Áudio básico
Monitoração e monitores - parte 2
Como extrair o melhor
Fábio Henriques
Publicado em 29/11/2006 - 00h00
Desta vez vamos ver algumas dicas de como extrair o melhor possível de seus monitores, seja em seu pequeno estúdio, home studio ou mesmo no seu cantinho do áudio. Mesmo com toda a evolução tecnológica do áudio, ainda considero os monitores o ponto fraco na cadeia, juntamente com os transformadores. (Já repararam como se acham verdadeiros superprodutos com zilhões de funções cabendo em meia unidade de rack, mas que ainda precisam de um baita transformador de pendurar na tomada? Os americanos até deram um nome interessante para eles: "verrugas de parede").
Quem já parou para analisar a resposta em freqüência de uma caixa acústica, mesmo profissional, pode até ter se frustrado por ter caprichado tanto para conseguir uma resposta bem plana em sua mix. Mas a vida é assim mesmo. Se é pra ter um ponto fraco, que seja o último. É até compreensível essa dificuldade que os alto-falantes têm de se comportarem direito; estamos exigindo deles, um sistema eletro-mecânico capaz de trabalhar com altas potências e com uma eficiência total de uns 10%, algo muito difícil mesmo.
Em um alto-falante existe um dilema constante, já que desejamos que ele responda muito rapidamente às variações de corrente e, ao mesmo tempo, queremos que eles parem de se movimentar instantaneamente quando a corrente pára. As características físicas que beneficiam um fator dificultam o outro e vice-versa. Assim, os projetistas estão sempre buscando jeitos mais e mais espertos de contornar este problema. Isso pra não falar de outros fatores, como a direcionalidade e a própria eficiência em converter energia elétrica em mecânica.
Temos que nos adaptar às
características do monitor
Por causa de todos esses fatores somados é que eu falava anteriormente da nossa necessidade de adaptação a qualquer monitor que usemos, por mais caro e conceituado que seja. Temos realmente que nos adaptar a suas características, o que é bem compreensível.
Ambiente ideal?
Mas o problema para conseguir respostas mais planas de monitores não está só em suas características individuais. Existe também o fato de que eles sempre interagem com o ambiente em que se encontram. Um monitor só apresenta fielmente as características dadas pelo fabricante em ambiente aberto ou em uma câmara anecóica, o que está bem longe do ambiente típico de audição.
A sala onde vamos ouvir
nossas mixes certamente
não tem nada de anecóica
A sala onde vamos ouvir nossas mixes certamente não tem nada de anecóica. As ondas sonoras que saem das caixas vão refletir nas paredes e se combinar, gerando cancelamentos e reforços em grupos diversos de freqüências. Surgem também as chamadas ondas estacionárias, que têm a ver intimamente com as dimensões da sala. As estacionárias ocorrem quando os comprimentos de onda e seus múltiplos casam com uma ou mais dimensões da sala. Para essas freqüências, as ondas se "encaixam" nas dimensões da sala de uma forma tal que elas ficam paradas no espaço (daí o "estacionárias").
Esse fenômeno está associado também a uma baixa absorção dessas freqüências pelas paredes, o que faz com que elas não só sejam reforçadas em alguns locais mas acabem também durando mais tempo que as outras na sala até se dissiparem. (As ondas estacionárias podem ser usadas em nosso benefício também. Os instrumentos de sopro, por exemplo, as usam para produzir seus sons em seus tubos ressonantes.)
Assim, em uma sala não tratada acusticamente temos não só excesso e falta de algumas freqüências mas também determinados sons que duram mais tempo que outros. É por isso que não se conseguem corrigir as deficiências de uma sala apenas com equalizadores, já que eles apenas reforçam ou atenuam regiões de freqüência. É preciso também trabalhar no domínio do tempo, arranjando maneiras de dissipar as ondas que gostam de ficar soando dentro da sala mais tempo que as outras, e isso é bem complicado, exigindo normalmente o trabalho de um bom projetista acústico.
Minha recomendação para quem pretende fazer um trabalho mais comercial (ou profissional) é contratar um bom profissional de acústica para arrumar sua sala. Aqui na M&T têm sido publicados diversos trabalhos sobre o assunto, dos quais recomendo fortemente a leitura.
