mais rápido.

É preciso, porém, alguma cautela. Este tipo de mexida deve ser feita no último plug-in para que a variação do ganho não afete os demais - um compressor, principalmente. E, além disso, deve-se manter o nosso cuidado constante de observar se ao dar ganho não saturamos o áudio.

A PRIMEIRA LEVANTADA

É quando a gente vai desenhar a mixagem. A partir da primeira levantada de faders, feita despreocupadamente, podemos já estabelecer planos para os instrumentos e esboçar já uma distribuição pelo pan. É a hora de se estudar o "jeitão" que a mixagem vai tomar. Vale lembrar mais uma vez que não temos o compromisso de acertar de primeira, mas você acabará observando que, na mixagem de um CD, lá pela quarta música, esta primeira levantada já vai estar muito próxima do resultado final. Para isso, recordo aqui de nossa regra de ouro, que é aprender com tudo o que se fizer, de forma que o aprendido possa ser usado na frente.

A primeira levantada tende a apontar mais os problemas que as virtudes do arranjo, e já nos permite traçar uma estratégia de como resolvê-los. É a hora de se pensar em cortar coisas, copiar trechos etc. O importante também é ter a chance de se dar uma boa ouvida na música toda, aproveitando o tempo para já ir dando esta primeira equilibrada de volumes, mas ainda sem muito compromisso.

AMBIÊNCIAS E REVERBS

Neste ponto já se pode elaborar um plano de como atacar a questão de ambiências. Por exemplo, podemos já prever uma sala para a bateria, um reverb curto para os instrumentos de base e tambores da bateria e um terceiro longo para ser usado na voz.

Os reverbs são plug-ins que tipicamente consomem mais poder de CPU que os outros, e colocá-los desde cedo na mixagem evitará que lá na frente se descubra que o computador não consegue trabalhar confortavelmente quando inserirmos estes efeitos.



É sempre bom já prever também um canal para um eventual delay/eco. E é normal que a gente tenha os nossos reverbs e presets preferidos, não havendo problema em começar por eles, guardando a possibilidade de rever mais na frente.

"Colocar os reverbs desde cedo na mixagem evitará que lá na frente se descubra que o computador não consegue trabalhar confortavelmente quando inserirmos estes efeitos"


A ORDEM

Agora que temos uma ideia de como a música está soando e de como deverá soar no final, podemos começar a fazer a coisa de uma maneira mais formal. Iremos agora nos preocupar não só com volumes e pans, mas também com os timbres e equalizações. Imaginando música pop/rock e similares, uma boa ordem para se trabalhar é começar pela bateria e baixo. Como já dissemos, eles são a fundação da mixagem. Se não soarem bem juntos, toda a mix deixa de funcionar. E nunca é demais enfatizar que deve-se evitar deixar para colocar a voz muito tarde na mix. O ideal é que já neste ponto a gente teste como a voz está soando em comparação com bateria e baixo.

Agora podemos mutar a voz de novo e ir colocando os instrumentos de base, ou seja, os que tocam na música toda ou na maior parte dela. Violões e pianos, por exemplo. Quando eles estiverem com volume e timbre adequados, aproveitamos para religar a voz e ver como está o comportamento da mix. Se por um lado bateria e baixo são a base, a voz é o topo, e é entre estes dois limites imaginários (não de volume, mas filosóficos) que vamos situar os instrumentos de base.

A seguir, vamos gradativamente colocando os canais de detalhes, cuidando para que a música se mantenha interessante ao ouvinte. Lembre que a mixagem conta uma história, assim como melodia, ritmo, letra e arranjo.

Em nosso próximo encontro veremos dicas de como atuar nas frequências com os equalizadores e na dinâmica com os compressores.

Fábio Henriques é engenheiro eletrônico e de gravação e autor dos Guias de Mixagem 1,2 e 3, lançados pela editora Música & Tecnologia. É responsável pelos produtos da gravadora canção Nova, onde atua como engenheiro de gravação e mixagem e produtor musical.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.