Antes de começarmos, quero avisar que darei uma pequena pausa na série de artigos que estou escrevendo sobre as partes de um sistema de sonorização para abordar um assunto que está muito em destaque no momento. Na próxima edição retomo o assunto sobre o qual estávamos conversando.
Não é de hoje que uma das mais difíceis e talvez ingratas funções de quem trabalha com áudio é a mixagem para a televisão. Existem vários fatores que podem confirmar o que eu estou dizendo, e o que tentarei fazer neste artigo é enumerar alguns deles e mostrar o meu ponto de vista sobre tais problemas, bem como possíveis soluções.
Com a quantidade cada vez maior de atrações musicais ao vivo, seja em programas de televisão (especializados ou não no assunto) ou em shows musicais propriamente ditos, a mixagem para a televisão se tornou cada vez mais frequente, e é claro que, quanto mais trabalhamos, mais estamos propensos a erros e a acertos.
O trabalho dos técnicos é avaliado quase que instantaneamente. Com as redes sociais cada vez mais presentes nas nossas vidas, os shows ao vivo transmitidos pelos canais de TV especializados são comentados na mesmo hora, por pessoas que entendem do assunto e outras que acham que entendem!
COMO AVALIAR UMA MIXAGEM FEITA PARA A TELEVISÃO?
O grande problema é que pessoas que fazem comentários positivos ou negativos normalmente não têm a mínima ideia do que acontece durante uma captação e mixagem de um show ao vivo, não sabem quais as dificuldades e facilidades encontradas por aqueles que estão sentados na mesa de mixagem.
Seguem alguns pontos que deveriam ser observados por quem está avaliando ou comentando este tipo de trabalho.
- Antes de mais nada, o técnico que está mixando na unidade móvel de áudio ou no estúdio de televisão pode não ser bom o suficiente (técnica e musicalmente) para que a sonoridade final do seu trabalho esteja à altura do que a banda ou o público gostaria de ouvir.
- A banda, num todo ou alguns músicos em separado, pode não corresponder às expectativas técnicas e/ou musicais e simplesmente se tornar muito difícil, quando não impossível, de se mixar. Acredite: isto acontece muito mais vezes do que deveria ser o aceitável!
- O técnico pode ser muito bom, ter um domínio completo sobre os equipamentos que está usando (aqueles com os quais trabalha diretamente na unidade móvel ou no estúdio de TV), porém ele simplesmente não conhece a música que está mixando. Ou seja, não consegue acompanhar a dinâmica da banda no palco. Assim, dificilmente o resultado sonoro final irá agradar a todos.
- O técnico pode ser muito bom, conhecer perfeitamente bem todas as dinâmicas da banda (pode até trabalhar diretamente com ela), porém ele não está acostumado a fazer uma mixagem para a televisão (nem todos os padrões são iguais à mixagem de um PA ou de um disco) e acaba tendo problemas.
- O técnico pode ser bom, ter um bom conhecimento tanto dos equipamentos na unidade móvel quando da banda, assim como do processo de mixagem para a TV, porém problemas que estão fora do seu alcance (geralmente transmissão e distribuição do sinal mixado) podem atrapalhar todo o processo.
COMO RESOLVER ESTES PROBLEMAS?
Na minha opinião, a melhor maneira de se fazer este tipo de transmissão, é com a presença de dois técnicos: um que esteja familiarizado com o equipamento (de áudio) que será utilizado nesta transmissão e um outro que trabalhe diretamente com a banda e que conheça suas necessidades (técnicas e musicais).
Já trabalhei como o técnico da UM e como o técnico da banda. Admito que é necessário um pouco de paciência e bom senso nos dois casos, porém certamente esta é a melhor fórmula, e quando juntamos o conhecimento destes dois profissionais a probabilidade de acerto é muito maior.
Quando trabalho em uma UM de áudio e recebo um técnico para me ajudar na mixagem da sua banda, gosto de deixar o "convidado" bem à vontade, porém deixo bem claro as funções que cada um de nós terá no processo. Nunca tive nenhum tipo de problema com esta formula e os resultados sempre foram favoráveis.
