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Revista Luz & Cena
Áudio no Brasil
Norival Reis
Márcio Teixeira
Publicado em 06/01/2014 - 00h00
Acervo da família
 (Acervo da família)
No dia 24 de março de 1924, em Angra dos Reis, nascia Norival Reis, nome que virou lenda no áudio brasileiro, e não por falta de motivos. Técnico de som, cavaquinhista de mão cheia, produtor, arranjador, compositor... Norival transitou com desenvoltura por diversas áreas da arte sonora nacional, deixando sua marca indelével na história.

Foi para o Rio de Janeiro aos 14 anos, crescendo entre os subúrbios de Madureira e Oswaldo Cruz, Norival, ainda novo, passou a frequentar os sambas da Portela e do Império Serrano. O amor pela música já era uma realidade. Tanto é que, na década de 1940, já atuava como compositor. Aos 21 anos, em 1945, compôs sua primeira marcha, Até Vestida, e em seguida, O Barão. Em 1951, outra obra que veio à tona foi Hoje ou Amanhã, samba feito em parceria com Ruthinaldo Silva e interpretado pela dupla Joel e Gaúcho. Já em 53, Elizeth Cardoso colocou sua voz marcante em Nem Resta a Saudade, parceria de Norival com Irani Oliveira. Composições suas também foram gravadas por artistas como Bezerra da Silva, Marlene, Ruy Rey, Ângela Maria, Clara Nunes e Jamelão, entre muitos outros.

O ÁUDIO

No fim da década de 1960, Vavá da Portela (um apelido de Norival que pegou a ponto de virar samba na voz de Paulinho da Viola) era membro da ala dos compositores da escola de Madureira, sendo, inclusive, co-autor de sambas-enredo consagrados, como Ilu Ayê, Terra da Vida, de 1972, Macunaíma, Herói de Nossa Gente, de 1975, e Hoje Tem Marmelada, de 1980. Diversos boleros, marchinhas e sambas-canções também integram seu "menu" de composições, mas, de fato, ser um inspirado autor não era suficiente para ele. O áudio era uma paixão bem antiga.

Quando começou a trabalhar na Colúmbia do Brasil (selo da Bhyington & Companhia, que representava a Columbia americana no país), Norival tinha 17 anos. Lá, tirava ciscos da cera em que eram gravados os discos e colocava a matriz na estufa, o que lhe rendeu o apelido de Cisco. "Papai começou a gravar mais ou menos na década de 40, com som para cinema", recorda a filha, Maria Alice, irmã do também engenheiro de som Luiz Carlos Torquato Reis. Entre os filmes sobre os quais há registros de trabalhos de Norival estão Genival é de Morte (1956), Tem Boi na Linha (1957), Só Naquela Base (1960), Quero Essa Mulher Assim Mesmo (1963) e As Aventuras de Chico Valente (1968).

Vavá, que também atuou na Continental, onde ficou por 26 anos, gravou com "monstros sagrados" como Francisco Alves, Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso, Emilinha Borba e Angela Maria. No entanto, falava com carinho especial dos trabalhos feitos com as orquestras Tabajara e do maestro Radamés Gnattali. "Eu gostava muito de brincar durante as gravações, o que desagradava alguns poucos cantores. As brincadeiras, porém, em lugar de atrapalhar, davam mais rapidez às gravações, por descontraírem os artistas", disse Norival ao jornal O Globo, em maio de 1990.

Entre os álbuns em que trabalhou como técnico estão Viva a Brotolândia (1961), de Elis Regina, Fuga Com Morgana (1962), de Morgana, Samba, Canto Livre de um Povo, de Ederaldo Gentil (1975), Cartola (1976), Grupo Chapéu de Palha (1977) e Escrete Do Samba 3 (1977), do Conjunto Explosão Do Samba. Entre os trabalhos que produziu estão Folha Morta (1977), de Jamelão, e Madrugada 1:30 ‎(1969), do Tema 3.

CRIATIVIDADE E ATITUDE

No quesito "técnica", Norival obteve grande destaque por ter sido um pioneiro da gravação com câmara de eco no Brasil. "Eu não sei como ele fez. Mas sei que o povo gostou", diz a filha, bem-humorada. A história é a seguinte: em 1951, nas sessões do baião Delicado, de Waldir Azevedo, Norival Reis, então técnico da Continental, desenvolveu uma câmara de eco rudimentar, que, na realidade, consistia em uma caixa de som e um microfone instalados em um banheiro desativado que ficava ao lado do estúdio. O som, depois de ecoar nas paredes do banheiro, era captado pelo microfone e somado ao som da música. Diz-se que o resultado fez tanto sucesso que Norival até recebeu cartas do exterior perguntando qual era a marca do equipamento utilizado. Cheio de humor, ele dizia que era "Celite", nome da tradicional fabricante de louças para banheiro.


O mesmo recurso técnico voltou a ser utilizado por Norival Reis na fantasmagórica canção Sistema Nervoso, gravada por Orlando Correia também em 1951 (segundo Vavá, a primeira faixa feita no Brasil a contar com sonoplastia), no foxtrote Bom dia, Mister Eco, registrado em 1952 pelo grupo vocal Trio Madrigal, e em músicas de Dick Farney, Emilinha Borba, Marlene, entre diversos outros artistas. Na clássica "O Samba é Bom Assim", de autoria de Norival e Hélio Nascimento, outra inovação. "Gravei uma pista inteira de ruídos da Avenida Rio Branco e montei com a gravação do estúdio", recordou o técnico em matéria do jornal Última Hora de fevereiro de 1977.

"Eu gostava muito de ler revista estrangeira e ficava sabendo das novidades que surgiam lá fora. Eu queria fazer as coisas [que via nas revistas], mas os donos das gravadoras não estavam interessados em investir. Nossas condições de trabalho eram bastante precárias, mas eu nem queria saber. Eu queria mesmo era conseguir efeitos de melhor qualidade. Aí eu saía fazendo tentativas e consegui alguma coisa", acrescentou.

"Norival, quando chegava, não tinha pra ninguém. Tinha uma simpatia contagiante e era extremamente musical.
Era de uma escola de técnicos que colocava a música em primeiro lugar, sempre priorizando o sentimento", afirma Nivaldo Duarte,
técnico de som que, como disse com suas próprias palavras, foi o aluno que melhor aproveitou as aulas de Norival Reis.
"Antigamente, não havia periféricos como
hoje. Não podíamos equalizar instrumento por instrumento. Na hora de gravar, era muito importante, por exemplo, saber posicionar o microfone perfeitamente. Norival sabia e conseguia grandes feitos. Sou muito grato a ele. Meu mestre", concluiu, emocionado.

Norival Reis faleceu em 2001, no Rio de Janeiro, aos 77 anos. Em 2004, no carnaval, a Tradição desfilou ao som de Contos de Areia: o ABC dos Orixás, parceria de Vavá e Dedé da Portela e que havia sido o samba da escola de ambos em 1984 - ano em que a agremiação se sagrou campeã pela última vez.
 
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