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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Os ouvidos da decisão final
Enrico De Paoli
Publicado em 04/03/2012 - 22h21
Quando entrei no mercado, meu sonho era mixar um disco. Mixar era algo nobre. Tipo, você tinha que ser um senhor engenheiro para conquistar a credibilidade de ter um projeto entregue a você pra ser mixado. No início, gravei discos que foram entregues a outros engenheiros "mais experientes" para que estes os mixassem, e até já fui demitido de mixagens! Sim: mix não aprovada, "vamos contratar outro".

Um dos motivos que faziam a mixagem de um álbum ser algo de muita responsabilidade era o preço dos estúdios. Não havia outro jeito de se mixar um disco "grande" senão fazê-lo em estúdios de grande porte, únicos lugares que tinham capacidade técnica para gerar um produto final de qualidade internacional. E um dia de locação em um estúdio desses custava uma fortuna: cerca de 2 mil dólares por dia. Isso, 20 anos atrás, era realmente muito dinheiro. Ou seja, uma mix ruim significava 2 mil dólares no lixo, fora o tempo jogado fora.

Com esse nível de responsabilidade e exigência, as mixagens também ficavam impecáveis. Claro, álbuns eram produzidos por produtores super experientes e dirigidos por gravadoras que não podiam dar "ponto sem nó". Qualquer erro podia custar muito caro. Não se mixava uma música com voz desafinada, com baterias fora do tempo, com coisas a fazer ou, pior, com problemas sem solução. Logo, as mixagens eram caras. Feitas em estúdios caros, por engenheiros caros e soavam... caras. Não existia alguém para ouvir uma mix e perguntar: "já está masterizada?". A mix era o ápice de onde se chegava num disco. Sim, existia a masterização, mas ela não era responsável por um disco soar bem ou mal. Na masterização se ajustava sutilmente as (pequenas) diferenças de volume e tonalidades entre as faixas do disco, mas o som era, definitivamente, o da mix.

Dias foram se passando. Meses, anos... Os equipamentos foram ficando mais baratos. Discos que antes só podiam ganhar forma em estúdios milionários passaram a ser feitos em computadores dentro de um quarto. Pronto! Enquanto o sonho de se mixar um disco foi sendo realizado por milhares de "instant-engineers", os estúdios milionários foram fechando suas portas. Porém, esses PCs, Macs, Pro Tools e afins não vinham com experiência, com acústica, com ouvidos treinados e, às vezes, não vinham nem com muito talento. A mixagem, que um dia foi um processo de glamour, de precisão, de extrema musicalidade e o momento das últimas decisões na produção de um disco, se tornou uma etapa em que o álbum ainda está longe de soar... como um disco! Sendo assim, os velhos ouvidos experientes, diante de uma monitoração de altíssimo nível, começaram a fazer falta na hora de se tomar as decisões finais na produção dos discos. Essa responsabilidade foi, então, transferida para a nova profissão glamurosa do áudio: a masterização.

O que antes tinha a simples função de equilibrar o timbre entre as músicas de um disco passava a ter a responsabilidade de fazer o disco soar bem. Um disco com som ruim passou a ser culpa da master. Que grande ilusão! E a gravação? Direção? E arranjos, performances, instrumentos, pegadas, musicalidades e, por fim, mixagem? O que é feito em casa às vezes é feito com muito bom gosto. Com bastante musicalidade. Mas nem sempre com a experiência de fazer um disco soar como... um disco. Como pode toda essa responsabilidade ficar por conta da master, etapa em que já está tudo juntinho em dois canais!?!

Parece que o mesmo fenômeno volta a acontecer, e a master inicia um processo de popularização (como esperado). Mas, sem dúvida, na tentativa de ter um disco soando como. um disco, uma etapa seguinte vai ter que ser inventada! Que nome daremos? "Última Chance" ? "Pós-Master"? "Master-Solução"? "Re-Master"?

O processo de discos independentes é inovador. É rico. É muito interessante. Mas não podemos nos iludir achando que não perdemos nada de lá pra cá. Se ouvidos experientes fazem falta durante as primeiras etapas de uma produção, imagina em todas. Os discos que fizeram com que todos nós nos apaixonássemos por produção de música foram feitos com qualidade do início ao fim.

Enrico De Paoli é engenheiro de música e produtor. Acabou de ganhar seu segundo Grammy com o disco Ária, de Djavan. Para produções e treinamentos, acesse www.EnricoDePaoli.com.
 
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