Após ter recentemente gravado, mixado e masterizado a trilha sonora do filme Pequenas histórias, pensei que seria interessante relatar aqui meus procedimentos e seus motivos.
Normalmente falamos, nesta última página, sobre mercado, técnicas ultra-modernas ou atípicas de uso de equipamentos e plug-ins em música pop. Mas, de fato, não é muito comum gastarmos essa página falando sobre músicas mais caretas. Aliás, de careta essa trilha não teve nada. O compositor e arranjador André Baptista, trabalhou com maestria como se fazia na época de ouro dos desenhos animados de Hannah Barbera: fez com que elementos eruditos soassem modernos e muito interessantes.
Pois bem... como se grava e mixa uma orquestra? Estamos sempre falando de baterias, guitarras, baixo e vocais. Mas... e um fagote, um cello e um contrabaixo acústico? Aliás, esses instrumentos, praticamente sozinhos, fazem mover a emoção de quem assiste à imagem, sem a ajuda de loops, Reason ou Guitar-Rigs.
A regra número um é bem básica, e está fora do alcance dos engenheiros da música por aí. É ter um excelente compositor, um belo arranjo e músicos de qualidade interpretando. Feito isso tudo, chega a nossa vez.
Como captar esse evento? As sessões foram gravadas pelo compositor, já com o vídeo do filme nelas sincronizado com o click. A microfonação optei por fazer com a mesma linha de raciocínio que uso ao gravar baterias: microfones ambientes variados, assim como microfones por grupos de instrumentos. Ou seja, usei um microfone estéreo praticamente no teto do estúdio, enquanto outros dois condensadores de cápsula grande foram usados nas laterais da sala.
Com esses, eu já tinha um belo timbre, amplo e bem natural. Aliás, essa é a maior característica de uma microfonação de ambientes. Por estar mais longe da fonte, temos a oportunidade de captar o som no espaço. Esse espaço dá ao timbre uma dimensão bem mais natural do que microfones colados na fonte (no instrumento). Por falar em instrumentos, falemos da formação dessa orquestra: cinco violinos, duas violas, um cello e um contrabaixo. Flauta, clarinete e fagote. Todos tocando juntos.
Como disse, os ambientes foram felizes como normalmente são. Mas não poderia deixar de incluir microfones captando, em outros canais, os instrumentos (ou grupos) independentemente. Nos primeiros violinos, um mic. Nos segundos, outro. Violas, mais um. Cello e contrabaixo ganharam, cada um, um mic independente. E assim com as madeiras. Flauta, clarinete e fagote, cada um com o seu.
Por que "gravando do avesso"? Justamente porque na mixagem gosto de recriar o espaço. E como faço isso? A primeira coisa que ouço são justamente as ambiências, que normalmente são deixadas para o final. Pois eu começo justamente com eles. Por quê? Nas ambiências eu tenho oportunidade de conhecer o som o mais próximo possível do natural. Não só isso: nesse caso de captação estéreo, tenho a oportunidade de ouvir o panorama da sala. Porém, como não temos só vantagens, essas ambiências tinham uma sobra de grave que fazia com que os baixos ficassem não muito inteligíveis.
Solução? Na mix, filtrar esses canais ambientes e passar a ouvir o canal do baixo junto. Até agora, então, estamos ouvindo apenas ambientes e baixo. Como o mic do contrabaixo na captação estava bem pertinho dele, o instrumento era registrado com definição e baixíssimo vazamento.
Note que, desta forma, eu tinha uma perfeita reprodução do espaço da sala e, agora, com a mesma filtrada nos graves que rodavam, eu não mais tinha o bolo na região do grave. Parecia perfeito. Mas e os outros instrumentos microfonados? Não vamos usar? Apenas se sentirmos necessidade. Uma frase solo, um momento que precisamos de mais valorização daquele instrumento e menos todo.
Este é o mesmo princípio que sempre tive para gravação de bateria. Ambientes, e depois resto. Além de ser mais fácil de captar, é mais natural de mixar. E, como temos os elementos independentes, podemos usá-los quanto e quando quisermos.
Enquanto o mundo deixa os ambientes pra o fim, nós começamos do avesso, e vamos então adicionando os individuais na mix.
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Enrico De Paoli é engenheiro de gravacao, mixagem e masterização. Grava in loco, e mixa e masteriza em seu Incrivel Mundo. Projetos recentes: Pequenas histórias (filme) e o novo CD de Djavan. cartas@enricodepaoli.com