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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Disco x Singles
Enrico De Paoli
Publicado em 11/02/2012 - 23h01
A partir dos anos 1980 e 1990, os discos começaram a perder a característica de "obra" e foram virando uma coleção de singles. Nem sempre uma coleção daqueles hit-singles que a gente conhece, mas uma simples coleção de músicas avulsas. Muitos desses discos tinham até belas músicas avulsas, mas estou usando esse termo para ilustrar que os álbuns foram deixando de ter aquela sonoridade contínua, como se estivéssemos ouvindo uma apresentação daquele artista ou banda. As gravações entraram num processo de cada vez mais produção, mais concepção e mais tecnologia de timbres, e, em muitos casos, isso foi fazendo as músicas perderem a unidade dentro do disco. Cada vez mais as faixas foram sendo produzidas separadamente umas das outras, e muitas vezes até mesmo com produtores e engenheiros diferentes.

Um ótimo jeito de ilustrar o que isso gerou: quando você está mixando um álbum, definitivamente não consegue usar os mesmos ajustes de equalizadores, compressores e reverbs entre as músicas. Aliás, na atual geração das mixagens in the box (dentro de computadores), você provavelmente não consegue nem mesmo usar os mesmos plug-ins de música pra música! A menos que. você esteja mixando um disco ao vivo, ou os tão populares DVDs... Então, se estivermos mixando um disco ao vivo é mais fácil? Ou seja, dá para "levantar" uma música e aquilo já valer para as outras? Vou explicar aqui porque talvez isso não seja possível.

1) Arranjo - Músicas com arranjos diferentes pedem mixes diferentes. Vamos lembrar que o princípio da mixagem é justamente "reger" os músicos gravados. Uma música, por exemplo, em que o baterista "desce a mão" nos pratos requer um equilíbrio diferente nos canais da bateria. Muito provavelmente, equalização também. Já uma música em que vários cantores cantam juntos no refrão talvez precise de menos volume da soma dessas vozes naquele momento. Um violão de nylon em uma música com bateria e baixo certamente terá uma filtragem (equalização) diferente de uma canção "violão e voz". E por aí vai...

2) Percepção auditiva - Mais importante do que o volume dos instrumentos em uma mix é o volume no qual eles parecem estar. Uma guitarra na segunda música de um disco ao vivo nos exatos mesmos volumes de faders pode parecer estar mais alta do que na primeira se o arranjo te levar a achar isso, dependendo da intenção da música e também do que toca junto com essa guitarra naquele momento. Mais curioso do que isso é que não depende somente do que toca junto naquele momento: possivelmente depende mais do que toca antes. Sim! Os sons que a gente ouve vão equalizando nossos ouvidos, então percebemos os eventos sônicos e seus volumes e timbres de formas diferentes, de acordo com o que acabamos de ouvir logo antes.

3) Dinâmica - Um disco, um show, ou qualquer sequência de músicas devem ser vistos como uma obra. Como um todo. Ainda que seja um disco de novela! Aquele álbum tem que poder ser ouvido do início ao fim e causar emoções, agitações, tensões e alívios. Logo, é necessário dinâmica. Não é com faders parados que se faz dinâmica. Mas. peraí! A dinâmica não é feita pelo próprio músico? Siga lendo.
4) Monitoração do músico - Sim, bons músicos sabem tocar juntos. Sabem, com maestria, percorrer através de dinâmicas, interpretando os diferentes momentos da música. Mas. se volume é uma questão relativa, pode ser que a referência que cada músico esteja ouvindo não seja exatamente igual entre eles. Diferente também do que o público está ouvindo, do que o ouvinte escuta no caso de uma gravação e também diferente do que o engenheiro de som ouviu. Sim. O baterista ouve seus tambores acusticamente ali, na cara dele. Ninguém mais os ouve dessa forma. Para exemplificar. Bem, tendo dito isso, um engenheiro de som tem que saber interpretar as intenções dinâmicas de um arranjo e recriá-las em uma mix.

Seja um disco ao vivo, com os mesmos músicos, ou um disco coletânea, é importante o mesmo ser sempre visto como uma obra, de forma que uma música sempre prepare nossos ouvidos e sentimentos para os eventos sônicos e canções subsequentes.

Como sempre. boas mixes!

Enrico De Paoli é produtor e engenheiro de mixes, masters e shows. Acabou de receber seu segundo Grammy com o álbum Ária, de Djavan, que ele gravou, mixou e masterizou, além de também fazer o áudio da turnê. Para contato e treinamentos, visite www.EnricoDePaoli.com.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.