
Dez anos de carreira são algo que poucas bandas têm a chance de comemorar. Para celebrar o fato, no dia 3 de setembro de 2006, o grupo mineiro Jota Quest fez um show gratuito no Anfiteatro Pôr do Sol - um espaço público às margens do Rio Guaíba, em Porto Alegre - e registrou tudo no DVD Até onde vai, o quarto de sua carreira.
O espetáculo foi marcado pela superação. No dia anterior à sua realização, com tudo pronto, ventos de mais de 100 km/h, caracterizados como um ciclone extra-tropical, obrigaram a produção a desmontar todos os seus equipamentos. A passagem de som chegou a ser paralisada, pois os instrumentos estavam sendo arrastados pelos ventos.
Até mesmo as torres de delay sofreram com o ciclone. "Tudo teve de ser retirado do palco para que não tivéssemos maiores prejuízos. Precisamos ser práticos e objetivos na desmontagem, pois o tempo estava literalmente contra nós, em todos os sentidos", lembra Hélber Oliveira, produtor técnico e executivo do grupo.
Ele conta ainda que, àquela altura, não havia a menor possibilidade de cancelar a gravação, visto que toda a estrutura de som, luz e câmeras de filmagem, incluindo o estúdio móvel de gravação, já havia sido alugada para a data, um sábado. A saída, segundo o próprio, foi adiar tudo para o dia seguinte e torcer para que a natureza desse uma trégua. "Tivemos um custo altíssimo de produção. Não poderíamos deixar de tocar. Essa hipótese sequer foi considerada."

Decisão tomada por produção e banda, a diária de equipamentos e mão de obra foi renovada, o que significou um gasto de mais 1/3 do que já havia sido investido no projeto. E, curiosamente, na manhã de domingo, Porto Alegre parecia outra. "Foi difícil acreditar. Depois de tudo o que passamos horas antes, amanhecer com o céu aberto e com os ventos controlados foi um grande alívio. Aquela tarde de sábado era mesmo pra não acontecer. Mas o domingo era nosso - e foi", disse o vocalista Rogério Flausino.
O show do Jota Quest contou com cinco parceiras. A Gabisom cuidou do áudio e locou o sistema de PA, além de consoles digitais, microfones e unidade móvel de gravação. A Véritas forneceu toda a estrutura de palco e alguns equipamentos de luz. A 6D Studio produziu as imagens do DVD, enquanto a Estação da Luz alugou a maior parte da iluminação, e a TV RBS entrou como parceira do projeto fornecendo câmeras e equipe. Pelo visto, até mesmo São Pedro deu a sua ajudinha aos mineiros.
PA reforçado para cobrir área extensa
O operador de PA Bruno Campregher, que está há pelo menos três anos na estrada com o grupo, contou que, para assegurar uma pressão sonora uniforme em toda a área do Anfiteatro Pôr do Sol, foi necessário trabalhar com duas torres extras de PA, que auxiliaram o sistema principal, um V-Dosc (L'Acoustics), de posse da Gabisom.
Segundo ele, ao lado de cada uma dessas torres do L/R, compostas de 16 elementos cada uma, foram utilizadas mais duas torres complementares, com 24 caixas, sendo 12 por lado. Além disso, quatro delays compostos por seis caixas Milo, da Meyer, cada um, foram dispostos a 10 m de distância da house mix e a 50 m do palco. "Com esse reforço, atingimos até mesmo os espectadores que estavam bem longe do palco, a cerca de 80, 100 m de distância", garantiu.
Bruno lembrou ainda que, para a gravação do DVD, utilizou um console Yamaha PM5D RH. Do equipamento, ele admitiu ter lançado mão de seus pré-amplificadores, entre outros processamentos. No entanto, na voz do cantor Rogério Flausino, "a opção foi pelos periféricos externos, como um pré-amplificador Avalon e um delay TC Electronic".
