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Revista Luz & Cena
Técnicas de Microfonação
Técnicas de Microfonação - Gravando Voz
Fábio Henriques
Publicado em 20/04/2012 - 16h51
A voz humana é o instrumento mais difícil e, ao mesmo tempo, mais interessante de se gravar. Ela apresenta uma faixa dinâmica enorme, e é o instrumento que todos nós mais ouvimos a vida toda. Qualquer um é capaz de julgar a veracidade e a autenticidade de uma interpretação, e, mais importante, se identificar com ela. É por isso que gravar voz é sempre um desafio.

Embora a escolha e o posicionamento do microfone sejam determinantes para um bom resultado, a técnica envolvida é relativamente simples. Porém, o ato de se conseguir uma boa performance requer muito mais que o microfone certo na posição certa. Assim, tomo a liberdade de não me limitar neste texto apenas à "técnica de microfonação", mas procuro expandir a abordagem para o jeito de conseguirmos obter o melhor resultado.

A Escolha do Equipamento

Como sempre, procurarei ser bem prático e objetivo. Outro dia, vi em uma consagrada revista de áudio americana uma matéria sobre como gravar voz. Ela se baseava em entrevistas com "medalhões" do áudio, e eles, basicamente, diziam o seguinte: "Eu uso um microfone especial dos anos 60, que mandei restaurar por um cara em Los Angeles e que custa uns 15 mil dólares. Daí, ligo ele no meu pré especial, modificado por um outro 'cara' e que custa outros tantos...". Em resumo, a matéria não adiantou nada. Queria ver uma matéria que dissesse "como gravar voz usando o microfone do computador ligado direto na placa de som". Aí, sim!

Mas, para os que estão esperançosos de que eu faça esta matéria, sinto muito. Vamos ter que dispor de um pouco mais de qualidade se quisermos resultados realmente significativos. A boa notícia, porém, é que não precisamos ser tão exigentes. Outro dia, um amigo me contou que ficou juntando dinheiro para comprar um super pré-amplificador. Seu objetivo era que, finalmente, ao usar um equipamento deste naipe, ele tivesse um som inacreditável nas suas gravações. Qual não foi sua decepção quando, ao ouvir o resultado, notou que o som não havia se modificado substancialmente. Era praticamente igual ao que tinha com seu pré bem mais barato. E daí ele me perguntou o que havia de errado. Nada, na verdade.

Este é um retrato do ponto em que nos encontramos na tecnologia. Os equipamentos, em geral, estão, hoje, tão bons que as diferenças entre eles são realmente sutis. Assim, posso afirmar com total segurança que o resultado que a gente espera do som de uma gravação de voz não está diretamente associado ao valor do equipamento usado. É, ao mesmo tempo, um alívio e uma preocupação. Como saber então que equipamento usar? A resposta na verdade é bem simples: experimentação. Para cada voz que formos gravar, é aconselhável que testemos todas as opções de prés e microfones, para estabelecermos qual o melhor conjunto voz-mic-pré para o caso.

Aqui no estúdio temos seis modelos de prés, com valores indo de algumas centenas a alguns milhares de dólares. Pois bem. Fizemos um teste comparativo e constatamos que não necessariamente o mais caro soou melhor, nem o mais barato soou pior. O que conseguimos foi a confirmação de que cada caso é um caso. Para a maioria das pessoas que estão lendo este texto, não há nem a possibilidade de experimentação, pois só há um pré disponível, e, provavelmente um ou dois modelos de microfone. Então, aqui vai uma palavra de alento. A gente não precisa de microfones e prés caríssimos para gravar com qualidade. Uma interpretação ruim em um equipamento caro não soa melhor. E uma interpretação convincente gravada em um equipamento mais simples continuará convincente.

Em resumo, é muito produtivo se experimentar com os equipamentos de que dispomos para definir quais serão usados em cada caso. Um erro muito comum é estarmos super acostumados a usar um certo conjunto de pré+microfone, e quando aparece uma voz importante para gravar, conseguimos um equipamento bem mais caro, emprestado de um amigo, para usar. Só que, com este, não estamos acostumados, e isto faz muita diferença. A chance de se conseguir melhores resultados usando um equipamento conhecido é bem maior, principalmente porque, como veremos adiante, temos muitas outras coisas para nos preocuparmos.

Dinâmico ou Condensador? Transistor ou Válvula?

