Após o maciço predomínio dos sintetizadores analógicos americanos nos anos 1970 (Moog, Oberheim, Sequential Circuits e seus Prophets), passamos pelos japoneses (Yamaha DX7, Roland D50 e Korg M1, entre outros) com seus presets digitais dos anos 1980. A partir da década de 1990 começamos a nos acostumar aos fabricantes europeus entrando na luta por um lugar no coração dos músicos com sons gerados por novas tecnologias, notadamente o "virtual analógico". Nesse momento, despontaram fabricantes como Nord (sueca), Access Virus e Waldorf (alemãs) e Novation (inglesa).
Desta última empresa, que ultimamente tem se dedicado mais aos controladores MIDI, deixaram saudades o Bass Station - que depois reapareceu em formato VSTi -, o Supernova e o A-Station (veja na foto), que me trouxe alegrias sonoras, embora sua programação não ser das mais simples.
O UltraNova, que é o instrumento que vamos dissecar nessa matéria, é o primeiro novo teclado da Novation desde o Xio, de 2007, e promete bem mais do que ser apenas uma nova versão do Supernova ao incluir vocoder, interface de áudio e novas possibilidades para performances ao vivo, como controles programáveis sensíveis ao toque e comunicação por USB com o computador.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Se a primeira impressão é a que fica, esse instrumento nasceu para vencer, pois tem um design moderno e adequado para shows ao vivo, com um chassi azul e controles iluminados em vermelho e azul. Esse festival de cores funciona bem ao lado do som e junto ao pessoal que lida com música eletrônica em performances ao vivo, público que deverá ser o maior consumidor do produto.
Se você busca um som padrão de "piano intimista" ou de cordas imaculadas, melhor apelar para outro instrumento: não há sampler aqui e a ênfase é nos sons eletrônicos, incluindo muita coisa do ainda pouco conhecido no Brasil universo do dubstep, com seus baixos que estremecem, além de filtros e waveforms que casam perfeitamente com qualquer track a la Chemical Brothers ou Justice.
O toque rápido e firme do instrumento é totalmente adequado ao uso como teclado de sintetizador, com sensibilidade à velocidade ajustável e aftertouch ao longo de suas 37 notas, que é uma extensão bem escolhida para o tipo de performance esperada no instrumento. Pesa apenas 3 kg e a qualidade de componentes como chassi, modulation wheels e controles parece suficiente para o mundo rude das gigs. A tela de LCD em que os menus podem ser conferidos permite a realização de operações simples ao vivo, sendo que o UltraNova pode ser conectado a um computador para que seus parâmetros sejam editados. A edição é feita a partir de um software fornecido pela própria Novation no momento em que é concluído o registro online do equipamento (mais adiante irei detalhar esse aspecto).
ARQUITETURA INTERNA
O processo de síntese usado no UltraNova é totalmente digital, mas construído na arquitetura do virtual analógico. Três osciladores, dois ring modulators e uma fonte de noise para cada voz são mixadas, mandadas para o filtro e, então, para o amplificador. O envelope 1 é roteado para amp e o envelope 2 para filtro, enquanto os envelopes 3 a 6 e os 3 LFOs são usados para modulação. Da saída do amp, o som vai para os slots de efeitos antes de sair pelos outputs estéreo.
A polifonia é de 18 notas, mas a informação MIDI só é recebida em um canal, o que exclui possibilidades multi-timbrais. Decididamente, não é uma workstation, mas sim um instrumento para performance. Cada oscilador oferece 70 waveforms extremamente versáteis, 14 tipos de filtro, 20 fontes de modulação por timbre e 5 slots de efeitos, incluindo, além dos habituais suspeitos, novidades como gator, vocoder de 12 bandas e arpegiador com 33 patterns diferentes, sincronizáveis através de MIDI ou USB.
O SOM: SELEÇÃO POR CATEGORIA E GÊNERO
Naturalmente, essa é a parte mais esperada da matéria, e eu não vou fazer suspense barato: o som é realmente de primeira, como demonstram os presets de fábrica, que cobrem muito do que se usa na música pop eletrônica atual. A escolha dos sons pode ser feita por categoria ou gênero musical ou por meio de uma combinação de ambos. E está "todo mundo" lá: de baixos "cavernosos" para muitos estilos (Bit Crush Bass, Plain Juicy Bass, Fat Boy Bass, Throb Rod e o quase analógico 2 FiltaBass) a leads marcantes ou suaves (Trancecore e 8 bit mega lead), que através da regulagem do filtro (em tempo real) podem passar de zumbidos típicos de Atari a um Zawinul clássico em instantes.
