RSS Facebook Twitter Blog
Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
A música e a cultura
das indústrias da moda e do design
Enrico De Paoli
Publicado em 26/12/2011 - 16h45
Sempre gostei de coisas bacanas, bonitas, bem feitas, mas nunca fui ligado em modas. Pelo contrário, sempre gostei de coisas pelo simples fato delas fazerem parte da minha personalidade. Mês passado escrevi sobre viagens que fiz em 2011 e apresentei uma analogia sobre a qualidade no acabamento de produções fonográficas e de alguns sons que ouvi em Nova York, em visita a produtores, sendo que um deles me falou algo em que tenho pensado desde então. Eu mostrava uma faixa independente que eu tinha acabado de mixar, e ele comentou: "isso não tocaria em rádios aqui - é um tipo de arranjo e programação que não tocam mais." Pois bem. Fiquei com isso na cabeça.

Ontem, ao receber a visita de um outro colunista da AM&T, o escritor e músico Ricardo Gomes, debatemos este assunto e cheguei a uma conclusão bem interessante: existe uma grande diferença entre vestir uma roupa e se produzir com estilo; ou matar a fome com um prato de comida e degustar uma delícia gourmet; ou, ainda, ter um carro que te leve para qualquer lugar e dirigir um ícone do design da indústria automotiva (não necessariamente caro). Ou, por fim, há uma grande diferença entre ter um conjunto de sofás das Casas Bahia e uma casa com móveis super estilosos. Da mesma forma que estes exemplos mostram que duas coisas podem ser feitas de maneiras bem diferentes, assim é na produção de música e gravações. Existem as épocas. As tendências. E de repente surge alguém que faz tudo diferente e dita um novo estilo. O nome disso não é nada mais, nada menos, do que. cultura.

Como se faz música hoje? Como se grava, se produz, se arranja, se programa? Vamos mais a fundo: que timbre de bumbo se usa atualmente? Que patterns? Que tipo de levadas? Que tipo de reverbs? Até a "afinação da Cher" virou um "tipo de roupa". Música também é "moda", mas quando falo "moda", não falo apenas das tendências da estação na Fashion Week . Se músicas fossem carros, hoje em dia não tocaria nas rádios uma Mercedes-Benz 300SL, de 1954. Simplesmente não é mais o que se ouve! Mas os designs voltam à moda depois de um tempo. Tudo é cíclico.

Uma SLS AMG 2011 também tem portas que abrem pra cima e combina muito bem com as rádios. Seria como se, num arranjo moderno, o produtor optasse por usar um naipe de metais gravado com um único microfone e sonoridade bem antiga. O modelo de 1954, além de não tocar nas rádios, seria de fabricação inviável. Hoje em dia se fabricam carros com outro maquinário, outra linha de montagem, e os resultados são diferentes. O mesmo com música. Simplesmente não é mais viável fazer gravações de trilhas pra desenho animado, como Carl Stalling fazia nos anos 1950, usando uma orquestra gigante, num estúdio maior ainda. Assim, mudam os resultados, demanda, estilos, instrumentos, profissionais da área etc.

Normalmente, quem dá as ordens - o chefe, o contratante ou o cliente - é quem paga. Como as gravadoras não contratam mais ninguém e os artistas produzem seus próprios discos, vivemos a "Música na Terra Sem Lei". Ótimo por um lado, pois muita gente tem desenvolvido belas ideias, mas não existe estilo, tendência... No momento, a cultura é justamente a falta de cultura. Logo, de volta às roupas, é preciso lembrar que nem sempre o diferente é bonito. Há coisas que não funcionam! Em música pop, Top 40, é indiscutível que as eras dos grandes produtores foram de resultados mais ricos. Esse período atual, sem muita diretriz, acima de tudo na música independente brasileira, vai nos levar a novos estilos, mas vale a pena lembrar que música também é design. Também é moda. Também é roupa. Também é algo que evolui, e que o objetivo final é o mesmo das outras áreas: ter a cultura do "ser interessante" e de atrair.

Estamos na era do "faço assim e que se dane", mas segue valendo a pena ouvir outras coisas, ver o que está tocando de bom aqui e no mundo. Por exemplo, música country americana ainda vende muito, logo ainda segue os padrões antigos de mercado (gravadoras, rádios etc.). Hoje, são as produções mais bem feitas nos EUA! Existe uma evolução do formato, uma tendência, e, por que não, algumas regras.

Na próxima vez em que você for começar um disco, não abra o armário e vista qualquer coisa. Não precisa gastar muito pra andar bonito: precisa, sim, é ter estilo e se vestir adequadamente para o evento ao qual está indo, mas, claro, respeitando a sua personalidade. Entrar no avião de bermuda e havaianas não soa tão bem.

Enrico De Paoli é engenheiro de música. Projetos recentes incluem Ária, de Djavan, que ganhou o Grammy de melhor disco MPB de 2011, e a música Crazy, Crazy Nights, para a Smirnoff, que mixou em Nova York, masterizou em seu Incrível Mundo e que está disponível no iTunes. Informações sobre mixes e masters: www.EnricoDePaoli.com
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.