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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
"Dão a mão, querem o braço."
Enrico De Paoli
Publicado em 01/10/2012 - 00h00
Esse é um comportamento típico do ser humano. Quem é que não se acostuma com as coisas? Aliás, este artigo (com algumas adaptações) poderia muito bem entrar numa revista sobre relacionamentos (risos)! Há uma expressão em inglês que diz "take it for granted", e significa mais ou menos "quando algo que um dia foi surpreendente ou espetacular se torna simplesmente normal; ou pior: banal".

Quem nunca se impressionou com um computador sendo capaz de abrir equalizador em todos os (24!) canais de áudio em tempo real? Pois é. virou banal. Há quem já tenha ficado com o queixo caído em ver um ADAT rodando oito canais digitais, sem crosstalk. Pois é! Hoje nem se fala mais nisso! Crosstalk é da época das fitas analógicas, quando um track na fita vazava um pouquinho no track vizinho. Já se impressionaram com automação, claro! O que antes era privilégio dos estúdios multimilionários, com mesas Neve e SSL, a Yamaha fez ser possível para os home studios com a 02R. Há quem já tenha se impressionado até com gravação multitrack. Quem assistiu o filme do Ray Charles?

Assim como na vida real, vamos nos acostumando com as coisas, e a cerimônia acaba. E começamos a reclamar e a querer mais. E mais. E se não temos, achamos que o que temos simplesmente não basta. E quando finalmente temos uma tecnologia de gravação digital fantástica, com alto nível de processamento, edição infinita, armazenamento gigante e som cristalino, chegamos a duas conclusões. Sobre uma delas, que o som cristalino não é exatamente o que a gente quer, falaremos em outro artigo. A outra conclusão é a de que toda essa flexibilidade e tecnologia precisam, na verdade, caber em computadores menores. Ou até, quem sabe, num iPhone ou iPad!

Este fim de semana dei mais alguns passos na degustação dessas novas tecnologias de miniaturização. Gravei um show da Ana Carolina em 32 tracks. Bem, aparentemente, nada demais, né? Mas foi num MacBook Air! Sim, com todos esses 32 canais passando por um único cabo firewire e. mais nada. Sem interface alguma. Simplesmente conecta-se o MacBook equipado com uma porta Firewire e com um ProTools 10 instalado numa mesa da série Venue configurada com uma placa FWx. No patchbay digital da mesa, endereça-se cada canal para a saída firewire que vai diretamente para os tracks do ProTools. E voilà. Não precisa de splitters, de multicabos, racks e racks de pré-amps, conversores, máquinas de gravação, nada. Um MacBook.

Mas, claro, a gente quer mais, né. Afinal de contas, com 32 tracks não dá pra gravar os shows de hoje (mas com muito menos do que isso dava pra fazer os discos mais clássicos da história.). Ainda na insatisfação quase ingrata da tecnologia, chegamos à conclusão que o ProTools HD era bacana, mas, quem sabe, muito grande! Afinal, estamos em toda parte e não podemos ficar presos a um MacPro fixo num estúdio! Que absurdo! Não dá pra imaginar não poder fazer a automação daquela voz durante o almoço de família domingo ou mexer na compressão da voz durante aquele café, e, em caso de uma viagem de avião, seria um tédio absoluto não poder refazer aquela mix com um dB a mais de voz (risos)! Pensando nisso, a Avid (antiga Digidesign) liberou o ProTools funcionando sem nenhuma interface conectada no Mac, e com os MacBooks atuais, de alto desempenho, torna-se possível rodar sessões relativamente grandes e com bastante plug-ins, para que possamos finalmente trabalhar em qualquer lugar, em vez de fazer outras coisas da vida, como. viver.

Mas, claro. ainda não tá bom. Ou o som ainda não é o mesmo, ou ainda não se abre o mesmo número de plug-ins ou, simplesmente, o MacBook ainda não é pequeno o suficiente. Bom mesmo seria no iPhone! E quando isso acontecer, a gente compra um compressor valvulado para fazer com que toda essa portabilidade perca totalmente o sentido!

Boas mixes, boa viagem ou, simplesmente, um bom café pra vocês.

*Meus agradecimentos especiais ao Kalunga e à Quanta Music pelo suporte prestado nesta gravação.


Enrico De Paoli é engenheiro de música. Grava, mixa e masteriza em seu Incrível Mundo Studio ou onde mais a tecnologia permitir. Site: www.EnricoDePaoli.com
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.