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Revista Luz & Cena
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Um dos donos da MPB
Produtor de mais de cem discos, Mazzola comemora 30 anos de carreira
Jomar Schrank e Sólon do Valle
Publicado em 01/12/2003 - 00h00
Jomar Schrank
 (Jomar Schrank)
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Elis Regina, Djavan, Raul Seixas, Belchior. Quem não ouviu falar nesses nomes? Pois bem, na década de 70, quando todos eles realizavam suas obras geniais, um nome aparecia como responsável por suas produções: Marco Mazzola. Este carioca de ouvido absoluto é uma espécie de Midas da música brasileira. Proprietário da gravadora independente MZA, de um estúdio e, principalmente, de uma das histórias mais relevantes da música brasileira, comemora 30 anos de carreira com um bom papo com M&T. E haja história.

Quando você era técnico tinha raiva de produtor?

Quando comecei, as pessoas eram mais bem preparadas do que são hoje em dia. Hoje, todo mundo se considera um produtor de discos. Isso atrapalha a nossa indústria, porque nem sempre as pessoas estão preparadas para esse tipo de profissão. Não adianta achar que estar no estúdio e ter uma boa intuição faz de você um grande produtor. É preciso conhecer equipamento e música. E é preciso ter sorte. Sem ela não se chega a lugar algum. Naquela época, como era um tempo de loucura e drogas, havia mais loucura nos produtores do que propriamente objetividade para produzir um disco. Isso muitas vezes refletia em um resultado de criatividade que fez com que surgisse tanta gente boa.

Hoje isso não seria possível...

Não. Hoje existe muita gente curiosa achando que é produtor e sem a mínima condição para isso. O nosso mercado está piorando cada vez mais, por diversos fatores. Mas não quero colocar a pirataria como um dos fatores. Todo mundo usa essa desculpa para não vender discos. Não é bem assim. Ela existe aqui, como existe no mundo todo. É preciso ser criativo para poder sobrepor essa história. Hoje, se o cara não tiver um pouco de talento, na primeira produção ele cai. A gravadora tem que cobrir seus custos.

Como foi seu primeiro contato com a música?

Tinha nove anos. Estudava em um colégio de padres. Tínhamos um coral, que se chamava Pequenos Cantores da Guanabara. Eram 46 vozes. Eu era o solista. Todo dia ensaiávamos, durante duas horas, escalas cromáticas. Quando você é garoto, fica para o resto da vida. Dizem que eu tenho ouvidos absolutos. Mas é por causa disso. Dos nove aos 13 anos vivia nesse coral. Depois de isso entrei em conjuntos de rock, ou seja, fiquei sempre na música.

O que você ouvia na época?

Por estudar em colégio católico e por ter afinidade com a música, escutava muita música brasileira, jazz, bossa nova. Ficava fascinado com os caras solando com o saxofone, o trompete. E muita coisa gospel também. Sempre fui curioso sobre a parte técnica. Sempre quis saber como gravar. Ainda hoje, o que gosto de ouvir é uma mistura de melodia e ritmo. Não vivo de moda.


Legenda:Mazzola ao lado da inseparável Studer

Como foi seu primeiro contato com instrumentos?

Foi com o acordeom. Eu queria estudar piano, só que eu era pobre e minha família humilde. Sabendo que o acordeom era mais barato que o piano, minha mãe propôs o seguinte trato: terminar a caixa d'água que estávamos fazendo para que ela me desse o instrumento. Terminei, claro. Depois disso passei a me dedicar às percussões. Queria ver como funcionavam. Mais tarde isso acabou resultando em um encontro com o Paul Simon, quando mostrei a ele a parte rítmica brasileira. Os ritmos do Olodum nas 12 faixas daquele disco foram criados por mim.

E seu primeiro contato com tecnologia de gravação?

Ocorreu em 1969, no estúdio da Musidisc.

E sua primeira produção?

Foi um disco da Rita Lee, o Atrás do porto tem uma cidade. Não foi tão legal, Me jogaram ali. Eu não tinha experiência e não conversei muito com a Rita sobre o disco. Mas foi bom de certa forma, já que, no ano seguinte, produzi o Raul Seixas. E já estava mais preparado.

E o que levou você ao ambiente de estúdio?

Quando descobri que era isso que eu queria na vida, a primeira coisa que fiz foi vender um Fusca que eu tinha para me inscrever em um curso na MGM, em Los Angeles. Lá, fui convidado pela Neve, na Inglaterra, para aprender. Em 76 montei a Warner no Brasil. Ia toda a semana para os EUA, porque queria que os lançamentos ocorressem de forma simultânea.

Como era o ambiente dos estúdios na época em que você começou?

Era muito rico. Todas as gravadoras tinham sua orquestra de cordas. Hoje em dia o que sinto é que é tudo plastificado. Qualquer pessoa canta. Não há nada muito diferente. E ninguém quer fazer nada diferente.


