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Revista Luz & Cena
Som direto
Som direto em cinema - parte 2
Profissionais falam sobre a carreira
Lyana Peck Guimarães
Publicado em 07/03/2007 - 00h00
Como a maioria das profissões do cinema, o técnico de som direto não conta com uma formação específica. Alguns fizeram faculdade de cinema, outros de comunicação, e outros já começaram trabalhando em set de filmagem, como assistentes. O mercado é fechado, e são poucos realizando o ofício. Uma coisa é certa: a carreira pode ser difícil no início, e ter diversos problemas, mas todos os entrevistados se mostram felizes com o que fazem.

Na edição anterior da M&T, nossa matéria de capa tratou da parte técnica do som direto em cinema: como fazer, equipamentos mais utilizados, dicas de captação, etc. Nesta continuação da matéria, vamos falar da carreira do técnico de som direto: qual é a formação, como é ingressar no mercado, como é o meio profissional, e o que os interessados na profissão devem fazer para entrar no mundo do som de cinema.

Não há uma regra para ingressar na carreira. Cada entrevistado tem uma experiência distinta e possui opinião diferente sobre o meio de se começar. O curioso é que nenhum fez algum curso de áudio propriamente. O estudo do som já foi feito relacionado diretamente ao cinema. Isso não significa que eles saibam menos. A questão é que, segundo os entrevistados, o aprendizado maior se dá no cotidiano das filmagens.


Formação

Tide Borges foi a única que começou depois de se formar em cinema pela Universidade Federal de São Paulo. Romeu Quinto também foi universitário, mas do curso de Comunicação, também na USP. Ele começou os estudos depois de já estar trabalhando com som de cinema. Mais tarde, como profissional reconhecido, ganhou da Embrafilme e do Capes uma bolsa para estudar Som de Cinema na Universidade de Cinema de Los Angeles (UCLA).

Quem também fez Comunicação foi Valéria Ferro, na Universidade Federal de Pernambuco. Na sua turma estavam os atuais cineastas pernambucanos que estão realizando produções premiadas, como Marcelo Gomes, de Cinema, Aspirinas e Urubus, e Cláudio Assis, de Amarelo Manga. Na época da faculdade eles já faziam curtas metragens em 16 mm, e foi assim que Valéria começou.

Zezé D'Alice cursou Audiovisual nas Faculdades Integradas Hélio Alonso e diz sempre ter se interessado por cinema, mas não por som. "Eu achava que podia fazer qualquer coisa, menos o som. Era tudo muito complicado pra mim". Até que surgiu uma oportunidade de estagiar com Juarez Dagoberto, e Zezé se apaixonou pela carreira. Fez cursos específicos e trabalhou como assistente de Juarez em mais de 30 filmes.

Juarez, o veterano do som direto, começou em uma época diferente, os anos 50. Ele estudou som de cinema no Centro de Estudos Cinematográficos, cujo criador e professor era Alberto Cavalcanti, também fundador da Vera Cruz, importante estúdio de cinema da época. Depois do curso, Juarez se encaminhou para o estúdio Maristela, onde era chamado de engenheiro de som. "Havia muito respeito", ele diz.

Há também quem tenha aprendido a profissão na prática, como foi o caso de Bié Gomes e Leandro Lima. Com parentes trabalhando com áudio em cinema, Bié começou na pós-produção, fazendo edição de som. Em pouco tempo passou para o set, mas foi na publicidade que se firmou. Leandro Lima terminou o ensino médio e já tinha na cabeça a idéia de trabalhar com som de cinema. Através de sua mãe, que é produtora, ele começou a estagiar com Zezé D'Alice e não saiu mais do som direto.

Apesar de ser uma profissão técnica, a maioria ressalta a importância de fazer um curso universitário para se tornar um técnico de som direto. "É legal fazer a faculdade, porque a pessoa que vai fazer esse tipo de trabalho precisa de uma formação, conhecer cinema, história, linguagem. É uma coisa mais séria do que procurar cursos rápidos", opina Tide Borges.


Entrando no mercado

Para Tide, a universidade também é importante para fazer contatos e, a partir daí, começar a fazer filmes. Afinal, "cinema não tem RH, então você tem que entrar no meio, conhecer as pessoas". Para ela, na faculdade se começa a trabalhar em curtas de diretores da própria geração, e com o tempo se chega a um longa-metragem. "Você vai crescendo junto com as pessoas da sua geração."

Já Romeu Quinto acredita que "a inclusão do profissional não é via universidade". Para ele, o meio de entrada é a vontade própria, sendo preciso "enfiar a cara" para se fazer conhecido. Freqüentar festivais e workshops pode ser uma maneira de conhecer pessoas e se oferecer para trabalho.

