Lugar da Verdade
AES e a era da informação
Venho do tempo em que a informação era rara e cara. Não sou tão velho assim, o que ilustra o fato de que esse tempo é relativamente recente. Eu ia à Livraria Siciliano para folhear a revista norte-americana Keyboard. Custava uma fortuna, principalmente para um garoto de 12 anos. Conseguia que meu pai me comprasse uma a cada seis ou oito meses... e andava com ela pra cima e pra baixo, como se fosse minha bíblia. Minha fonte de informação, inspiração e sonhos. Isso foi no ano de 1985. Ano em que todos os brasileiros apaixonados por música e áudio foram presenteados com o primeiro dos Rock in Rio. Consegui que meu irmão mais velho me levasse no dia do show do Queen. Inesquecível. Ali, eu já sabia... "é isso que eu vou fazer". Hoje, cada vez que trabalho com algum profissional que participou do Rock in Rio, lembro de tudo isso com carinho.
Os anos foram se passando e eu, com minhas poucas Keyboards colecionadas, fui me apaixonando pela informação. E cheguei à conclusão que informação era algo que não tínhamos na nossa área, naquela época, aqui no Brasil. Consegui "me mandar" para os EUA atrás da dita informação, e aprendi que lá, a cultura era a da troca de informações. Eles, sabiamente, acreditavam que, quanto mais todos soubessem, mais e melhor todos trabalhariam. Assim o mercado aqueceria. Mais dinheiro circularia. Mais gente fabricaria equipamentos. Mais gente compraria ferramentas melhores. Mais gente faria tudo. Melhor.
Felizmente, hoje temos essa cabeça. Afinal, algo tão óbvio não poderia demorar tanto assim para descer menos de dez mil quilômetros... e com a Internet, esses quilômetros viram meros centímetros.
Quem teve a oportunidade de visitar a última AES Brasil, sabe do que estou falando. A "feira" pela primeira vez, deu mais importância à informação do que à propaganda. Não ocorreu em nenhum grande centro de exposições e sim no Blue Tree Convention em São Paulo, priorizando as palestras. As salas de aula estavam lotadas.
Assisti à palestra de monitoração 5.1 com Chris Fichera, vice-presidente da Blue Sky, empresa que fabrica sistemas de caixas surround. A palestra parecia uma aula sobre monitoração, enfatizando a mudança dos hábitos do que se ouve nos dias de hoje. Foi falado um assunto realmente relevante, que é o fato de na maioria dos estúdios se estarem ouvindo menos graves do que na casa das pessoas que ouvem música com subwoofers. Quando o estúdio, que é o ambiente profissional, deveria estar ouvindo o espectro completo, ao menos tão abrangente quanto o ambiente do público amador.
Eu estava presente também na palestra da EAW, conduzida por Kenton Forsythe, que mostrava não só seu "mini" line-array da marca, como uma caixa nova tipo "coluna", com acoplamento de vários falantes, totalmente processada em domínio digital, a fim de "guiar" o áudio para os pontos desejados. Fato importante esse... não é a quantidade de caixas ou de potência que dita as regras, mas a setorização do áudio. É tão importante você ter áudio onde você precisa, quanto você não ter onde não precisa. Acima de tudo, se esse lugar "onde não precisa", causar interferências onde você "precisa", diretamente através de dobra, ou indiretamente através de reflexões. Para atingir seus resultados explicativos, Kenton mostrou toda a linha de raciocínio de outros projetos da EAW, utilizando o mesmo software que eles usam na fábrica para testar os sistemas e suas interferências. O único probleminha foi que, a tal coluna, que foi projetada para funcionar verticalmente, foi demonstrada deitada... não entendi.
Para encerrar minha "semana na escola", assisti a uma "aula" com meu professor a amigo Sólon do Valle, juntamente com José Carlos Giner e Renato Cipriano, sobre acústica de estúdios. Assunto esse que nos dias de hoje tem se perdido devido ao boom dos estúdios caseiros. Os músicos que montam estúdios em suas casas investem todo o dinheiro em computadores com mais processamento, HDs cada vez maiores e acabam por não ter onde botar esse equipamento. Na aula de Sólon são mostrados com clareza três tópicos importantes sobre acústica de ambientes: 1) como o som externo não entrar. 2) como o som interno não sair. 3) como controlar as reflexões e absorções do som interno. Ou melhor... como fazer o estúdio ter um som fiel e agradável.
É claro que, nem tudo foi "escola". Tivemos também os recreios... expositores montaram seus stands para mostrar seus equipamentos de sucesso e outros em desenvolvimento. Marcas nacionais, lado a lado com as internacionais, uma aprendendo com a outra. As nacionais mostrando soluções para o mercado que é "casa deles". As internacionais com experiência e tecnologia. Uma ensinando à outra. Queiram ou não queiram, os dois lados têm que aprender um com o outro para sobreviverem. Isso se chama concorrência saudável.
O clima dos bons tempos do colégio se concluía com amigos se encontrando nos corredores, e "matando aulas" para ficar batendo papo e sair pro shopping logo ali ao lado para beber um choppinho...
Parabéns ao João Américo e todos os organizadores e palestrantes envolvidos.
Até ano que vem.
Enrico De Paoli é engenheiro de PA e estúdio. Acabou de concluir a gravação e mixagem do próximo lançamento de Djavan, com quem estará em turnê em breve. Outro trabalho recente inclui a mixagem do PA do evento da Tocha Olímpica no Rio de Janeiro, um show que reuniu quase 40 artistas brasileiros.
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