Quem pretende apenas dar uma ajeitada em sua sala e não tem maiores aspirações comerciais pode seguir algumas práticas que devem ajudar:
1. Evite colocar as caixas nas quinas da sala
Pôxa, mas é aí que eu consigo o gravão! Tudo bem, mas esse gravão é um subterfúgio acústico bem emocionante para um ouvinte descompromissado, mas perigosíssimo para o usuário mais sério. A não ser que suas caixas sejam paupérrimas de graves, o que você vai conseguir posicionando-as nas quinas será excessivo e tendendo a durar mais na sala. Seus graves vão soar frouxos demais apesar de altos.
Faça o seguinte teste: com um fone de ouvido bom (certamente aqueles de R$ 10,90 do supermercado não servem), escolha um som de bumbo bem seco, de curta duração e preferencialmente bem grave. Agora ouça esse som pelas caixas em sua sala com volume bem alto. Você verá que o som dura mais do que nos fones, por causa do que vimos acima. Se o som durar muito mais que nos fones, então você tem problemas.
Esses excessos vão acabar se refletindo inversamente em suas mixes. Tudo o que você ouvir demais em sua monitoração acabará tirando de seu equilíbrio e, numa sala com excesso, você fará mixes com falta de graves e vice-versa.
Para não brincar com a sorte, evite os cantos. Coloque sua estação de trabalho no meio da parede, a igual distância das laterais. Só o fato de você estar próximo à parede do fundo já vai dar um certo reforço de graves, que acabará compensando uma eventual deficiência das caixas. Talvez fosse bom ficarmos mais distantes desta parede também, mas teríamos de calcular o melhor lugar e definitivamente as salas do mundo real não têm este espaço todo pra gente desperdiçar. Daí, embora um pouco arriscado, é praticamente inevitável colocarmos as caixas próximas a uma das paredes. O lado bom é que esta é a situação típica de audição dos ouvintes e, portanto, estaremos sendo mais fiéis a quem vai ouvir nossas músicas.
Vamos, a partir deste ponto, admitir que sua sala tem condições acústicas razoáveis. Eu sei que isto é uma suposição e tanto, mas novamente lembrando que vamos apenas dar uma melhorada em nossas condições de mixagem e monitoração, deixemos assim. Se você ainda sente os graves durando muito e os sons em geral reverberando demais, experimente colocar um tapete no chão e uma cortina pesada na janela e sigamos em frente.
2. Posicione corretamente as caixas em relação aos ouvidos
Primeiro vamos determinar o ponto crítico de audição, também conhecido como ponto focal, que é o lugar privilegiado para se ouvir, aquele onde você estará posicionado quando trabalhar. (Normalmente as salas são ajustadas acusticamente para alguém posicionado neste ponto focal. Da próxima vez que você for ao cinema, procure sentar exatamente no meio da sala, pois é neste ponto que o mixador do áudio do filme trabalha e foi para este ponto que o projetista do cinema alinhou melhor a sala.)
Sente-se no seu lugar de trabalho da maneira mais confortável possível, bem no centro da mesa. Meça agora a altura do chão até seus ouvidos. Saia agora e coloque um pedestal de microfone bem onde você estava, marcando com uma fita crepe a altura que você havia medido. Esse ponto será então o ponto focal. As caixas devem ser posicionadas de modo que formem com o ponto focal um triângulo eqüilátero - que a distância L entre elas seja a mesma que entre cada uma e o ponto focal, conforme o desenho. Repare que a distância X é dada aproximadamente por 0,87 × L, como se observa na figura 1.
Figura1
Legenda: Figura 1
Cuide para que o centro da face frontal das caixas esteja apontado diretamente para seus ouvidos. Se a caixa for grande, vale incliná-la um pouco para que preferencialmente os falantes de agudos estejam apontados corretamente. Se a caixa for do tipo que tem os tweeters ao lado e não acima dos woofers, você pode escolher se eles ficam para fora ou para dentro, lembrando que isso vai determinar se o pan de sua monitoração será mais aberto ou mais fechado. Se você gosta de ouvir os pans bem abertos e costuma abrir bem em suas mixes, é melhor colocar os tweeters para fora.
