Aqueles quem vivem em apartamentos do tipo quitinete vivem apertados. É difícil achar um lugar diferente para ficar, pois a sala também é quarto, closet, escritório e home studio e a cozinha também é despensa, área de serviço, área de lazer, oficina e despejo. Nos casos agudos, o banheiro também se passa por lavanderia, varal e rouparia.
Quem mora em casa térrea tem um pouco mais de liberdade de escolha para ler sua revista de áudio e tecnologia, por exemplo. Tem o cantinho da sala embaixo do abajur, a mesa da copa durante o jantar, a escadinha da área de serviço, a cama do quarto, o sofá do escritório ou a pedra do quintal que fica embaixo do limoeiro.
O Pro Tools em versão plena, por sua vez, com certeza é uma casa com quintal e piscina. Nesse há muitos ambientes distintos, desde os básicos mobiliados com equalizadores, compressores, gates, delays e reverbs até os mais amplos com instrumentos virtuais grandiosos. Há ainda muitos detalhes construtivos extras que gratificam qualquer morador, mas, para aqueles proprietários que realmente mergulham fundo na arquitetura de áudio, é certo que faltarão espaços diferenciados ou mobília particular. Continue lendo para saber quais são alguns desses.
Antes disso, devo lembrar que há também o Pro Tools versão quitinete para estudantes e amadores - o Express, que vem gratuitamente com algumas interfaces de áudio. Ali está presente o famoso esquema quarto e sala, mas é charmoso e tem uma sacadinha que dá para ver uma paisagem musical interessante no dia a dia. O Pro Tools HD, por outro lado, é uma construção moderna, com linhas retas, muito concreto aparente e assoalho de madeira de lei no chão. Tem múltiplos cômodos, todos com amplos planos envidraçados duplos e tratamento acústico. Esses inquilinos irão encontrar bastante espaço para viver profissionalmente, além de oportunidades para explorar a decoração criativa musical, mas, mesmo assim, estes usuários avançados irão seguramente querer reformar seu sistema e investir em mais móveis, principalmente os assinados e com ampla personalidade estética.
Apesar de todas as versões de Pro Tools serem edificações sólidas assinadas por arquitetos competentes, eu estranho a falta de alguns detalhes na construção que já podem ser considerados como básicos e que já estão presentes em outros aplicativos concorrentes. Dois deles são o analisador de espectro em tempo real (RTA) e o compressor multibanda.
Eu sou da geração que pegou aquela fase chata do começo da era digital, em que os ADATs da Alesis dominavam e os aplicativos de gravação ainda eram pra lá de simplórios, mas que me marcaram muito. Confesso que tenho agora dificuldade para mixar sem olhar para um monitor de computador. Depois que já gravei o que toquei de olho fechado, gosto de ver o que está acontecendo, e meu cérebro já faz conta automaticamente só de olhar o medidor. Portanto, sou do tipo que gosta de "ver" a música, além de ouvi-la. É como ter uma segunda opinião de médico para um problema de saúde. Ainda acho que não há nada de errado com isso. Este é o motivo pelo qual preciso ter um analisador de espectro e esse não se encontra no Pro Tools, em nenhuma versão. Ah, você também é assim? Que bom! Fique sabendo, então, que felizmente você não precisa gastar nem um tostão, pois o que indico é grátis. Anota aí:
- RTA grátis
Fabricante: Blue Cat Audio
Site: www.bluecataudio.com
Nome do plug-in: Blue Cat's FreqAnalyst
Esse plug-in pode ser baixado gratuitamente, tem uso irrestrito e é perfeito para o que eu preciso saber: o que acontece nas minhas músicas entre 20 Hz e 20 kHz. Além disso, ele é compatível com os protocolos AU, RTAS, VST, DX, AAX 32 bits e AAX 64 bits, portanto usuários do Pro Tools 11 e anteriores estão cobertos, além daqueles que preferem o Live, Logic, Sonar, Reaper, Studio One ou outros irmãos de sangue rodando em Windows ou OS X.
Eu gosto bastante da maciez de resposta desse analisador e de alguns recursos aparentemente "bobos", mas legais, como poder ficar translúcido. Se você der uma investigada melhor no site do fabricante achará alguns outros plug-ins gratuitos que podem também ser interessantes para você.
Um jeito legal de usar esse analisador de espectro é o de poder "clonar" a resposta de frequência de uma outra música que já esteja masterizada. Para isso, costumo escolher uma música bem boa e já pronta de um disco comercial similar àquela que estou trabalhando. Passo ela pelo RTA e analiso o que está acontecendo, especialmente para ver o que rola na resposta de graves e nas extremidades do espectro. Em seguida, passo pelo mesmo RTA a música que estou trabalhando e vou lapidando-a para que a sua curva de resposta fique mais próxima da música de referência. Uma técnica legal! Não há nada de errado nisso - copiar é uma forma de aprender e recomendo a todos fazer essas leituras de frequências das músicas que gostamos. Você vai se surpreender com o resultado, principalmente com as bandas e DJs clássicos.
O segundo item que julgo necessário, como eu disse algumas linhas acima, é o compressor multibanda, mas fui injusto ao dizer que o Pro Tools não tem um. Pelo menos deveria ter dito que não tem um já pronto, mas prefiro seguir dando mais corda ao raciocínio do que à revisão, que deixo a rogo para meu editor amigo, grande Marcio.
Antes de sair procurando um plug-in gratuito desse tipo por aí, lembre-se de que o compressor multibanda não é nada mais, nada menos, do que um compressor sintonizado para atuar em determinadas regiões de frequências. Portanto, podemos muito bem construir um usando o que o Pro Tools tem a nos oferecer. É meio trabalhoso de se fazer, mas dá certo e o resultado é bem satisfatório.