Mesmo ressaltando a importância de se experimentar a melhor opção de microfones, posso adiantar que, provavelmente, a escolha recairá sobre um modelo capacitivo (condenser). Esses microfones respondem muito rapidamente e são bem sensíveis aos harmônicos altos, sendo, por isto, muito precisos em captar as sutilezas do timbre de voz. Tudo bem que Lisa Stansfield gravou o primeiro disco em um Sennheiser 421, e que Paul Rodgers só canta no Shure SM57 (ambos dinâmicos), mas temos que convir que são casos esporádicos. Dentre as opções de microfones dinâmico, os de fita, que já vimos longamente aqui, podem ser uma opção interessante. Mas é preciso estar preparado para sua suavidade do extremo agudo.

Ao escolher um microfone capacitivo, normalmente acabamos preferindo um de diafragma grande. Pode-se pensar que estes são microfones mais fieis e verdadeiros, mas é exatamente o oposto. Os microfones "verdadeiros" possuem diafragmas pequenos, para que as oscilações harmônicas do próprio diafragma não alterem o timbre. Porém, em gravação de voz, o que buscamos não é a verdade, mas o timbre mais bonito. E os microfones capacitivos de diafragma grande entregam uma sonoridade apreciada pela esmagadora maioria.

Quando a gente fala em microfone valvulado ou transistorizado, na verdade estes elementos não são responsáveis pela captação em si, mas pela primeira amplificação que o tênue sinal apresentado pelo diafragma necessita. A válvula apresenta uma resposta muito apreciada, mas devemos estar atentos a algumas particularidades. O fato de se usar uma válvula não melhora o diafragma, principalmente se ela não for uma adequada para o uso em áudio. As válvulas são muito ruidosas por princípio de funcionamento (elétrons são ejetados de uma placa e acelerados até que batem em outra), e existem diversos modelos de microfones valvulados mais simples (mais baratos), que são extremamente ruidosos. Assim, em aplicações onde os volumes são mais baixos e com muitos silêncios, é conveniente optar por um microfone a transistor.

Aqui entra um fator importantíssimo, que é a valvulofilia (ou transistorfobia) do cliente. Falou em valvulado, o cara já acha que a voz dele soa melhor. Para evitar essas coisas, é melhor gravar pequenos takes de voz com cada opção de microfone e pré e mostrar para o cliente sem identificar qual é qual. Só depois que ele e você decidirem qual o melhor, revele o resultado.

Shockmount e Pop Filter

Estes dois elementos são muito importantes na captação de voz, pois evitam que os ruídos atrapalhem. O shockmount (muito conhecido por aqui como "aranha") evita que as vibrações estruturais sejam captadas, pois as amortece por meio de suspensões elásticas. Existem basicamente três tipos de vibrações que vêm do chão para o pedestal. São eles a vibração das máquinas de ar-condicionado, as vibrações provocadas pelo trânsito e a mais comum em estúdios pequenos, que é o vazamento da técnica para o estúdio. Neste último, pode ocorrer uma realimentação positiva de baixa frequência, que pode levar à "microfonia" de volumes altíssimos. Quando não se dispõe de um shockmount, vale de tudo para evitar ruídos. Pode-se colocar pedaços de espuma ou pano sob o pedestal, por exemplo.

Já o pop filter tem a função de diminuir a incidência de deslocamentos de ar sobre o diafragma, que ocasionam os famosos "puff" (daí o nome que a gente usa por aqui: anti-puff). O pop filter acaba tendo a função adicional de manter o cantor a uma certa distância do microfone, o que pode ser útil no caso de cantores menos experientes. É preciso se tomar um certo cuidado, pois o pop filter pode obstruir a visão do cantor. Isto normalmente é ruim para a comunicação visual e para ler uma letra, mas pode até ser útil quando há uma certa timidez envolvida. A distância entre o pop filter e o microfone deve ser também pesquisada. Pode-se partir de uns 10 cm e ir adaptando de acordo com a necessidade. Ao longo da gravação, convém verificar, de tempos em tempos, esta posição, pois, muitas vezes, no fim do dia, o pop filter está colado ao microfone, devido aos extremos emocionais da interpretação.

