Como agem as telas ditas "ortofônicas" - isto é, sonoramente corretas - para com o som de um sistema de sonorização? De forma não muito correta, como estudaremos a seguir. Para que uma tela, colocada à frente de uma fonte sonora, fosse absolutamente perfeita, ela deveria ser 100% transparente ao som. Isto é, todo o som a atravessaria, sem que nenhuma energia acústica fosse retida no tecido ou refletida de volta. Para que uma tela fosse aceitável, mesmo que menos de 100% do som conseguisse atravessá-la, ainda assim a energia retida seria absorvida pelo tecido, sem criar qualquer reflexão das ondas sonoras.

No mundo real, nem uma nem outra dessas propriedades é obtida: a transparência é bem abaixo do desejável, perdendo preciosos watts de potência, e a absorção idem, provocando dois fenômenos nada agradáveis que veremos agora.
O filtro pente
As telas colocadas à frente das torres de sonorização, especialmente quando pintadas com as cores fortes do patrocinador do evento, se tornam uma enorme barreira acústica. Mas a perda de pressão sonora, principalmente de brilho nos agudos, não é o único fator de prejuízo para o som que o público ouve.
Como a tela não é colada às membranas dos drivers de alta freqüência, o som destes leva algum tempo até chegar até ela. Por exemplo, se a tela está a 30 cm de distância do driver, o som, a uma temperatura de 25°C, leva 0,866 milissegundos para atingi-la.
Mas, como a tela não é muito transparente para os agudos, parte das ondas é refletida de volta para as caixas acústicas (que são rígidas) e nelas refletida novamente em direção ao público. Isso vai se repetindo, cada vez com menor intensidade. A figura 1 mostra esse fenômeno, numa visão lateral de um sistema com três andares.
figura1
Portanto, a platéia recebe, além do som direto dos drivers, uma série de reflexões desse som, com intervalos de aproximadamente o dobro da distância entre a caixa acústica e a tela, no caso, 1,732 ms. Isso provoca cancelamentos nas freqüências da fórmula 1, ou seja, 288,68, 866,05, 1443,42, 2020,79 Hz, etc.

fórmula 1
Esse (d)efeito é determinado filtro pente, devido à forma que imprime à resposta de freqüência. Quanto menor a distância entre as caixas acústicas e a tela, mais altas são as freqüências afetadas. Para que, com uma tela deficiente, o filtro pente fosse inaudível, o primeiro cancelamento teria que estar acima de 16 kHz (limite prático dos sistemas de sonorização), o que faz que a distância máxima admissível entre as caixas e a tela seja de 5,4 milímetros - claramente inviável!
Resposta do filtro pente
Vazamento para o palco
As torres de sonorização sempre têm boa dispersão lateral, tipicamente algo em torno de 45° para cada lado. Portanto, uma porção do som é dirigida para a tela com um ângulo tal que boa parte da energia sonora é refletida por ela para dentro do palco.
Isso prejudica a audição dos músicos em cena, porque a resposta de freqüência dessa reflexão é irregular, e o pior: o som chega bastante atrasado, devido às distâncias maiores que tem que percorrer. A figura 2 mostra, numa visão de cima, como a tela reflete o som de volta para o palco.
Além de comprometer a monitoração dos músicos, esse retorno de som do PA promove uma realimentação acústica (microfonia) bastante difícil de se controlar.
Figura 2
"Telas catastrofônicas"
Conversando com alguns operadores de PA, M&T concluiu que em boa parte dos sistemas de sonorização dos festivais musicais realizados no Brasil são usados materiais de qualidade duvidosa, como, lonas, acetinados e até mesmo brim. Essas coberturas interferem diretamente na resposta sonora das caixas, projetando um som totalmente irreal para a platéia e para músicos, como vimos anteriormente.
De acordo com Valter Silva, o Valtinho, técnico que trabalha há anos para a locadora paulista Gabisom, em geral, as telas possuem furos de aproximadamente 1 mm x 1 mm, e, quando colocadas sobre as caixas, comprometem sua diretividade, fazendo com que suas freqüências se comportem de maneira distinta.
"As altas não exercem seu verdadeiro papel, e, conseqüentemente, interferem no nosso trabalho de alinhamento e equalização", diz ele.
Seu ex-companheiro de estrada, o técnico de monitor Paulo Farat, que trabalha na equipe do grupo Capital Inicial, chama essas telas de "catastrofônicas", referindo-se ao termo ortofônico.
Já Renato Oliveira, gerente técnico da Gabi, lembra que, com a presença da tela sobreposta, os sistemas de PA, naturalmente, perdem cerca de 3 dB e têm suas freqüências realmente condenadas.
