O carioca e tijucano Antônio Carlos Fernandes Roldão é uma das figuras mais importantes do áudio do país. Com mais de 40 anos de estrada, Roldão tem uma história que se confunde com a da empresa Mac Audio, da qual é cofundador ao lado de Maurice Hughes. E por que não dizer que sua história também não se confunde com a da própria Áudio Música & Tecnologia, uma vez que em diversas oportunidades Roldão se juntou a Sólon do Valle nas aventuras em busca do conhecimento.
Nada mais justo, então, do que, na edição que inicia as comemorações dos 25 anos da AM&T, a revista realizar uma entrevista com Roldão, que conta um pouco de sua jornada profissional, passando por eventos como a chegada do Papa no Maracanã, em 1980, e o Projeto Aquarius, até chegar a Parintins, nos dias de hoje.
Qual foi a primeira vez em que você sentiu que deveria trabalhar com áudio?
Roldão: Eu despertei para o áudio com 19 ou 20 anos. Fui a um estúdio para gravar um texto para um audiovisual. Quando ouvi o som saindo daquela caixa de monitor, fiquei maravilhado. Daí o som não saiu mais da minha cabeça.
Como você começou a trabalhar com isto?
Fui com um amigo no Maracanãzinho para ver a montagem do Festival da Canção da TV Globo. Fiquei fascinado com aquela montagem de caixas imensas e cornetas long throw, um monte de microfones e mixers Shure. Eu já estava trabalhando, começando a fazer uma discoteca no Clube Liga Libanesa, no Rio de Janeiro. Foi o caminho que encontrei para começar a trabalhar com som. Fazia discoteca neste lugar no fim de semana, e durante a semana gravava audiovisual. Montei um pequeno estúdio em casa.
E depois, você fez cursos ou aprendeu na prática?
Comecei o curso de Eletrônica na PUC-Rio, mas fiquei só seis meses, pois precisava trabalhar e infelizmente não dava para estudar. Sou um autodidata. Aprendi com muitas revistas importadas, o jornal da AES, DB Sound, Recording Producer, livros que via nas livrarias, manuais e outras fontes que não me lembro, além de muitos erros e acertos.
Quais foram seus mestres nessa jornada?
Um grande mestre que me orientou muito na época foi o engenheiro de som Vitor Nascimento, do Estúdio F. Eu também ouvia todos os trabalhos que eu conseguia encontrar feitos por Rudy Van Gelder, um grande engenheiro americano especialista em gravações de jazz. Outro foi Rupert Neve, mestre da eletrônica mundial, construtor e projetista dos melhores consoles de gravação.
Muitos anos de estrada devem ter rendido boas histórias. Você chegou a passar por apuros ou situações inusitadas?
A chegada do Papai Noel ao Maracanã foi a primeira vez em que fizemos uma festa maravilhosa para 200 mil pessoas. O ponto alto era o Papai Noel chegando de helicóptero. Todas as crianças gritando de emoção por estarem vendo o bom velhinho. Até aí, tudo bem. O que não contávamos é que o sol do meio dia aquecia o gramado. A temperatura passou dos 45 graus. Nossos amplificadores ainda não tinham passado por uma experiência dessas e começaram a acender o circuito de proteção. Corremos para colocar gelo seco nos dissipadores dos amplificadores. Ufa! Foi um susto, mas resolvido rápido, e o evento terminou com sucesso. Festejamos.
Houve alguma passagem que te emocionou?
Em 1980, fizemos o primeiro grande evento da empresa. Era a chegada do Papa ao Maracanã. Eu estava muito tenso, pois tudo era grandioso e todo som saía da minha mesa, inclusive o áudio para televisão e para o mundo pela Embratel. A mesa de som ficava ao lado da passarela de entrada do Papa. Quando ele entrou pela passarela vermelha e deu sua benção para o meu lado, me deu uma tranquilidade que nem vi o tempo passar. O som me proporcionou momentos de grandes emoções nestes anos de trabalho.
Você é membro da AES desde quanto?
Acho que desde 1974, pois tive muitas entradas e saídas. Esquecia de pagar a anuidade que tinha que ser enviada por carta ou levar em espécie no balcão das feiras da AES. Naquela época, a revista era vermelha. Esta era a maior fonte de informações sobre o que se estava desenvolvendo de áudio no mundo.
O que mudou na Sociedade de lá pra cá?
Basicamente, o que foi mudando foram as tecnologias de projeto e construção dos equipamentos. A entidade continua a mesma, orientando, divulgando e discutindo os projetos em desenvolvimento e estudo no mundo. Hoje, com representação brasileira.
Fale um pouco sobre a sua relação com a Áudio Música & Tecnologia e com o próprio Sólon do Valle.