O que é essencial é ter como tutor algum profissional já estabelecido no mercado. Todos os aqui entrevistados foram assistentes e/ou microfonistas de outros técnicos de som antes de chefiarem um departamento de som de um filme. "E isso leva muito tempo. São anos antes de se tornar um técnico", diz Bié Gomes.

Os profissionais são procurados por estudantes de cinema ou interessados em geral para trabalhar com eles como estagiário ou segundo assistente. "É preciso ter alguém que aponte os caminhos, que ensine, que apóie. Então a gente acaba tendo os discípulos. Os meus eu escolho muito bem", diz Romeu. Dentre os importantes técnicos atuais, alguns foram seus assistentes, como Valéria Ferro e Tide Borges.

Existe procura, mas muito se dá por indicações e convites. "Eu já convidei muita gente. Dentro do próprio set acontece de alguém indicar um amigo, um parente, ou um amigo", diz Zezé. E Juarez, que já foi casado com ela, confirma a presença de familiares na profissão. "A Zezé começou a trabalhar comigo e hoje está aí. Na área técnica do cinema existe uma espécie de nepotismo. Eu tenho dois filhos, e eles meio que automaticamente entraram na área do som. E minha outra filha também está no cinema, mas no departamento de produção", ele conta.

Valéria Ferro também começou por indicação. Depois de realizar trabalhos em som direto durante a faculdade em Pernambuco, ela voltou para São Paulo, onde morava, para trabalhar como redatora. Não durou muito tempo, pois em seis meses ela foi convidada para ser assistente no filme Lua Cheia, cujo técnico foi Zico Santana. "Eu tinha descoberto que era cinema que eu queria, mas não sabia como entrar no mercado. Daí, por indicação dos amigos de Pernambuco, eu fiz meu primeiro longa".


Faltam profissionais?

O número de técnicos de som direto foi visto como pequeno pela maioria dos entrevistados. Daí a necessidade de treinar mais gente. "Para ter bastantes microfonistas, é preciso ter segundos microfonistas em processo de formação. Porque, tirando os cursos de cinema, eu acho que não há uma preparação prática", opina Valéria Ferro.

Bié confirma. "Em São Paulo, em publicidade, quando o mercado está funcionando normalmente, falta profissional de som. Quando você vai ver em um curso de cinema, ninguém quer fazer som. Todo mundo quer ser diretor, produtor. De certa forma é bom porque tem menos competição". Mas Tide Borges diz que ter trabalho suficiente "não significa que a área seja maravilhosa", já que "muitos longas precisam de captação, mas muitos comerciais, não".

Já para Juarez Dagoberto, a quantidade é suficiente. "Os que estão no mercado se dividem também em filmes comerciais, em curtas, em documentários, etc. E a produção brasileira não é tão grande também, né?".

A remuneração ainda não é ideal, principalmente para os iniciantes. "Hoje em dia eu não posso reclamar, mas só estou assim há pouco tempo. Eu comi o pão que o diabo amassou, e a maioria ainda passa por isso", diz Romeu Quinto. O problema está na inclusão do aluguel dos equipamentos no cachê do técnico, "o que dá uma média baixa", segundo Juarez. Para ele, "existe uma certa desproporção entre o que nos pagam e o que temos que investir".

Bié lembra que a pequena quantidade de profissionais contribui para a baixa remuneração. "Nossa classe é pequena e a gente não tem capacidade de melhorar nossa situação como as outras funções". Além disso, segundo Romeu, "há uma desunião muito grande", o que dificulta a reivindicação por melhores remunerações.

Associação de profissionais de som

Por isso Sílvio Da-Rin considera uma vitória a criação da Associação dos Profissionais de Som Cinematográfico (APSC), no dia 6 de setembro de 2002. "Pela primeira vez no Brasil uma entidade começou a congregar, em todo o país, aqueles que gravam ou processam som para filmes: técnicos de som, microfonistas, editores, mixadores e profissionais de estúdio em geral, bem como pesquisadores da área sonora".

Há ainda a Associação Brasileira de Cinematografia (ABC), que, além dos profissionais do som de cinema, engloba diretores de fotografia, diretores de arte, figurinistas e editores de imagem.


O técnico de som no set de filmagem

Juarez Dagoberto lembra que nos anos 50 e 60 existia uma tríade na produção cinematográfica. O diretor, em primeiro, o diretor de fotografia, em segundo, e o técnico de som, que era chamado de engenheiro de som, em terceiro. Essa era a hierarquia no set de filmagem. No entanto, com o tempo o som foi ficando em segundo plano, havendo um destaque para a imagem. "Em segundo plano só quando a gente está bem, quando é amigo do diretor ou do produtor!", brinca Bié.