Teknolead 1 e Gliderlead, com seus osciladores oitavados, farão a alegria dos progressivos, assim como os pads aveludados e de inspiração analógica (Rise Up Saw, White Star e Night Drive Pad). O equipamento também oferece sons percussivos que pintam com muita facilidade em mixes disputadas (VeloSPITTER, ToothPick e Bent Chopsticks), paisagens sonoras ideais para trilhas de programas sobre fenômenos da natureza ou para instalações de artes plásticas (The Throbbing, 7th Gate e TimeLord) e até aqueles efeitos especiais pelos quais a gente geralmente se apaixona com a mesma rapidez que enjoa deles, mas que sempre podem ser úteis para aquela vinheta de última hora (The Breakdown, Faster e 1960Supercomputer).
Os sons imitativos (Mod Wheelclarinet, Acoustic Guitar PM, Ark Rhodes e Parisian Lunch) não são o forte do instrumento, mas dependendo do contexto musical podem até funcionar, assim como alguns timbres que parecem difíceis de entrar numa mix mudam rapidamente de status se você ajustar os efeitos e filtros ao seu gosto. E essa possibilidade está sempre à mão, como veremos mais abaixo.
Outros timbres que são igualmente capazes de gerar inspiração para novas composições (e acessos de carência no seu cônjuge) são Wind Group, Dist Sine JF (que "levantou vento" das minhas Genelec), Horror Scene e todos os timbres dedicados ao vocoder. Caso queira ver e ouvir o UltraNova em ação, visite http://tinyurl.com/ultranova1 e, especialmente, http://tinyurl.com/ultranovademo. Neste último endereço você terá acesso a uma demo que, mesmo falada em japonês (com legendas em inglês), é uma das mais completas que já vi no YouTube.
PERFORMANCES AO VIVO GANHAM "REFORÇOS"
Como instrumento voltado à performance, o UltraNova oferece muito mais do que um botão dedicado ao filtro, sempre disponível para aquelas "varridas" (sweeps) de frequência que fazem sucesso tanto em pistas de dança quanto em vinhetas televisivas. Logo abaixo desse controle, no lado direito do painel, existem dois controles retangulares (Tweak e Touch) que podem fazer toda a diferença em relação a outros concorrentes do mundo digital.
Knobs algum dia ocuparam 41 posições no painel de um Mini Moog, mas foram minguando com o passar das décadas sob a pressão da "contenção de custos". Como músico, confesso minha total preferência por botões em vez de menus e gostei muito do sistema proposto pelo UltraNova, que funciona juntando controles e menus.
No lado esquerdo do painel, acione a opção Synth. No controle acima, escolha o banco pressionando o botão e, em seguida, girando o mesmo botão, selecione o número do patch. Você pode orientar essa busca acionando o controle Patch Browse abaixo, que faz surgir no display um menu que fornece o número do patch, nome e a possibilidade de você escolher gênero e/ou categoria. Acionando os pequenos retângulos Value, você viaja na trilha dos presets de uma mesma família até chegar ao mais próximo do que está imaginando.
Ao chegar nele, suponha que o envelope esteja lento para o tempo musical em que você está trabalhando, embora o timbre escolhido (um pad, por exemplo) seja adequado. Acione o controle Tweak e um menu com oito parâmetros relevantes aparecerá no LCD, permitindo que você faça ajustes e chegue ao som desejado. O usuário poderá criar variações em tempo real ou acionar o controle Touch (que é um encoder) e controlar simultaneamente vários parâmetros em tempo real sem ter que acessar menus sucessivos. E, claro: tudo isso é programável por patch.
O arpegiador é bem flexível: 33 patterns fornecidos pela fábrica em diferentes figuras rítmicas (da fusa até a repetição em ciclos de oito compassos), sete padrões de repetição (up, up down 1 e 2 etc), controles para duração das notas, até oito oitavas, sensibilidade à velocidade do toque e key sync. Embora falte um Tap Mode, sempre tão desejado numa live performance, mandar um MIDI Clock ou programar o BPM não chega a ser um pecado mortal para um instrumento que também funciona como plug-in, como veremos na sequência.
VOCODER E MICROFONE
No que diz respeito a vocoder e microfone, o UltraNova oferece a gratificação instantânea prometida durante anos por outros instrumentos digitais, que só me serviram para queimar os tweeters das NS10 sem que eu sentisse sequer um gostinho de Kraftwerk. O microfone se encaixa facilmente no canto superior esquerdo do equipamento e o primeiro preset, Vocoder Mic, já permite ouvir sua voz modulando o som do UltraNova e criando texturas híbridas, remetendo desde aos falsos robôs dos anos 1980 ao futurismo insólito dos tempos digitais.