Logo no inicio, o Nelson Cardoso esteve na Mac Audio falando que precisava de apoio para montar uma revista de áudio. Eu falei pra ele que se fosse para montar uma revista séria de áudio profissional, eu ajudaria. Indiquei o Sólon, Franklin Garrido, José Augusto Porchat. A primeira entrevista acho que foi com o Vitor Nascimento ou Célio Martins, e assim começou tudo. Ainda era no formato de um jornal. O Sólon foi um grande nome do áudio brasileiro, fez um trabalho brilhante. No início, jovem, como eletrônico, autodidata, construindo pedais de guitarra etc. Depois, como engenheiro, ajudou muito o mercado brasileiro a se desenvolver, projetando equipamentos, estúdios, acústica, opinando sobre equipamentos. Como professor e diretor do IATEC, transmitindo a informação com estrema competência e didática. Tinha o dom de saber explicar. Era capaz de ficar horas explicando um assunto até que a pessoa entendesse. Sempre muito brincalhão e simples. Faz muita falta.

É verdade que vocês viajavam para o exterior e pagavam excesso de bagagem por causa dos manuais que traziam de lá?
Uma vez vinha chegando de Nova York, e na alfândega do Rio o fiscal me viu carregando, com muita dificuldade, uma mala grande. Mandou que eu colocasse no balcão e abrisse. E perguntou: "o que você está carregando?". Respondi: "papéis e livros". Ele riu, debochando. Mandou que eu abrisse. Eu abri. Ele começou a retirar tudo de dentro da mala e falou: "você é maluco de pagar 80 kg de excesso para trazer papel? Vá embora com isto!". É que naquela época não se podia trazer nada na bagagem, e todo mundo que viajava para os EUA era para trazer coisas.
Como a Mac Audio foi fundada? Fale sobre o início.
Em 1979, eu e o meu amigo Maurice Hugues, dois jovens técnicos que já trabalhavam juntos há alguns anos, resolvemos montar uma empresa completa de engenharia de som, que projetava, construía, operava e formava profissionais de áudio: a Mac Audio Sound Services. Hoje em dia, a Mac Audio é uma empresa diversificada. Faz programas de TV, gravações, pequenos e megashows, como o Réveillon do Rio, entre outros.
Como você vê o mercado brasileiro de áudio no que tange às empresas de sonorização?
Acho muito bom, com muitas empresas e bem diversificado. Tem bastante facilidade para aquisição de equipamentos e informação disponível com fácil acesso, além de escolas para formar profissionais, revistas técnica de alto nível, como a AM&T. É um mercado cada vez mais profissional, com fabricantes importantes que têm representação nacional, bem diferente de antes.
O Brasil tem formado bons profissionais ou ainda é preciso realizar estudos no exterior?
O Brasil sempre teve excelentes profissionais, que conseguiam se formar lutando, buscando a informação. Verdadeiros heróis, desbravadores que operavam shows, construíam equipamentos, davam treinamento. Isto era reconhecido pelo mercado mundial. Esses que se formaram sozinhos hoje ensinam aos que estão chegando, transmitindo o conhecimento através de escola, revista, livros e workshops. Mas saber nunca é demais. Temos que estar sempre em contato com o resto do mundo para não perder o bonde, pois hoje as coisas mudam muito rápido.
O que melhorou no áudio brasileiro nas últimas décadas?
Tudo melhorou. Hoje a informação esta aí em tempo real. Se você quiser o Journal of the AES, pode lê-lo digitalmente. Antigamente você tinha que esperar às vezes três, quatro meses para a revista ou um paper de fabricante chegar. Quando chegavam, fazíamos até reunião para ler a novidade. Hoje temos revistas em português, grandes lojas de equipamentos, marcas com escritórios no Brasil e escolas de qualidade. Os equipamentos são digitais, as mesas podem vir já com todo o processamento que existe.
E o que ainda precisa melhorar?
Primeiro, a cultura, tanto para os funcionários quanto para os empresários do meio. Em segundo lugar, o governo precisa diminuir impostos e taxas, aumentar o investimento em desenvolvimento e pesquisa nas universidades e escolas técnicas, criando as funções de formação para nossa área.
Aproveitando o tema de nossa matéria especial desta edição da AM&T, pergunto: como foi a evolução dos line arrays ao longo das últimas décadas?
Os lines ainda são a última geração de caixas e cornetas para PAs. Você consegue manter a continuidade de pressão com menos perda e resposta de frequência. Cada vez mais a indústria está desenvolvendo componentes melhores, que resistem mais à temperatura e potência. Os programas são cada vez melhores, dando os interângulos de empilhamento mais precisos.
Hoje em dia quais são as suas principais atividades?
Opero orquestras sinfônicas, desenvolvo projetos de áudio e divido com mais dois engenheiros a direção de uma empresa de engenharia. Neste exato momento estou trabalhando no projeto de sonorização do Bumbódromo de Parintins. Estou muito feliz por poder agregar mais qualidade a este evento que, com certeza, é um dos maiores do país. Estou também trabalhando no projeto completo de um teatro, que ainda é segredo. Neste, estou trabalhando desde a arquitetura.
E os seus planos para o futuro?
Quero continuar mixando concertos e óperas enquanto minha audição permitir. Para isso, sempre fiz e faço audiometria todo ano. Quero continuar desenvolvendo projetos de áudio e engenharia.