Para Sílvio Da-Rin, "muitos dos profissionais do cinema não parecem encarar a captação do som como um elemento importante na produção audiovisual", sendo a filmagem voltada para a captação das imagens. "As questões relativas à criação da imagem são partilhadas por todos, graças ao uso de monitores de vídeo, enquanto os problemas envolvidos na boa captação de som não são facilmente compreendidos."

Ele lembra que nos últimos anos o som passou por diversas melhoras, mas os avanços não foram acompanhados pelas condições de trabalho. "Considero inteiramente superado o estigma criado em torno de uma suposta má qualidade do som brasileiro. Mas, paradoxalmente, não posso afirmar que o exercício da profissão de técnico de som direto é mais fácil hoje do que no passado".

A evolução tecnológica trouxe mais custos e esforços para o técnico. Afinal, hoje para se manter no mercado é necessário estar em constante atualização, o que significa adquirir equipamentos novos, geralmente importados e pagos em dólar. Além disso, o gravador multipista faz com que sejam utilizadas mais fontes sonoras, o que requer mais microfones, resultando em mais custos e trabalho no momento do posicionamento e captação.

Para a maioria essa é uma realidade não somente do Brasil. "A falta de atenção com o áudio é no cinema do mundo inteiro. E eu falo com certeza porque já trabalhei nos EUA, Europa e América Latina", diz Romeu Quinto. Já Dagoberto acredita que as equipes estrangeiras têm um maior cuidado com o som. "Costumo dizer que me sinto mais à vontade em equipes internacionais do que nas brasileiras. Aqui, como tudo neste país, virou esculhambação. O técnico é "o cara do som", nem tem nome. A gente tem que brigar para ter condições de trabalho", ele opina.

A chamada ditadura da imagem é uma realidade, mas para alguns técnicos ela pode ser contornada. "Se você fizer as pessoas no set entenderem a importância do som para contar a história do filme, você consegue conquistá-las. Afinal, o importante é o filme", diz Tide Borges. Romeu complementa: "Tem que ter uma capacidade política de set muito grande, e controle emocional também. Eu tenho o diretor de fotografia ao meu lado, não contra".

A grande rixa entre fotógrafos e técnicos de som se dá quanto ao posicionamento do boom na cena. O microfone e a vara de boom podem gerar sombras indesejadas, e às vezes o próprio microfonista pode interferir na luz. Assim, alguns diretores de fotografia limitam o espaço de ação dos microfonistas, que acabam tendo problemas para realizar uma captação ideal.

Os problemas existem, mas tudo é uma questão de negociação. "Eu acho que às vezes o técnico de som é meio ressentido, por conta da cumplicidade que há entre o diretor do filme e o diretor de fotografia. Eu acho isso meio besta", diz Tide Borges. Para Zezé, "dá para administrar. Porque às vezes existe é problema de ego. Eu saio de casa e deixo meu ego embaixo da cama".

Para Tide e Valéria Ferro as equipes mais jovens são mais compreensivas quanto às necessidades do técnico de som. "Existe um pouco mais de noção e de respeito. Eu acho que hoje em dia as pessoas mexem mais com som, com equipamentos, com isso de poder gravar em casa, e o mp3. O som é encarado como parte do filme mesmo, o que não ocorria antigamente", diz Tide.


Para os interessados

Para quem tem interesse em fazer som direto em cinema, Tide Borges e Sílvio Da-Rin recomendam fazer uma faculdade de cinema. Para ela, não basta "saber ligar e posicionar microfone. Tem que ter uma formação. Quando ler um roteiro, precisa saber ler, saber o que precisa quando está lendo um roteiro para fazer o trabalho depois". Esta é a chamada decupagem, que nada mais é do que uma leitura detalhada do roteiro, verificando as necessidades de equipamento para cada cena.

A faculdade proporciona não somente conhecimento técnico, mas conceitual. "Tornou-se evidente a contribuição que as escolas de cinema vêm dando à elevação do nível dos profissionais. Não me refiro somente a uma maior especialização técnica, mas principalmente ao fato de proporcionarem aos estudantes uma compreensão histórica e global do cinema". Afinal, segundo Tide, "as coisas a cada dia vão evoluindo, não só na parte técnica, mas na parte estética também".

Mas, antes de procurar estudar, é essencial gostar de som. "Eu acho que deve ser uma pessoa que goste de curtir som, que curta essa parte do cinema, do trabalho sonoro, do espaço sonoro, de como construir aquilo".

E a maioria afirma: se quer ser técnico de som direto, tem que correr atrás, e trabalhar muito. "Tem que tentar ser microfonista de alguém, porque esse é o caminho mais indicado para todos. É como vai aprender de fato o que é som direto, vai ter que entender sobre eixo, sobre o que cada microfone ouve. Essa é a grande escola", diz Romeu Quinto.     
 
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