Normalmente, o padrão de atuação de compressores multibandas está dividido em três regiões distintas de frequências comprimíveis: as baixas, as médias e as altas, mas nada impede que você divida as médias em médias-baixas e médias-altas e fique com um compressor multibanda de quatro bandas, ou até mais. Atente que alguns pontos na construção do compressor multibanda merecem especial atenção: um é a frequência do crossover entre duas bandas, que deve ser a mesma nos dois filtros adjacentes que ficam em plug-ins diferentes (um passa-baixas e outro passa-altas), que atuam em conjunto e formam o crossover. Isso torna a operação do compressor multibanda caseiro muito menos amistosa do que os plug-ins dedicados a esta finalidade, como o Ozone, da Izotope, do qual gosto muito, diga-se de passagem.
Outro ponto importante também é a inclinação da curva dos filtros na frequência de corte que formam e definem o tipo de crossover. Estas devem ser de 12 dB por oitava, simulando um crossover do tipo Linkwitz-Riley de segunda ordem, onde a soma dos dois filtros resulta em 0 dB de atenuação ou ganho. Se, por exemplo, usarmos uma inclinação de 6 dB por oitava nos filtros criaremos um crossover do tipo Butterworth, com a somatória desses dois filtros acrescentando um ganho de 3 dB na frequência de sintonia do crossover. Portanto, muda a resposta de frequência que passa pelos compressores e estaríamos equalizando o som, além de comprimindo-o.
Sendo assim, para começar a construir um compressor multibanda de três bandas que atue no estágio de finalização, vamos ter que endereçar a saída de toda a mixagem para três subgrupos distintos simultaneamente, cada qual com um equalizador sintonizado em determinada região de frequências e um compressor insertado na sequência de cada um destes. Para isso, iremos utilizar os barramentos internos (Bus) disponíveis no Pro Tools. Um par já basta. Talvez seja necessário visitar o IO Setup para ver se os barramentos estão configurados corretamente.
Estou usando uma sessão de demonstração do Pro Tools (a Rock Pop) para este exemplo. Então ficou assim: todas as pistas seguem para seus subgrupos distintos e cada um destes segue para os três subgrupos no formato estéreo que criei, onde ficarão os filtros e compressores para cada banda, aqui já identificados pela cor laranja e utilizando o Bus 5-6 para fluxo de sinal. A saída destes segue para o Master. Mudei os nomes de cada um deles para algo mais elucidativo, como Low, para as baixas, Mid para as médias e High para as altas.
Na sequência, insertei um equalizador de uma banda (EQ1-Band) no primeiro subgrupo, que é o responsável pelo processamento das baixas. Uso a tabela do engenheiro Leo de Gars Kulka para definir as regiões de frequências e assim defini a frequência do primeiro crossover em 250 Hz. Habilitei o filtro em modo passa-baixas, defini a frequência de corte em 250 Hz e a inclinação em 12 dB/oitava.
Agora, para definir a segunda banda e completar o primeiro crossover, no segundo subgrupo intitulado Mid insertei um equalizador de sete bandas (EQ3-7 Band). Neste liguei o filtro passa-altas, defini a frequência de corte em 250 Hz e a inclinação em 12 dB/oitava. Em seguida, liguei o filtro passa-baixas, defini a frequência de corte em 6000 Hz (6 kHz) e a inclinação em 12 dB/oitava. Desliguei todos os demais filtros.
Agora, para a última banda de frequências e término do segundo crossover, no subgrupo chamado High insertei um equalizador de uma banda (EQ1-Band), defini sua atuação como passa-altas, a frequência de corte em 6000 Hz (6 kHz) e sua inclinação em 12 dB/oitava.
Agora é uma hora boa para mutar dois desses subgrupos para "ver" a atuação dos filtros no subgrupo que está tocando. Alternativamente, você pode criar uma rotina de solo-safe na sessão, mas demora mais que mutar. Aproveite, então, para começar a comprimir cada região. Comece pelos graves e instantaneamente sua música ganhará mais corpo. Se alguma correção de frequência de crossover se mostrar necessária, não se esqueça de acertar a frequência de corte nos dois filtros adjacentes para o mesmo valor, nos plug-ins de cada par de subgrupos adjacentes. Se você quiser fazer um compressor multibanda cirúrgico de cinco bandas, use o conceito da tabela que usei e que reproduzo a seguir.
Agora é só insertar um compressor na sequência de cada equalizador e comprimir a banda conforme seu gosto musical indicar. Pode-se usar qualquer equalizador, filtros e compressores com esses mesmos ajustes, como o Channel Strip da própria Avid, que, aliás, torna o processo ainda mais fácil, além de prover as características sônicas de seu próprio algoritmo, mas fica a seu critério. Usei essa forma mais complexa para permitir que você monte seu compressor multibanda com seus próprios recursos, bem possível também na forma de periféricos reais, inclusive. Lembre-se apenas de insertar o equalizador antes do compressor, obviamente.
Pronto! Duas reformas simples para seu Pro Tools: uma grátis e uma feita dos próprios recursos do programa, mas todos dignos de qualquer morador de casa modesta em rua de terra, de madeira no campo, na alugada da praia, assobradada, assombrada, modernista sobre pilotis, em "crescent" georgiano dos conjuntos habitacionais e até nas mansões em condomínios fechados de alto padrão com campo de golfe particular.
Um abração e até a próxima!
Daniel raizer é especialista de produtos sênior da Quanta
Brasil, consultor técnico da Quanta educacional, músico e autor do livro Como fazer música com o Pro Tools, lançado pela editora Música & Tecnologia.
Mantém o blog pessoal danielraizer.blogspot.com