 
"Mazzola ao lado do inseparável Studer, gravador analógico parte da história do produtor"

Como foram suas primeiras experiências como produtor?

Meu sonho era ser um dos maiores engenheiros de gravação do mundo. Mas o André Midani, amigo meu, na época disse que eu só seria alguém se me tornasse produtor. Me disseram: "você tem um disco para produzir". Era o da Rita Lee. Ela tinha um conceito de loucura criativa e eu uma loucura organizada. Mas nossa vida está ótima agora.

E os trabalhos seguintes?

Bem, eu descobri o Raul Seixas. Ele era produtor da CBS e tinha uma banda, o Raulzito e Seus Panteras. Enquanto ele produzia a música Bloco na rua, do César Sampaio, me mostrou músicas dele. Eu achei ótimo e produzi o primeiro disco dele, que vendeu mais de um milhão de cópias.


O que definiu o seu método de produção? Como funciona?

A minha forma de produção é saber escutar as pessoas, não deturpar o que está dentro delas, respeitar sua criatividade. Além disso, é preciso ser organizado e criativo. Ah sim, uma boa dose de sorte e psicologia também. Acredito que assim é possível formar um bom produtor.

Basicamente honestidade...

Tento entrar na intimidade do artista, entender que ele está vivendo e dizendo, e, a partir disso, extrair o melhor. Encaro um disco como um livro: fica para o resto da vida. Então, é preciso haver muito cuidado.


Artistas já produzidos por Mazzola

Adriana Calcanhoto
Alceu Valença
Banda Eva
Belchior
Caetano Veloso
Chico Buarque
Chico César
Djavan
Elba Ramalho
Elis Regina
Emílio Santiago
Fafá de Belém
Gal Costa
Gilberto Gil
Ivete Sangalo
Jair Rodrigues
João Bosco
Jorge Benjor
Milton Nascimento
Moraes Moreira
Nana Caymi
Ney Matogrosso
Raul Seixas
Rita Lee
RPM
Simone
Tetê Espínola
Toquinho
Wagner Tiso
Zeca Baleiro
E ainda as produções internacionais....
Amaury Gutierry
David Assayad
Frank Sinatra
Lisa Minelli
Manhattan Transfer
Miles Davis
Paul Simon
FIM DE BOX

Como você atua com o compositor e o trabalho dele?

Muitas vezes o artista não tem muita noção do que a música dele pode fazer. É como se desse uma casa cheia de móveis, totalmente desorganizada para um decorador arrumar. O produtor atua assim. Ele pega algo bruto e tenta transformar em algo harmonioso e melódico. Convivo com isso de uma forma estética, para que eu possa dar um acabamento a tudo que chega a minhas mãos.


Dê exemplos...

A música De volta pro aconchego, do Dominguinhos, era um baião, super animado. O Dori Caymmi estava no estúdio para fazer o arranjo da música. Ele a tocou em forma de canção. Então percebemos que a música era assim. Virou tema de novela e vendeu muito. Outro exemplo é a música Realce, de [Gilberto] Gil. Tive a idéia de colocá-la para cima, animada, brasileira. Teve bastante impacto. No último disco de Gal Costa, a música Socorro, que estourou em todo o país, era rock'n'roll e eu fiz algo mais tribal, com tambores.

O que há em comum entre suas produções?

A minha maior preocupação é com a estética e acabamento do que estou produzindo. Tento gravar de uma forma em que perco um pouco mais de tempo de gravação, mas fico feliz na hora de mixar. Tenho menos trabalho nela. Duas coisas que escuto freqüentemente hoje são que na mixagem da jeito e que o Pro Tools afina. O Pro Tools é apenas uma ferramenta.

A melhor fase para a produção da música brasileira ocorreu entre 1976 e 1986


Conte algumas passagens importantes na sua carreira.

Bem, posso contar coisas alegres e tristes. Uma das tristes foi o modo como fiquei chocado com a forma como o Raul Seixas se acabava. Eu convivia muito com ele. No primeiro dinheiro que ganhamos me preocupei em comprar uma moradia para ele. E em dois anos ele foi perdendo tudo. Aquilo me deixava muito deprimido. Mas era uma pessoa culta, extremamente talentosa. Enfim, não preciso falar dele, né? Houve situações engraçadas também. Dentro do estúdio a gente fazia muita maluquice. Um dia resolvemos fazer um grupo. Eu cantava. Até que o gerente do estúdio na época chegou e soube que estávamos trancados tocando. Entrou e brigou com todo mundo. Ai eu disse "mas ouve aqui o que a gente gravou". Ele pegou o cassete e levou para o André Midani dizendo "olha aqui o que esses garotos estão fazendo!!!". André perguntou de quem tinha sido a idéia e mandou me chamar. Achei que fossem me demitir. Fui promovido (risos).

Quais suas principais descobertas artísticas?

