Lugar da Verdade
Quando o Photoshop e o Pro Tools entristecem as pessoas
Enrico De Paoli
Publicado em 12/04/2013 - 17h49
Os motivos são os mesmos: frustração! Isso é o que acontece com homens que passam a vida vendo revistas Playboy. mas que conhecem mulheres que não são iguais àquelas da revista. Na verdade, esse foi só o início do problema. Hoje, elas mesmas, as mulheres, se frustram ao se olharem no espelho e perceberem que não são como as moças da revista. Aliás, nem as próprias moças da revista são como as moças da revista! Ao menos antes do Photoshop.
Similarmente, não é de hoje que uma pessoa vai a um show e percebe que o mesmo soa bem diferente do disco. Porém, antigamente o motivo era outro: os equipamentos de shows passavam longe da fidelidade de um ótimo sistema de reprodução de áudio. Hoje, os equipamentos de som dos shows são ótimos, mas, muitas vezes, ao vivo os talentos não se mostram tão evidentes. Alguns pop stars usam playbacks ou soam completamente diferentes do que está em seus discos. Assim como as fotos supereditadas no Photoshop, alguns discos acabam sendo supereditados no Pro Tools ou em similar plataforma de áudio digital.
É comum eu estar em algum evento social e me fazerem aquela velha pergunta: "e então, Enrico. hoje em dia é possível qualquer pessoa virar cantor com as tecnologias dos estúdios?" Eu rebato com outra pergunta: "você acha que aquela apresentadora de programa infantil canta bem?" A minha resposta parece sempre causar exatamente a mesma reação: um sorriso seguido de um "entendi!". Então eu sigo: "é possível eu fazer qualquer pessoa cantar certo, mas é muito difícil eu fazer com que ela te emocione". Essa resposta é tão completa e esclarecedora, que, normalmente, o assunto muda por completo depois dela!
Voltando aos discos normais de artistas, sendo eles cantores ou bandas, hoje em dia o álbum em si virou tanto uma obra do artista quanto dos produtores e engenheiros. Da mesma forma que um ensaio fotográfico de fato deve créditos gigantes ao fotógrafo e ao photoshop artist. Se o disco ou as imagens não forem encarados desta forma, prepare-se para uma possível frustração! Claro que isso não vale para tudo e todos. Existem pessoas bonitas. Lindas! Mas é quase certo que não são perfeitas, assim como existem músicos fantásticos, mas até estes introduzem uma personalidade na música que não é precisa. E é justamente isso que os fazem fenomenais, e não uma precisão robótica.
Quando se faz um disco, um dos caminhos mais felizes a seguir é respeitar a natureza daquele artista e de sua música. Assim, o engenheiro consegue tirar o máximo daquele som. Lembrando que "som", em um disco, é unicamente produto da música. Muitas vezes um engenheiro dedica tanto tempo e energia a uma parte que dura dois ou três segundos de música que ele esquece que esta parte é um pedacinho de um todo, que só faz sentido na sequência daquele todo, e não sozinho em absoluto. E, então, perde-se a referência daqueles três segundos e, consequentemente, desconecta-se do todo da música.
Seguindo essa filosofia, é bem mais provável se economizar frustrações do artista, do público e, certamente, do próprio engenheiro. Afinal, a incerteza seduz, a imperfeição encanta e as diferenças é que fazem a vida ser mais interessante!
Enrico De Paoli é engenheiro de música. Créditos incluem Anna Carolina, Djavan, Ray Charles, Stanley Jordan etc. Saiba mais passeando em www.EnricoDePaoli.com.