O profissional afirma ainda que, nos grandes festivais internacionais, nem mesmo as coberturas teoricamente apropriadas são utilizadas, o que dirá os materiais alternativos e de baixa qualidade. "Lá fora, a preocupação com o áudio é muito maior que a que temos aqui. É uma questão de cultura deles", garante.
Mesmo monitores de pequeno porte hoje
já vêm sem tela. Na foto, vemos a Yamaha MS100,
com tela, e a Mackie, sem tela
PA = Outdoor? É o que dizem!
Empresas de telefonia celular, montadoras de automóveis, instituições financeiras, emissoras de TV, provedores de internet e grandes redes de supermercados. Esses são apenas alguns entre tantos outros possíveis patrocinadores que oferecem cifras meteóricas pela utilização de cada metro quadrado das telas que cobrem as torres de sonorização dos grandes eventos de música.
Com base nessa questão, Ricardo Vidal, que trabalha com O Rappa, afirma que "os PAs se transformaram em verdadeiros outdoors sonoros". Ele, o primeiro a chamar a atenção da M&T para esta discussão, destaca que não há qualquer tipo de norma básica de preservação da qualidade do áudio no país.
"É lamentável que num festival de música, em que a grande vedete é o som, exista um descaso tão grande. Os organizadores querem mesmo é ganhar dinheiro com as cotas publicitárias. Não estão muito preocupados com o restante", dispara.
Valtinho também lamenta que as telas, na verdade, sirvam apenas de painéis para uso comercial. Ele ressalta que os produtores de eventos investem na contratação de boas empresas de locação, alugam os melhores consoles e sistemas de PA, convocam os melhores técnicos, e, quando tudo parece estar correto, colocam uma lona sobre as torres de caixas exibindo a logomarca dos patrocinadores do evento, conseqüentemente, atrapalhando o som.
"Tem sempre um ou outro espertinho querendo levantar uma grana com patrocínios. Acontece que, como esses representantes não entendem absolutamente nada de áudio, acham que o melhor lugar para lançar as marcas e arrecadar tais cotas seja mesmo a tela das torres de PA, e nós é que nos ferramos", diz.
"Ajudinha" da natureza
Como se não bastasse a ação material, vale lembrar que até mesmo os fenômenos da natureza são capazes de dar a sua contribuição para o agravamento do problema do som em relação às telas. Um exemplo disso está na memória de Ricardo Vidal, que, há dois anos, saiu indignado de um grande festival.
"Chovia tanto durante a apresentação que as telas ficaram encharcadas e anularam consideravelmente o som que saia do PA. Eu gritava pedindo aos técnicos da locadora que as sacudissem, tentando, assim, retirar o volume de água contido. Era a única maneira de ter o som de volta para mim e para o público. Foi terrível!", recorda-se.
Mas a chuva parece não atrapalhar somente o público e quem está trabalhando na house mix. Em cima do palco, a situação também se torna bastante crítica quando São Pedro não ajuda.
Paulo Farat é quem confirma que, com a aguaceira retida nas telas, a sensação que se tem ao operar os monitores é como se o PA estivesse realmente voltado para a caixa cênica e para os músicos. "Já vivi esse terror, sei bem como é", diz ele, que esteve presente em situações curiosas, como a em que um técnico enfiou uma tesoura e cortou a tela na marra.
Mixagens livres de interferências
Está tão claro que a presença das telas ditas ortofônicas atrapalha o funcionamento das caixas que até mesmo nos estúdios de gravação elas estão sendo aos poucos abolidas. Fundamentais para uma boa mixagem, os novos monitores são fabricados, em grande parte, com seus falantes expostos, ao contrário de como eram feitos no passado.
As antigas caixas de referência, como as JBL, as Tannoy e as Urei, vinham cobertas de telas. Hoje, pouco se vê isso. "Eu, particularmente, acho bem melhor", diz o técnico Marcelo Rain, proprietário de um estúdio no Rio de Janeiro, que utiliza um par de NS10, da Yamaha, e um par de caixas Dynaudio sem telas.
O produtor alemão Sascha Paeth também compartilha dessa idéia. Durante a gravação de base do mais recente trabalho do grupo de heavy metal brasileiro Shaaman, ele testou os monitores Meyer, que possuíam telas, e notou que sem elas havia uma leve modificação no som que tinha como referência. Logo, Sascha optou por não utilizá-las.
Já o engenheiro de mixagem Luizinho Mazzei afirma que essa interferência varia de caso a caso. No entanto, segundo ele, um adorador das caixas Mackie, Dynaudio e B&W, "as telas dos monitores Meyer, por exemplo, realmente atrapalham".