Raul Seixas, Marina, Adriana Calcanhoto, Zeca Baleiro, Chico César. Depois que me tornei famoso, não pude mais descobrir ninguém. Todo mundo queria que eu produzisse. Produzi quatro discos da Elis Regina.


Como foi produzir Elis Regina?

Era um ensinamento. Ela era muito organizada, além de ser uma das maiores cantoras de todos os tempos. Empenhava-se e ensaiava muito. Chegava ao estúdio para gravar com tudo pronto. Fizemos uma gravação de Cinema Olímpia, do Caetano, que começava com uma respiração. Após essa gravação ela iria para a Alemanha. Eu disse para um assistente não mexer que eu iria comer e voltava. Ele tirou a respiração. E quando fui mixar percebi que não havia mais. Naquela época a edição era na gilete. Então a parte havia sido cortada e estava na lata de lixo. Demorei 12 horas editando. Elis era muito engraçada. Um dia, enquanto íamos para o estúdio da Transamérica no meu carro, começou a tocar Marina no carro. Ela já tinha visto a Marina na televisão. Então disse: "Mazzola, você a está comendo?"

 
"Extremamente bem sucedido, Mazzola expõe parte da sua coleção de troféus na sala da MZA"


Desde seu início, quais principais mudanças você observou no cenário musical brasileiro?

Eu não acompanhei a bossa-nova, mas senti que a música estava começando ali. Paralelo a isso, surgiu a Jovem Guarda, depois a discoteca com as Frenéticas, a black music. Hoje não há movimentos. E hoje, ao ver o disco dos Tribalistas, lembro de que quando montei a gravadora MZA contratei três artistas: Rita Ribeiro, Zeca Baleiro e Chico César. Queria fazer desta gravadora uma base para os novos artistas da música brasileira. E sempre tive a idéia de reunir esses três nomes em um mesmo trabalho.

"Sou amante da forma analógica de gravação, mas considero o Pro Tools uma excelente ferramenta de trabalho"

Como você observa a evolução da tecnologia musical?

Acho que ela está caminhando para que não seja preciso ir ao estúdio. Em casa mesmo é possível fazer seus arranjos e enviar em arquivo MP3. Na verdade, isso já acontece. Acho que a tecnologia está afastando a criatividade e o artista do seu público. Os discos de hoje são frios. Você escuta o disco dos Tribalistas e vê que há uma essência, dá vontade de ouvir novamente. Isso é raro hoje. Sou extremamente a favor da tecnologia. Mas, para mim, o analógico é o que possui emoção. O digital é algo frio. Quando quero comover as pessoas, gravo em analógico. O novo disco do Moraes Moreira, Meu nome é Brasil, é todo analógico.

Você percebeu alguma mudança na sua forma de produção, devido a essas mudanças?

Sim, de alguma forma é preciso se atualizar. O Pro Tools é uma excelente ferramenta de trabalho. Mas não consigo aceitar essa coisa de afinar a voz. Porque, em algum momento, o artista vai ter que mostrar que canta. E se ele está fazendo algo mentiroso, aquilo vai cair um dia. Procuro tirar o máximo do artista e, se for preciso, fazemos uma correção. Hoje, muitas vezes, gasta-se 15 horas para gravar uma voz. É um absurdo.

Você grava também?

Voz sim. Gravo porque gosto. Tenho uma preocupação com a emoção que o artista passa.


Hoje, qual setup considera o ideal?

Gosto muito das mesas Solid State Logic e Neve. Para gravar música brasileira, o ideal seria uma mesa Neve e um gravador Studer, com microfones valvulados. Para gravar pop, o Pro Tools.

Qual rumo você acha que toma?

A tendência é voltar para a coisa analógica.

Válvula não é moda. Realmente possui um som peculiar.

É isso. Um dia tinha passado a manhã toda ouvindo Pro Tools. Sai do estúdio à tarde e quando cheguei estava tendo a gravação do Moraes Moreira, em analógico. Percebi uma grande diferença.

Como é sua relação com o mercado internacional?

Nos EUA eles valorizam as pessoas. Aqui é preciso matar um leão por dia. Os americanos veneram nossos artistas. O primeiro disco foi o Brasil, do Manhattan Transfer, no qual produzi quatro músicas. Ganhei dois Grammys. Mas o trabalho mais legal foi o do Paul Simon com o Olodum. Tive total liberdade. Gravei 40 bases rítmicas.

Hoje você possui a gravadora independente MZA. Como surgiu a idéia?

Essa idéia surgiu em 1996, quando eu comecei a perceber que eu descobria muitos artistas, dava para as gravadoras e ganhava somente 2%. Resolvi pensar em mim. E quero convidar os artistas desempregados.
 

Artistas MZA

Bebeto
Charles e Juliano
Chico César
Evaldo Golveia
Herança
Martinho da Vila
Moraes Moreira
Zeca Baleiro
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