A Posição do Microfone

Infelizmente, vou ser obrigado, mais uma vez, a frustrar aqueles que acham que gravação eficiente envolve um certo glamour. Por mais tentador que seja a gente experimentar posições novas para o microfone, a melhor posição é a mais simples: diretamente à frente do cantor. A posição mais fácil é com o microfone exatamente na vertical, perpendicular ao chão, à altura da boca do cantor. Podemos, porém, posicionar o diafragma de forma que ele fique um pouco acima da linha da boca, levemente inclinado para baixo. Com isso, prejudicamos propositalmente a resposta de agudos do microfone, e diminuímos a incidência de sibilância. O sibilado é um excesso de volume nos sons do tipo "ésse". Este fonema se caracteriza por ser praticamente um ruído branco, com grande presença de altas frequências. E, como vimos anteriormente, os microfones capacitivos geralmente possuem uma forte sensibilidade nesta região. Aliando esta propriedade ao modo de emitir do cantor (que pode ser influenciado pela forma da arcada dentária, da mandíbula e, até mesmo, pelo sotaque), podemos acabar com uma sibilância bem intensa e desagradável.

O microfone pode ser colocado nas posições descritas acima de duas formas, de cabeça para cima ou de cabeça para baixo. À princípio, tanto faz, mas existe uma explicação interessante no caso dos valvulados. Como a válvula esquenta, colocar o microfone de cabeça para cima faz com que o ar aquecido pela válvula, que tende a subir, passe em frente ao diafragma. Esta passagem, em tese, provoca uma turbulência que, mesmo extremamente pequena, pode afetar o timbre. Confesso que não consigo contra argumentar esta hipótese, mas também não consigo ouvir diferença alguma. Na dúvida, então, prefira usar um valvulado de cabeça para baixo.

Um outro fator que pode nos fazer decidir por esta ou aquela orientação pode ser a leitura da letra. O corpo de um condensador de diafragma grande tem um tamanho apreciável, e pode se tornar um sério obstáculo visual. Este também é um caso para se experimentar a solução que proporcione o maior conforto ao cantor. Tenha sempre em mente que devemos evitar ao máximo que se cante de lado para o diafragma. Quando o cantor coloca a letra ao lado do microfone, ele fatalmente irá deixar de cantar diretamente na direção do diafragma, o que altera o timbre significativamente. Os cantores mais experientes desenvolvem a técnica de ler a frase antes e virar de frente para o microfone na hora de cantá-la. De qualquer forma, se a gente consegue uma posição para a letra, que evite a virada de cabeça, melhor. Por diversas vezes, coloquei o microfone na horizontal, pois foi a solução mais confortável para o cantor.

Por falar em letra, é muito importante levarmos em conta que o papel e a estante que o sustenta podem refletir o som emitido pela voz, e isso é bem perigoso. Se colocamos a estante muito perto do microfone, este capta o som direto vindo da boca, e o que saiu da boca, refletiu na estante e chegou ao diafragma. Este tipo de atraso provoca o famoso "filtro pente", que se caracteriza por vários cancelamentos e reforços, cujas frequências dependem das distâncias envolvidas. Auditivamente, a gente nota um efeito de flanging na voz, que pode ser bem intenso. Para evitá-lo, a regra é que a estante esteja a uma distância de pelo menos o triplo da distância entre o microfone e a boca. Assim, uma boa carta na manga é ter a letra da música impressa com fonte bem grande. Isso permite colocar o papel mais longe e, no caso de cantores menos jovens, diminui o constrangimento de ter que usar um óculos de leitura para cantar.

A Posição na Sala

Qual a melhor posição para se colocar o "duo" cantor e microfone na sala? Bem, no caso da voz, a gente sempre procura ter o mínimo de ambiência na captação. Quanto mais morto for o ambiente de gravação, melhor. Isto nos deixa livres para, na hora da mixagem, escolhermos o melhor ambiente. Pelo fato de ouvirmos vozes em salas desde que nascemos, basta uma pequena intensidade da ambiência da sala de gravação para que nosso cérebro crie imediatamente uma imagem mental de onde o cantor estava ao gravar, o que pode ser bem frustrante em termos artísticos. Assim, é melhor escolher o ponto da sala com menor ambiência. Este, normalmente se situa no lugar onde as paredes estão mais longe - ou seja, no centro. Do ponto de vista técnico, o cantor pode estar de pé ou sentado, embora provavelmente a posição de pé renda melhores resultados interpretativos.

Quando a sala de que a gente dispõe é muito viva, podemos fazer uso de rebatedores, que são "paredes móveis" absorvedoras colocadas em volta do cantor. Se não houver rebatedores, dá até para se montar uma cabana com cobertores e colchas, usando pedestais de microfone para sustentá-los. Pode parecer "tosco", mas funciona muito bem. Para um exemplo gringo, dê uma olhada no making of do último CD do Daughtry em
e veja como ele gravou voz.

No próximo mês veremos como obter uma melhor interpretação e falar sobre equalização e compressão na voz ao gravar.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.