Realmente está caindo a ficha pra mim. O motivo que faz tanta gente querer entrar no mundo da engenharia de música fica perdido. Antigamente, entrava-se num estúdio de gravação e a paisagem era sempre a mesma: uma console Neve ou SSL, sendo que os raros tinham GML ou Focusrite, uma (ou duas) máquinas de gravação Studer ou Otari e um rack que continha sempre coisas muito parecidas, como alguns compressores dbx 160, outros Urei 1176, reverbs Lexicon e Yamaha, delays Roland e TC Electronic e gates Drawmer. Não se falava em pré-amps externos (pois é!) e nestes racks ainda eram encontradas máquinas de DAT Tascam ou Panasonic, onde a mix final era gravada. O engenheiro estava "em casa" usando estes equipamentos e tinha bom entendimento e sensibilidade em relação ao artista e sua música, e. voilá!
Recentemente fui à Expomusic, em São Paulo. Eu, que tenho mau senso de direção, consegui me perder algumas boas vezes lá dentro. Aliás, não só em direção, me perdi também em nomes, marcas e equipamentos. Clássicos que viraram populares. Clássicos que foram engolidos por outros clássicos. Clássicos que foram redescobertos por outros clássicos. E populares que viraram chics. Parece muito? Pois estes eram a minoria, já que em volta deles havia um arsenal de nomes e marcas que eu nunca ouvi falar na minha vida. No auge dos meus 40 anos, me senti com 80. Pois somente 25 anos atrás comprar uma revista importada Mix ou Keyboard no Brasil era um investimento pensado. Isso quando achávamos a revista pra comprar em raras livrarias que trabalhavam com importados. E estava eu ali, numa feira de música dentro do Brasil, que mais parecia um menu de plug-ins de ProTools de alguém que não se contenta em não ter todos!
Ao mesmo tempo, fala-se de crise. Como já disse em outros artigos, crise, pra mim, é simplesmente um plano que não foi alcançado, ou uma atividade que, por alterações nos hábitos do mundo, também teve que ser alterada. Ou deveria ser, pra não ser denominada... crise. Mas também dá pra entender. Tá certo que tem muito mais gente "engenheirando" música. Pois, antes, a maior "cidade de gravação" do mundo, que era Los Angeles, tinha cerca de 500 estúdios de grande porte, enquanto o Rio de Janeiro tinha, quem sabe, cinco. Hoje, ambas as cidades têm muito mais gente com estúdios em seus quartos, salas, garagens, ou onde couberem. Definitivamente, eu não sei fazer essa conta pra saber se a nova demanda equivale à nova oferta de equipamentos e brinquedos para o nosso delírio.
Tudo no mundo é cíclico. Eu não canso de perceber e falar isso. Espero que vocês também não cansem de ler! (risos) Escrevi recentemente um artigo nesta última página da nossa Áudio Música & Tecnologia que se chamou Pra que tantos equalizadores ?. E assim vai o mundo: surge uma nova tecnologia, um artesão dela... dois, vários, até que alguns se sobressaem muito, se unem a outros, e os que sobram, entram em crise (olha ela aí novamente!) e... somem. Estes grandes são os clássicos. Até que começa tudo de novo. Não posso reclamar. O momento do áudio é divertido. O clássico chegou no virtual e se tornou portátil e acessível. E a feira gigante, para uns, gera dúvida sobre o que comprar, enquanto, para outros, sobre como começar. De toda forma, vale muito à pena ir. Pois difícil é tudo aquilo que a gente (ainda) não sabe. Até mês que vem!
Enrico De Paoli é engenheiro de música. Grava, mixa e masteriza, dos botões e faders aos DAWs, plug-ins e interfaces. Créditos incluem Ray Charles, Djavan, Al Jarreau, Jota Quest e dois Grammys. Conheça também seu programa de treinamento Mix Secrets (www.EnricoDePaoli.com).