Como de costume, o técnico usou compressores e gates nos tons, no bumbo e na caixa da bateria de Paulinho Fonseca e também explorou a naturalidade do som das guitarras de Marco Túlio Lara e do baixo de PJ. "Em grande parte dos instrumentos, procuro trabalhar com a sonoridade que recebo, sem modificá-la muito. Geralmente, aplico alguns filtros, apenas para eliminar as freqüências indesejadas, mas não fico rodando muito botão", explicou.
Bruno não trabalhou com os estéreos muito abertos, pois o palco tinha 22 m de boca de cena e, naturalmente, se abrisse demais o L/R, o público que estivesse mais próximo de uma das torres ouviria o som praticamente mono. "Seria ruim para os espectadores e poderia interferir ainda na gravação do DVD. Em casos como esse, o ideal é mexer o mínimo possível", concluiu.
Carga pesada sobre o palco
Os integrantes do Jota Quest levaram todo o seu arsenal de instrumentos musicais para a gravação. Marco Túlio esteve com sua coleção de guitarras, composta de diversos modelos de Gibson e Gretsch, basicamente, além de um grande rack de efeitos, cabeçotes Marshall e caixas de 4 × 12" Marshall e Orange. PJ utilizou baixos Music Man e um poderoso sistema de três caixas Ampeg com oito falantes de 10", cada uma.
Amante dos instrumentos vintage, o tecladista Márcio Buzelin levou seu órgão Hammond B3, um piano Fender Rhodes e um teclado A90, entre outros, enquanto Paulinho Fonseca utilizou, além de sua bateria, um laptop PC com loops e bases seqüenciadas. Já o vocalista Rogério Flausino usou violões folk Martin e microfones sem fio Sennheiser GII, de característica hipercardióide. A dupla de backing vocals utilizou os tradicionais Shure SM58.
As guitarras de Marco Túlio foram captadas por microfones Sennheiser E609, que deram a elas uma sonoridade pesada, porém definida, e valorizaram efeitos como o fuzz presente no tema da canção Na moral, entre outras. O baixo de PJ, assim como os teclados e o sampler, foi ligado em linha na mesa. A caixa Leslie do Hammond foi captada por dois microfones Sennheiser MD441, um para a região dos graves e outro para os agudos. Por indicação do engenheiro de som Vitor Farias, a caixa da bateria também utilizou esse microfone. Em sua esteira, no entanto, foi usado um Shure SM57.
O bumbo recebeu um Shure SM91, em seu interior, e um Beta 52, da mesma marca, do lado de fora. No contratempo, um AKG 460 foi usado, e nos tons, o Shure SM98. O overall foi feito com microfones AKG C480, "que permitiram maior controle da ambiência, não deixando que outros instrumentos vazassem neles", como disse o PAzeiro.
Parte desses microfones, principalmente os Shure, foi locada pela Gabisom. Eles são de uso exclusivo do grupo, que tem um contrato de locação permanente com a empresa. O restante é de propriedade da equipe dos mineiros.
Gabisom desenvolve monitores para baixista
Por conta do grande volume sonoro que a banda utiliza sobre o palco, o sistema de monitoração usado pelo Jota Quest é um híbrido de caixas de chão com ear phones. O único integrante do grupo que não utiliza os auriculares é o baixista PJ. Por opção, ele usa duas caixas GS 215 - com falantes de 15 polegadas -, que foram desenvolvidas pela equipe da Gabisom.
"Somente com caixas potentes como essas é que ele (PJ) consegue se ouvir, pois o volume de seu instrumento é absurdamente alto e, às vezes, chega a encobrir o restante da banda à direita do palco, local onde sempre fica", contou Luiz Henrique, responsável pelos monitores do Jota.
Já o guitarrista Marco Túlio, bem como os demais integrantes, é adepto do in-ear Shure PSM700. No entanto, ele também não abre mão das caixas de chão, que servem como complemento de sua referência. "Com seis 4 × 12" falando agressivamente, seria impossível que ele (Marco Túlio) se ouvisse somente com os fones. Nesse caso, o complemento é ainda mais que necessário", justificou o técnico.
