Todo artista tem a mesma curiosidade: como estará soando a mixagem do PA? Será que está da maneira que eu (o artista) gostaria ou está mais para como ele (o técnico) gostaria?
O grande problema é que o artista nunca terá certeza absoluta do resultado sonoro do seu show, pois como, obviamente, nunca poderá assistir a apresentação na plateia, ele sempre dependerá da opinião e do gosto dos outros.
Os artistas, então, costumam recorrer ao técnico de som, pedindo para que este faça uma gravação diretamente da mesa de PA. Nesse momento começam os problemas, pois o resultado sonoro registrado pode ser completamente diferente da expectativa do artista e nem sempre a culpa é do técnico.
Não é de hoje que estas gravações são feitas ao vivo. Antes da internet - com todas as suas facilidades de distribuição de arquivos de áudio -, alguns artistas simplesmente permitiam que pessoas da plateia gravassem os shows com seus próprios equipamentos.
Existem vários fatores que podem contribuir para que o resultado desta gravação não seja nem um pouco parecido com o que a plateia está ouvindo e muito menos parecido com o que o músico tinha em mente.
Neste artigo veremos quais as maneiras de se fazer uma gravação direta da mesa de PA. Como este tipo de gravação se modernizou com o passar do tempo, veremos também quais os cuidados que devemos tomar e, ainda, como o artista pode aproveitar comercialmente este tipo de gravação.
GRAVANDO DIRETO DA MESA DE PA
Vale esclarecer que este artigo falará de gravação feita diretamente da mesa de PA para dois canais ou um pouco mais. Não vamos analisar a gravação feita em unidade móvel, dentro de um ambiente tratado sem nenhum tipo de vazamento externo, com os canais todos separados para serem mixados mais tarde. Esta é outra história. Vale destacar que mais à frente veremos que hoje em dia já existem formas de gravação em multipistas que podem ser feitas diretamente da mesa de PA ou da mesa de monitor.
Quando utilizamos a mesa de PA como fonte de gravação no nosso L/R, devemos tomar alguns cuidados básicos. Vamos a eles:
- A saída que vai para o aparelho de gravação deve ter o controle de volume (assim como equalização e até mesmo compressão) independente do que está indo para o sistema de sonorização, o que permitirá fazer pequenas correções no sinal que está sendo gravado sem alterar o que está sendo mandado para a plateia e vice-versa.
- Devemos ter um bom fone de ouvidos ou um par de caixas de referências para podermos checar (mesmo que sem muita precisão) como a mixagem está soando na gravação.
- A ligação do Left and Right (esquerdo e direito) deve seguir o mesmo padrão da mixagem que vai para o sistema, permitindo a quem ouvir a gravação ter a mesma imagem sonora percebida por uma pessoa que está na plateia.
- Como várias placas de áudio hoje em dia permitem a entrada de mais de dois canais, podemos tentar trabalhar com o estéreo L/R e quem sabe acrescentar dois canais de microfones de ambiente para dar uma sensação maior de "ao vivo" à gravação. Vantagem: a possibilidade (e melhor opção) de gravar os quatro canais separados e fazer a mixagem mais tarde, pois o ambiente barulhento do show pode não ser o melhor lugar para monitorar o que está acontecendo. Desvantagem: este processo requer um pouco mais de tempo para a "pós-produção", o que pode torná-lo inviável.
UM PROBLEMA DE REFERÊNCIA
Quando fazemos uma gravação ao vivo direto da mesa de PA, um dos principais problemas que enfrentamos é a referência. Antes de tudo, é preciso que nos preocupemos com o que estamos ouvindo do palco. O som reproduzido nele, o sinal que está entrando na mesa e a mixagem que segue para o sistema de sonorização (e para a gravação) podem ser completamente diferentes, dependendo de algumas situações.
Esta dissonância acontece principalmente em lugares pequenos, quando da house mix conseguimos ouvir diretamente o som que vem do palco, como instrumentos musicais, amplificadores, caixas de monitor, side fill... O resultado disto é que normalmente tudo o que ouvimos como som direto do palco tende a ficar baixo na gravação, pois como já escutamos estes sons naturalmente, não temos a necessidade de colocá-los no sistema de sonorização e consequentemente na mixagem.
Já em lugares maiores, onde a house mix fica a certa distância do palco e, portanto, não ouvimos nenhum instrumento ou vazamento sonoro vindos deste último, o que mandamos para o sistema e para a gravação é bem mais próximo do ideal.
Voltando aos lugares menores, existem algumas coisas que podemos fazer para tentar impedir tanto vazamento vindo do palco:
- Diminuir consideravelmente o volume dos amplificadores de instrumentos ou, de preferência, tirá-los do palco, evitando que o som por eles emitido vaze para a plateia e, consequentemente, para a house mix.
- Utilizar acrílico ou qualquer outra superfície que impeça o vazamento de instrumentos de percussão e amplificadores.
- Utilizar sistemas de monitor in-ear em vez de monitores de chão, que naturalmente vazam muito o som.
São detalhes simples que podem fazer a diferença tanto na mixagem quanto na gravação, pois quando não há tais vazamentos, não somos "enganados" pelo som que está vindo do palco e temos total liberdade na mixagem, sem preocupação quanto ao desequilíbrio da mesma. Esta redução de emissão sonora vinda do palco também colabora consideravelmente para um melhor resultado do sistema de sonorização em relação à plateia, uma vez que as pessoas que estão mais próximas ao palco deixam de receber o som direto dos amplificadores ou instrumentos acústicos.