Toda vez que visito meus amigos da TV Globo para fazer alguns dos seus programas musicais ou o Palco Mundo do Rock in Rio, esta fórmula sempre funciona perfeitamente bem. Eu dou algumas dicas de equalização, efeitos, solos e outros detalhes relevantes, deixando que o técnico da "casa" faça seu trabalho em paz.
CUIDADOS DURANTE A MIXAGEM PARA A TELEVISÃO
Nem sempre a mixagem fica exatamente como o CD do artista. Certos aspectos devem ser levados em consideração por ser uma mixagem junto com a imagem. Se algum músico estiver tendo um "close", a tendência é que o instrumento dele apareça um pouco mais naquele momento, mesmo que não seja importante dentro da mixagem.
A voz sempre foi e sempre será um pouco mais alta do que o normal. Um artista que gosta de ter a voz "mais dentro da base" nos seus CDs tem que se acostumar com esta ideia, pois as pessoas que estão em casa ouvindo o programa querem entender perfeitamente bem tudo o que está sendo cantado.
Uma mixagem com vários efeitos, panorâmicos ou outros truques que funcionam bem no CD ou ao vivo podem se tornar um problema na TV. Nem sempre as pessoas em casa estão preparadas para isso. Lembre-se de que o público em casa pode não ser o maior fã da banda, e algo diferente do padrão pode dificultar o entendimento do som.
Uma coisa que não podemos esquecer quando estamos fazendo este tipo de trabalho é que a nossa mixagem faz parte de um programa (de TV), que deve ser visto como um todo. Em alguns momentos, sugestões ou ordens da direção devem ser aceitas mesmo que não nos pareça a melhor opção.
O GRANDE PROBLEMA DA REFERÊNCIA
Nunca saberemos como as pessoas estão ouvindo a nossa mixagem em casa. Existem dezenas, centenas, talvez milhares de modelos de aparelhos de televisão, cada um com um padrão de qualidade sonora diferente. Qual referência devemos usar para que a sonoridade nas casas seja a melhor possível?
Com as transmissões simultâneas para 5.1 mais o estéreo, podemos dizer que os nossos problemas serão multiplicados por oito! Se é difícil manter um bom padrão L/R, o que acontece com o 5.1? Para mim, a principal pergunta é a seguinte: como as pessoas estão ouvindo o 5.1 nas suas casas?
Levante a mão quem conhece mais de quatro pessoas que possuem um sistema 5.1 muito bem instalado em sua casa (principalmente em relação ao posicionamento das caixas de som). Imagine a cena: cinco caixas de som enfileiradas em cima de uma estante e uma caixa de sub servindo de mesinha no canto da sala!
A mixagem 5.1 sempre foi um problema à parte, mesmo quando se trata da mixagem de um DVD. A preocupação sempre foi: como distribuir o sinal de áudio nas seis caixas do sistema?; o que vai no L/R?; o que vai no C?; o que vai no SL e no SR; e, é claro, o que vai no sub?
Imagine se você colocar a voz somente na caixa central (o que, na minha e na opinião de muitos técnicos é o certo). Então, por algum motivo, a tal caixa não está ligada na casa de um dos fãs da banda. O que ele ouvirá, ou deixará de ouvir, assim que colocar o DVD para tocar?
Este é um dos problemas mais simples. Não podemos esquecer de outros, um pouco mais complexos, como problemas de posicionamento e angulação entre as caixas e o espectador, posicionamento e quantidade de sub em relação às outras caixas do sistema etc.
PROBLEMAS PÓS-MIXAGEM
Um problema que deve ser levado em consideração é que quase nunca quem está fazendo a mixagem do áudio na unidade móvel tem alguma ingerência sobre os sinais de áudio depois que saem da UM (de áudio). Ele somente entrega os sinais de áudio para que então eles sigam um logo caminho até chegar à casa das pessoas.
Normalmente, a UM de áudio é responsável por entregar oito canais de áudio (quando a mixagem é estéreo mais o 5.1) L, C, R, LFE, LS, RS + L/R, por exemplo. Estes sinais são, então, enviados (digitalmente) para a UM de vídeo (que normalmente é a central) e depois para uma outra UM, que faz o "uplink" para um satélite.