Posicionado exatamente entre o baixo e a guitarra, ou seja, no centro exato do palco, o vocalista Rogério Flausino também necessita de monitores de chão - quatro no total -, sendo dois na sua frente e dois mais próximos da bateria, e de in-ear phones, que, diz, utiliza incorretamente (confira o box).
A mixagem desses sistemas foi feita de maneira muito simples em uma PM5D, da Yamaha. De acordo com Luiz Henrique, cada músico recebeu seu instrumento em primeiro plano. Porém, o que vem na seqüência é o que varia entre eles. "O baterista Paulinho Fonseca, por exemplo, recebeu em primeiro plano a bateria e o click. Mais atrás, em seus fones, estão samples e demais instrumentos", disse o técnico.
Rogério Flausino ouvia sua voz, teclado e samples em primeiro plano, deixando a bateria e os demais instrumentos para o segundo. O vocalista ainda recebeu uma volta de delay do PA em seu fone. "Ele gosta de ouvir esses efeitos para que possa articular as vozes sobre eles", completou Luiz, lembrando que o tecladista Marcio Buzelin ouviu seus teclados em evidência e um pouco de cada instrumento.

Já o guitarrista Marco Túlio necessitou de uma boa referência de suas guitarras e clicks em primeiro plano, deixando bateria (somente bumbo, caixa e contratempo), baixo, teclados e uma discreta referência de voz ao fundo. Por iniciar algumas músicas com seus teclados, como O vento (que começa com um piano e cordas) e Do seu lado (que inicia com um synth), Márcio Buzelin trabalhou com o click bem alto em seus fones.
Ao vivo com ou sem problemas
A gravação do DVD, que foi produzido por Liminha em parceria com o quinteto mineiro, foi feita na unidade móvel da Gabisom pelo engenheiro de som Vitor Farias, que também mixou o trabalho no Nas Nuvens, no Rio de Janeiro.
De acordo com Rogério Flausino, a banda não fez nenhum tipo de overdub no estúdio. Tudo o que se ouve no DVD foi realmente tocado ao vivo. "Pra nós não existe esse papo de retake de vozes e instrumentos. O que acontece ali, naquele momento, é aquilo a que queremos que as pessoas assistam em casa. É nossa verdade", disse ele, que, assim como seus companheiros, prima sempre pela espontaneidade do que foi apresentado durante o espetáculo.
O músico contou ainda que a única correção feita foi a edição de um violão na música Dias melhores. Ele lembrou que, em um determinado trecho da canção, o instrumento parou de funcionar. No entanto, como se tratava de uma seqüência de acordes que era repetida várias vezes, não foi preciso regravá-la no estúdio. "Simplesmente recortamos e colamos a série no local condenado, mantendo, assim, a ideologia do ao vivo", justificou.
Vocalista com problemas de audição
À frente do Jota Quest há dez anos, o vocalista Rogério Flausino começou a sentir o desgaste por trabalhar com um elevado volume sonoro no palco. No final do ano passado, ele consultou um otorrinolaringologista e aproveitou para fazer um exame especializado, a audiometria. Resultado: o músico constatou uma perda auditiva de aproximadamente 35% em seu ouvido direito - nada bom, principalmente para um cantor.
Segundo o operador de monitor, Luiz Henrique, há tempos ele (Rogério) usa o in-ear phone somente em um dos ouvidos - o direito -, pois gosta de captar a ambiência diretamente do palco pelo outro. Por conta disso, a pressão sonora que recebe é totalmente descompassada e prejudicial. "Já tentamos fazer com que usasse os dois auriculares, mas ele não se sentiu confortável e manteve a opção por um dos lados", explicou o técnico, que vem pedindo ao restante da banda que trabalhe com um volume mais baixo, o que contribui - e muito - para o conforto do companheiro.
Apesar da correria da estrada, Rogério sabe que precisa se cuidar. O músico, que remarcou nova bateria de exames para os próximos meses, já admitiu a possibilidade de se adaptar ao uso correto dos fones. "Sei que estou trabalhando de forma errada. Preciso mudar isso antes que minha situação se agrave", admitiu.