3. Verifique o cabeamento
Agora, com as caixas já posicionadas, preste bem atenção ao cabeamento. Se elas não forem amplificadas, escolha cabos bem grossos para ligá-las. Podem ser do tipo paralelo usado para eletricidade em geral e, via de regra, quanto mais grossos melhor, mas não é necessário exagerar. Um de bitola 18 ou 20 já estará bom. Preste muita atenção à polaridade das ligações. Marque os cabos (se já não forem marcados) de forma que você tenha certeza de que o positivo da saída do amplificador seja conectado ao positivo da caixa, o mesmo para o terminal negativo. (Na verdade se você ligar os terminais negativos do amplificador nos positivos de ambas as caixas o resultado será o mesmo, desde que seja igual nas duas, mas isso não é muito elegante.)
Se um dos cabos for ligado invertido, você estará provocando o que se chama de inversão de fase, o que é extremamente ruim. Em uma situação destas, enquanto o cone de uma das caixas se move para a frente o outro se move para trás em movimento contrário, acabando com a simetria do áudio. Seu cérebro irá ter dificuldade para posicionar o áudio no espaço, já que seus ouvidos estão captando áudios com diferenças enormes de fase.
Para verificar se suas caixas estão em fase, toque um som mono e verifique se você ouve o áudio vindo de um ponto imaginário situado bem no meio das caixas. Se o som parece vir de trás da sua cabeça ou se você tem dificuldade para situar de onde exatamente ele vem, as caixas estão fora de fase. Inverta a polaridade de uma delas e veja se o problema foi corrigido. Mas não se satisfaça com esta correção, volte e verifique todos os cabos, desde a saída da interface, passando pelo amplificador para achar onde foi o problema e aí sim o corrija.
Parece óbvio, mas não custa conferir também se o canal esquerdo de sua mix sai mesmo pela caixa da esquerda.
4. Iguale o nível de saída
Admitindo agora que suas caixas estão posicionadas e cabeadas corretamente, vamos alinhar o volume. Sentado exatamente no ponto focal, toque um sinal mono de 1000 Hz ou semelhante. O som deverá vir exatamente de um ponto imaginário situado imediatamente a sua frente. Ajuste o balanço do amplificador ou o nível de saída individual da interface de áudio para que isto aconteça. É importantíssimo que, quando o sinal estiver igual dos dois lados no medidor de seu software ou mesa, ele esteja também no centro acústico de sua monitoração.
5. Alinhando os monitores com a sala
Esse é um assunto delicadíssimo e este tipo de procedimento, para ser feito corretamente, exige muito trabalho, muita paciência e equipamento adequado. O que vou propor a seguir é um jeito de dar uma melhorada em suas condições de monitoração sem gastar muito.
Antes de mais nada, será necessário um jeito de tocar tons de diferentes freqüências e ruídos de teste, o que no Pro Tools pode ser feito usando o plug-in Signal Generator. Tenho certeza de que você irá conseguir algo similar para seu software. Além disso, será preciso um equalizador gráfico para fazer a correção da sala. Este equalizador pode ser do tipo que o Media Player ou o Winamp oferecem.
Vamos então dar uma escutada no que a sala tem a dizer. Toque um sinal de 1000 Hz e ajuste o volume para um valor confortável porém alto. Agora desça a freqüência até uns 30 Hz e vá gradual e lentamente subindo, observando os pontos em que parece que o volume desceu ou subiu e anotando esses valores de freqüência. Vá até uns 200 Hz (acima disso não é necessário). Repita algumas vezes até ter uma lista das freqüências problemáticas, aquelas que soam mais altas ou mais baixas que as outras. Repare também onde o sistema pára de responder aos graves. Se suas caixas não conseguem responder abaixo de 100 Hz, por exemplo, então vai ser dificílimo trabalhar com elas.
Aproveite a oportunidade para dar uma chacoalhada no sistema. Toque sons bem graves bem alto e veja se não há parafusos soltos ou coisas vibrando que podem atrapalhá-lo no futuro.
Coloque o equalizador gráfico como último elemento antes de sair para a placa de áudio (de preferência fora de seu software de gravação). Tente compensar o que você percebeu ao passar as diferentes freqüências, subindo o controle do equalizador um pouco onde a sala respondeu de menos e descendo onde havia excesso. Repita a varredura de freqüências e veja se houve progresso. Evite deixar o equalizador com os controles dando muito ganho ou muita atenuação, prefira fazer ajustes suaves mesmo que a sala pareça precisar de algo mais drástico. Evite também dar ganho forte em uma banda e atenuação forte na banda adjacente.
