Depois de escrever um artigo falando sobre mixagem para a televisão (AM&T 267), volto aos meus textos sobre as partes de um sistema de sonorização, dando então sequência de onde paramos da última vez. Neste artigo falarei sobre os consoles de mixagem, suas funções e aplicações.
Não é a primeira e certamente não será a última vez que em que falo sobre consoles de mixagem (provavelmente este é o tópico sobre o qual eu mais escrevi). Existem alguns artigos anteriores sobre este assunto, porém agora entrarei em alguns detalhes nos quais ainda não havia me aprofundado tanto.
Como veremos, podemos encontrar no mercado uma dezena de marcas, modelos, tamanhos e preços de consoles de mixagem, assim como diversas e diferentes aplicações. Porém, neste artigo focarei mais nos consoles encontrados em sistemas de sonorização (PA e monitor).
Falarei um pouco do que eu vejo no dia a dia na estrada, das dificuldades que eu vejo que as pessoas ainda têm com este equipamento ou as boas soluções encontradas por alguns técnicos que conseguem tirar o máximo destas ferramentas, que são o coração dos sistemas de sonorização ou monitoração.
DE ONDE SURGIRAM OS CONSOLES DE MIXAGEM
Como a grande maioria dos equipamentos nos primeiros sistemas de sonorização, quase tudo (na verdade, muito pouco!) que se utilizava "ao vivo" no final da década de 1950 e em quase toda a década de 1960 eram equipamentos oriundos das rádios ou dos estúdios (que, por sua vez, também eram muito simples).
Com os consoles de mixagem também não foi diferente. Na verdade, neste início dos sistemas de sonorização não havia o que podemos chamar de consoles - o que existia eram pequenos mixers bem rudimentares, nem de longe parecidos com o que temos hoje em dia.
Esqueçam equalizadores, faders, inserts, uma grande quantidade de canais ou qualquer coisa a mais do que um pré-amplificador, um knob para o controle de volume e uma saída mono. O máximo que podemos dizer de bom deste equipamento é que ele era fácil de ser carregado!
É claro que neste período não existiam mesas de monitor simplesmente porque não havia sistemas de monitoração. Na verdade, demorou um bom tempo até chegarmos neste ponto (veremos mais adiante como foi este desenvolvimento). Até então, tudo era bem simples, para não dizer rudimentar.
UM COMEÇO DIFÍCIL E SOFRIDO (PARA TÉCNICOS, MÚSICOS E PÚBLICO)
Sempre me pergunto o que deve passar pela cabeça de artistas como Rolling Stones, Paul McCartney, Bob Dylan, Eric Clapton ou alguns nacionais como Roberto e Erasmo Carlos, que começaram suas carreiras na década de 1960 e estão até hoje fazendo shows.
Gostaria de saber o que eles pensam dos sistemas de sonorização daquela época em relação aos que existem hoje em dia. Quais eram as dificuldades e as peculiaridades daquela época? Será que era mais fácil quando não existia quase nada e também não se podia esperar muita coisa?
Existem imagens de programas de televisão ou de shows daquela época em que olhamos para o palco e não vemos nada além dos amplificadores de guitarra e baixo, pouquíssimos microfones e só! Nada de caixa de monitor. Como será que os músicos, principalmente os cantores, faziam para se ouvir e serem ouvidos?
Tudo bem que estamos falando de uma época em que ninguém, músicos ou plateia, tinha algum tipo de referência sonora para fazer comparações de qualidade. Os próprios discos lançados na época não representavam nenhum padrão excepcional de qualidade sonora.
COMO OS "CONSOLES" DAQUELA ÉPOCA ERAM UTILIZADOS
Bom, como já vimos, não existiam muitos canais (nos mixers), mesmo porque podemos imaginar que não era tão fácil assim conseguir muitos microfones de qualidade para serem utilizados ao vivo, além de todos os cabos e conexões que deveriam ser feitas.
Uma imagem que pode vir à nossa cabeça é uma bateria com um microfone de over, um no bumbo e um entre a caixa e o contratempo, um no amplificador de guitarra e outro no amplificador de baixo e um último mic para a voz principal. Este era o setup comum que víamos ao vivo.
Basicamente, o que acontecia é que o "console", com todas as suas limitações, captava o que era possível e mandava este som para o também limitado sistema de sonorização. Como não havia sistema de monitoração, também não havia nem técnico, nem console exclusivo para esta aplicação.