GRAVANDO EM CANAIS SEPARADOS DA MESA DE PA
Uma das vantagens que os consoles digitais trouxeram ao mercado é a possibilidade de gravar em canais separados (ou multipistas) tanto de uma mesa de PA quanto de um monitor. A quantidade de canais e os tipos de conexões necessárias variam, dependendo de cada fabricante e modelo.
Pude experimentar este processo utilizando uma Avid Profile. Neste caso, o console serve de interface para um sistema de gravação Pro Tools que fica instalado em um computador externo utilizando placas HDX. Foi possível gravar, diretamente da mesa, mais de 48 canais separados.
Este processo traz vantagens que, embora hoje façam parte do dia a dia dos grandes shows, até pouco tempo só poderiam ser obtidas se uma grande estrutura fosse montada. Com esta configuração de gravação, além de registrar os canais da banda em separado, podemos também acrescentar vários canais de ambiente (fazendo até mesmo uma captação para 5.1) e, ainda, para ter uma referência mais rápida do que está sendo feito, é possível continuar tendo um L/R do que se está mandando para o PA.
O resultado desta gravação serão arquivos de áudio que poderão ser mixados posteriormente, seja num estúdio ou utilizando a própria mesa como superfície de controle. Se tivermos um bom par de caixas como referência, esta mixagem pode ser feita até mesmo no local do show.
VIRTUAL SOUNDCHECK
Além da possibilidade de levar estas gravações para o estúdio e mixá-las, uma grande novidade que este novo formato de gravação proporciona é o que chamamos de "Virtual Soundcheck". Da mesma forma que usamos os canais de áudio separados para remixar o show, agora podemos fazer uma passagem de som como se a banda estivesse tocando em cima do palco, o que permite realizar correções individuais em cada canal.
Funciona da seguinte maneira: mudamos a configuração da mesa para "ouvir o computador", e, quando damos play, o que foi gravado no canal volta pela mesa no canal um e assim sucessivamente com todos os outros canais. Em vez de termos os roadies ou os próprios músicos tocando no palco, o que ouvimos no PA ou monitor (já que a mesa de monitor também pode fazer este tipo de gravação) são os canais que foram gravados. Com isso podemos promover diversos ajustes ou correções e salvá-los na mesa. Estas correções são inseridas na nossa mix original, e quando voltarmos para o módulo de mixagem do show elas já estarão incorporadas à antiga mix.
É claro que alguns cuidados devem ser tomados, já que numa "passagem de som virtual" não temos a banda no palco, não há instrumentos vazando para a plateia, o posicionamento do microfone não é levado em consideração... Ou seja, é só uma boa referência do que teremos no show quando a banda estiver tocando. E só.
É bom deixar claro que este tipo de gravação em multipistas, feito da mesa de PA, assim como o Virtual Soundcheck, não são exclusividade dos consoles digitais: alguns técnicos já utilizavam este processo antes mesmo do surgimento das mesas digitais, com a diferença de que hoje em dia todo o processo ficou mais simples.
DE REFERÊNCIA PARA O ARTISTA A PRODUTO DE VENDA NA INTERNET
Com a possibilidade de se gravar todos os canais "abertos" e a facilidade e o conforto de se mixar o show novamente em um lugar mais preparado, alguns artistas logo perceberam que o resultado sonoro era tão bom que poderia se tornar um item comercial. Assim, em pouco tempo, grandes artistas como Linkin Park, Metallica, Pearl Jam e Bon Jovi estavam comercializando este produto - a mixagem de shows ao vivo - na internet.
Com isso, as antigas gravações piratas de péssima qualidade deram lugar a registros com um padrão bastante superior, preservando a qualidade sonora do artista e oferecendo ao público a possibilidade de ter várias apresentações ao vivo de sua banda preferida. Acessando os sites das bandas citadas acima, poderemos ver uma enorme quantidade de shows à venda, todos gravados e mixados utilizando este processo.
Tal comércio se tornou tão forte que chamou a atenção dos donos dos estabelecimentos em que os shows são realizados, e logo estes também quiseram uma parte dos lucros (já que seu local era usado como pano de fundo para a gravação). Assim, em alguns lugares, principalmente nos EUA, é necessário pagar uma taxa para que este tipo de gravação seja feita.
O QUE VALE É A QUALIDADE DO SHOW AO VIVO
Não podemos esquecer de que o importante é o que está acontecendo ao vivo no palco, e é isso o que a gravação ao vivo, seja em dois ou em vários canais, deve a todo custo tentar reproduzir. Devemos evitar que os desenvolvimentos tecnológicos acabem por alterar substancialmente a interpretação e execução de um show.
O que o público que compra esta gravação deseja é conferir a performance da sua banda tal como foi ouvida ao vivo, e não as qualidades do técnico que está mixando o show num estúdio para depois vendê-lo na internet. Por isso é importante se manter fiel à sonoridade original da banda. Sempre.
Renato Muñoz é formado em Comunicação Social e atua como instrutor do IATEC e técnico de gravação e PA. Iniciou sua carreira em 1990 e desde 2003 trabalha com o Skank.
e-mail: renatomunoz@musitec.com.br