Do satélite, o sinal é baixado "downlink" para a empresa que faz a distribuição (via satélite ou cabo) para as companhias que retransmitem este sinal - Net, GVT, Claro, Oi, Sky, Vivo etc. O problema é que cada uma destas operadoras tem seu modo próprio de trabalhar os sinais de áudio (longe dos cuidados da empresa geradora do sinal).
Neste ponto é que começam a ocorrer os maiores problemas, para desespero de quem está na outra ponta, fazendo a mixagem do áudio original. Prefiro deixar que técnicos com mais conhecimento ajudem a desvendar estes mistérios. Algumas perguntas que devem ser respondidas urgentemente:
- Como as operadoras recebem e fazem o tratamento dos oito canais de áudio?
- Todas elas transmitem L/R + 5.1?
- Quem faz a distribuição destes canais de áudio para o LR e para o 5.1?
- Por que o som entre elas é tão diferente?
- Por que uma, em um dia, não tem grave, e no dia seguinte tem em excesso?
- Por que operadoras que têm sinais convencionais e HD soam tão diferentes?
- Como é feita a compressão nestes sinais de áudio?
Estas são algumas perguntas que, para mim, ainda estão sem resposta, e que eu sempre me faço quando vou ouvir alguma mixagem na qual tenha trabalhado em duas ou três operadoras diferentes! Não deveria ser uma necessidade básica que todas soassem pelo menos um pouco parecidas?
QUANDO AS COISAS FUNCIONAM OU NÃO FUNCIONAM
A última edição do Rock in Rio pode servir muito bem de exemplo para o que falei até agora aqui neste artigo. Tivemos, basicamente, a transmissão dos dois palcos: o Palco Mundo (feito pela Globo) e o Palco Sunset (feito pelo Multishow). Eu estive ligado diretamente com o segundo.
No Palco Mundo existiram duas situações, a meu ver, completamente diferentes em relação às bandas nacionais e internacionais. Na minha opinião, as bandas nacionais se saíram muito melhor do que as internacionais quando falamos em qualidade sonora para a televisão. Para mim, isto ocorreu simplesmente porque a maioria das bandas nacionais levaram técnicos próprios, que ajudaram os profissionais que estavam fazendo a mixagem para a TV. Eu mesmo estava na UM de áudio da Globo durante a transmissão do show do Frejat e o resultado foi muito bom.
Em relação aos artistas internacionais (principalmente as atrações mais importantes de cada noite), a grande maioria se saiu muito mal em relação ao som para a TV. Sempre que isso aconteceu foi por culpa deles mesmos, pois poucos estavam preparados para cooperar na transmissão de seus shows.
Alguns trouxeram técnicos experientes, mas que não tinham o mínimo domínio sobre os equipamentos que estavam utilizando. Outros trouxeram técnicos que não estavam nem um pouco interessados na transmissão (mesmo aqueles que vieram com este objetivo), e isto atrapalhou muito os técnicos responsáveis pela mesma.
CONCLUSÃO
Não confunda as coisas tentando usar exemplo de fora para fazer criticas a programas nacionais. Já vi e ouvi coisas muito boas e coisas muito ruins vindas de fora. Alguns programas sempre utilizados como referência nem ao vivo são: normalmente são gravados e pós-mixados, o que facilita muito o trabalho do técnico!
A fórmula para as coisas funcionarem corretamente é simples: trabalho em conjunto, porém não devemos esquecer que não temos o controle total sobre todos os aspectos técnicos deste tipo de trabalho. Devemos ficar muito atentos sobre como está soando o resultado final da mixagem.
Toda vez em que você for fazer uma mixagem para a televisão ou for fazer uma crítica ou um elogio, pense no que foi colocado neste artigo. São muitas as dificuldades para tudo dar certo e, ao meu entender, na grande maioria das vezes a coisa funciona bem. Temos profissionais muito bem preparados para este tipo de trabalho.
Renato Muñoz é formado em comunicação Social e atua como instrutor do Iatec e técnico de gravação e Pa. Iniciou sua carreira em 1990 e desde 2003 trabalha com o Skank.
e-mail: renatomunoz@musitec.com.br