Durante muito tempo a mixagem para o sistema era feita do palco mesmo. O conceito que estamos acostumados a ver hoje em dia, com dois consoles independentes - um para o PA e outro para o monitor -, demorou cerca de 15 anos, no final dos anos 1970, para ser amplamente utilizado. Aqui, no Brasil, pode ter demorado um pouco mais, porém esta configuração se tornou padrão mundial.
A LIMITAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS
Levando-se em consideração os limites técnicos dos primórdios dos shows na década de 1960 e começo da década de 1970, podemos entender quão precárias eram estas produções. Sempre que vejo vídeos de bandas "importantes" desta época (com toda a precariedade que já conhecemos), fico me perguntando como seriam as produções mais simples.
Neste período não havia fabricantes de equipamentos de áudio com produtos voltados especificamente para o mercado de sonorização. Algumas marcas que estão no mercado até hoje só foram surgir com certa solidez no final da década de 1970. Antes disto, tudo era feito com muita improvisação e limitação.
Estamos falando de uma época em que quase todos os equipamentos de áudio eram valvulados - os transistorizados, só emplacaram no mercado no final da década de 1970. Estamos falando de equipamentos frágeis, com pouca mobilidade e com a necessidade de um conhecimento técnico bem apurado para serem utilizados.
Desde o mais básico, como pedestais, garras ou cabeamento, até o mais importante, como os consoles, tudo era muito primário. Tudo vinha dos estúdios de gravação e tinha que ser adaptado para os shows (não sou especialista em iluminação, porém fica óbvio que o pessoal da luz passou pelo mesmo tipo de problema).
A LIMITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
Estou aqui o tempo todo falando do problema da limitação dos equipamentos de áudio neste período, porém um outro tipo de limitação podia ser muito sentida: uma grande limitação técnica ou até mesmo a ausência de pessoas preparadas para trabalharem nas produções técnicas dos eventos musicais.
Sempre temos em comparação os estúdios. Pois bem - neste período os estúdios possuíam excelentes técnicos, mas que tinham seu conhecimento limitado às situações totalmente controladas dentro de um estúdio de gravação, que naquela época pareciam "hospitais", onde quase todos trabalhavam de jalecos e seguiam regras específicas de gravação.
Os técnicos de estúdio daqueles tempos eram tratados como verdadeiros cientistas, que possuíam um conhecimento muito superior ao das outras pessoas quando se tratava do seu trabalho. Eles tinham total controle sobre os (poucos) equipamentos que existiam. Devia ser muito difícil convencer algum deles a se aventurar fazendo um show.
O que aconteceu foi que alguns entusiastas começaram a montar pequenos sistemas de sonorização (se é que podemos dar este nome), e eles mesmos, com todas as limitações imagináveis, começaram a operar estes sistemas. Alguns com algum conhecimento, outros sabendo nada ou quase nada do assunto, começaram uma indústria.
A LIMITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
Como vimos, o início tinha tudo para dar errado, e deu. Entre o começo da década de 1960 e meados da década de 1970, podemos dizer que pouca coisa ao vivo funcionava de uma maneira minimamente decente (estou falando aqui principalmente em relação aos equipamentos).
Os consoles eram realmente o ponto fraco de qualquer "sistema", isto porque não existiam consoles! O seu surgimento e consolidação no mercado demoraram um tempo muito grande, levando-se em consideração toda a sua importância. Até chegarmos ao que temos hoje em dia, houve muito improviso e superação.
Agora temos diversas marcas e modelos de consoles que são capazes de fazer uma grande quantidade de tarefas ao mesmo tempo. Os consoles de mixagem usados nos sistemas de sonorização ainda são primas bem próximas das utilizadas em estúdios. Hoje, algumas marcas que tinham grande tradição somente nos estúdio arriscam os primeiros passos ao vivo!
Nos próximos dois artigos falarei mais especificamente dos consoles de mixagem tanto para o PA quanto para o monitor: como se desenvolveram, quais as suas características mais importantes e, principalmente, como foi feita a transição dos sistemas analógicos para os digitais.
Renato Muñoz é formado em comunicação Social e atua como instrutor do IATEC e técnico de gravação e Pa. Iniciou sua carreira em 1990 e desde 2003 trabalha com o Skank. e-mail: renatomunoz@musitec.com.br