Os parâmetros que podem ser ajustados são apenas dois tipos de filtro (High Pass e Noise) e ajuste do volume de sibilância, mas presets como Tronbahand e Choiring fornecem momentos de diversão em um instrumento de tantas possibilidades sonoras. Vale a pena.
EFEITOS
O primeiro sintetizador com efeitos incluídos nos timbres do qual recordo foi o D50, da Roland. Ele causava, ao mesmo tempo, uma sensação de prazer nos músicos, que ouviam aquele som já turbinado por reverbers e delays, e de horror nos técnicos de gravação dos anos 1980, que ainda não tinham incorporado a sonoridade relativamente artificial dos efeitos digitais.
Lutavam o tempo todo para que gravássemos "bypassando" esses efeitos, o que era uma fonte de conflitos, já que certos sons - não só do D50, mas também do M1, entre outros - soavam praticamente ridículos sem os efeitos. Com o passar do tempo, os ouvidos foram aceitando os novos padrões e a qualidade dos efeitos internos dos sintetizadores também foi melhorando.
O UltraNova oferece efeitos internos de grande qualidade, capazes de convencer o mais purista dos técnicos de som, pois sua integração com os timbres é muito bem feita. O acesso é seguindo o mesmo caminho lógico: acione no painel o retângulo Effects e o LCD vai mostrar o roteamento e cinco slots de efeitos. Estão lá os suspeitos de sempre: equalizador, compressor 1 e 2, distorções 1 e 2, delays, reverbers, choruses e o gator, este último um filtro rítmico que vai bem além do tremolo e que creio já ser bastante conhecido por usuário de alguns plug-ins.
Acione o controle Next e você achará a quantidade de efeitos para cada um dos slots. Acionando mais uma vez o mesmo controle, você terá acesso aos parâmetros mais relevantes de cada um dos efeitos em seus slots.
CONEXÃO, ALIMENTAÇÃO E AUTOMAP
Ao se registrar no site do fabricante, um novo mundo começará a se abrir para você e para o UltraNova. Além da garantia de um ano e de um E-zine bimestral, você obterá o driver para conexão USB com suas possibilidades de edição fora da tela LCD, além do driver da função Automap, que faz com que o instrumento se torne um controlador de outros soft synths.
Seguindo as instruções do folheto que acompanha o UltraNova, chego ao site do fabricante, entro com meus dados pessoais e faço o download do editor e do patch librarian versão 1.0, fazendo as devidas instalações. Em seguida, foi a vez do AutoMap, que abre lindamente no meu Windows. Escolho na minha lista de plug-ins e soft synths aqueles que desejo que se comuniquem através do AutoMap. Quando abro o meu DAW, ele está lá, pronto para ser usado.
Uma verdadeira maravilha, leitor! Usei com o CS 80, Jupiter 8 e Pro 53 e pude notar que muda tudo o fato de você poder abrir um filtro de um instrumento desses sem ser por mouse ou direto no pad de um laptop. Golaço. Sem dúvida, a possibilidade de editar os parâmetros em uma tela de computador é uma ótima opção, porque mesmo com um sistema operacional lógico e bem programado visualmente no painel do instrumento, como é o caso do UltraNova, o acesso simultâneo a vários componentes em um monitor de computador agiliza bastante o processo de edição e criação de sons.
Conclusões
A partir de meu primeiro Mini Moog, comprado no final dos anos 1970 do Luciano Alves, "sobrevivi" a várias gerações de tecnologias em teclados: analógicos, digitais, subtrativos, linear synthesis, FM, sample playback, samplers dedicados, vector synthesis, analog modelings e toda a enxurrada de virtuais à qual fomos expostos de alguns anos para cá.
Cada uma dessas formas de geração de sons tem sido uma fonte de ideias entre músicos de formações, públicos e contas bancárias variadas. Cada um desses instrumentos sempre trouxe uma característica que o fará ser lembrado na história da música, como o Universe, do M1, usado em vinhetas televisivas à exaustão, ou o Digital Native Dance, do D50, usado até em introduções de músicas de Miles Davis, e assim por diante.
O UltraNova tem tudo para se tornar um desses instrumentos clássicos. E não porque seja, a priori, o arauto de sons revolucionários (isto só tempo e a criatividade dos músicos e programadores poderá definir), mas, sim, por ser um instrumento extremamente bem dimensionado na sua proposta, lógico na operação e altamente positivo na relação entre características e preço. É o típico instrumento que traz prazer ao músico, e isso gera novas ideias e faz a música andar.
Considere: teclado de 37 notas ótimo de tocar, com excelentes controles para performance ao vivo, incluindo AutoMap, para controle de soft synths. Além disso, há também a interface de áudio, o vocoder e a possibilidade de edição em computador, itens que não costumamos ver simultaneamente em equipamentos deste tipo.