Se, no final do processo, o seu equalizador ficou com os controles formando um U ou a carinha sorridente (Smiley), então deu tudo errado ou suas caixas são mesmo problemáticas.
Pare tudo agora e ouça um CD que você conheça muito bem e veja se o som está agradável (não adianta uma sala alinhadinha e com o som desagradável). Reajuste se necessário.
Um processo mais sofisticado e complicado usa também um microfone omnidirecional (o mais plano possível) e um analisador de espectro (como o PAZ da Waves). Nesta versão, crie um canal em seu software cuja entrada será o microfone e a saída estará com volume totalmente atenuado. Inserte neste canal o analisador de espectro. No signal generator selecione pink noise (ruído rosa), que deverá estar saindo nas caixas com um volume razoável. Coloque o microfone exatamente no ponto focal e observe a curva que aparece no analisador. Deve aparecer uma curva aproximadamente horizontal na região das médias, com pequenas oscilações de volume normais devidas ao ruído rosa. É de se esperar uma queda gradual a partir de uns 6 kHz. Usando o equalizador gráfico, agora tente ajustar os controles para que se obtenha uma curva o mais plana possível (levando em conta esta queda nos agudos). Cuidado para não deixar os graves altos demais. Evite, da mesma forma que no método anterior, que os controles do equalizador dêem muito ganho ou atenuação. Depois de ajustado, confira se seus CDs conhecidos estão soando bem na sala e reajuste se necessário.
Se tudo pareceu dificílimo
até agora, é porque é mesmo
Se tudo pareceu dificílimo até agora, é porque é mesmo. Acho que o primeiro método acaba sendo o mais factível no mundo real. De qualquer modo, uma vez ajustada a curva de correção da sala no equalizador, lembre de sempre usá-lo para a monitoração mas, se ele estiver dentro do software de gravação, lembre de desligá-lo antes de fazer um bounce ou mixdown.
Monitorando de Fones
Se você for procurar este assunto nos livros clássicos de áudio, verá que existe sempre uma preocupação quando o assunto é a monitoração de fones. A audição de fones é bem anti-natural e por um aspecto muito simples. Nos fones, normalmente cada ouvido ouve apenas um dos lados (alguns sistemas de fones injetam sinais dos canais opostos, processados exatamente para dar a sensação de uma audição natural). Isso não acontece quando se ouve das caixas. Junte a isso a maior presença dos reverbs e o maior poder de identificação de detalhes nos fones e veremos que fones e caixas são situações absolutamente diferentes.
Até pouco tempo atrás diríamos aqui que, como a maior parte dos ouvintes ouve nas caixas e não de fones, não valeria a pena ficarmos mixando de fones. Porém, o que tem acontecido muito recentemente é que uma das mídias mais fortes do momento são os iPods e MP3 players, onde a audição é feita de fones. Então, reescrevendo toda a literatura de áudio, eu passo de hoje em diante a recomendar fortemente que você ouça suas mixes de fone e principalmente convertida para MP3.
Monitores são equipamentos complicados. Damos a eles funções dificílimas e exigimos muito deles, mas se conseguimos estabelecer uma relação de confiança, não vamos querer saber de outros. Tenho certeza de que vai dar trabalho conseguir o melhor de suas caixas, mas depois de ajustá-las, as recompensas serão certamente compensadoras. Boa sorte!
::Câmaras Anecóicas
São salas especiais usadas especificamente para testes e medições de equipamentos de áudio. Nelas, praticamente toda a energia acústica emitida por algum sistema é totalmente absorvida pelas paredes e transformada em calor, não havendo nenhuma (ou quase nenhuma) reflexão. Da mesma forma, os sons externos são impedidos de entrar, para que não haja interferência nas medidas.
Provavelmente a primeira câmara anecóica foi construída em 1940 pela Bell Labs e suas paredes absorvem 99,995% da energia acima de 200 Hz, sendo considerada pelo Guinness Book a sala mais silenciosa do mundo.
Conta-se que o silêncio dentro de uma sala destas é tão grande que depois de alguns minutos começamos a ouvir nosso coração batendo, depois de mais um tempo escutamos o sangue correndo pelas veias e assim por diante até que o barulho de nosso próprio corpo funcionando se torna insuportável. Diz-se que John Cage teve a idéia de compor sua controvertida obra silenciosa, 4:33, depois de conhecer uma câmara anecóica.