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Revista Luz & Cena
Tecnologia
Duelo de titãs
Saiba quais são as preferências de engenheiros de som e produtores musicais no que diz respeito a gravações fonográficas
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 01/08/2004 - 00h00
Arquivo / Andréa Alves
 (Arquivo / Andréa Alves)
Analógico ou digital? Eis a questão! O assunto é polêmico; a discussão, longa. No entanto, não se pode falar em modernidade sem, ao menos, citar o passado histórico das gravações fonográficas. Um passado marcado por obras e experiências eternas, como as dos Beatles, que gravaram o álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, em quatro canais; a de Milton Nascimento, que registrou Clube da Esquina com metade destes recursos; e a do grupo Os Mutantes, que criaram seus próprios equipamentos, instrumentos e sons.
A tecnologia avançou. E muito. Mas será que o pensamento dos profissionais digeriu o novo? Ninguém melhor que os próprios para esclarecer tamanha dúvida.

O formato analógico
Muito antes de se pensar em sistemas digitais de gravação, a indústria fonográfica era movida por outro formato, o analógico. O conceito básico deste modelo girava em torno da maneira como eram registrados os sons: através do agrupamento de partículas magnéticas de uma fita de rolo - que trabalhava com capacidades variáveis desde 1/4" de largura (utilizada para registros em dois canais) até 2" (para gravações em 24 canais).
Neste processo, os instrumentos eram reunidos em trilhas individuais, assim como ocorre, hoje, nos demais sistemas. Peculiaridades à parte, no fundo, o que importa não é esta ou outra tecnologia, e sim a vivência de quem as manipula.
De acordo com o engenheiro de som Marcelo Sabóia, adepto confesso do analógico, as principais características do método são a qualidade sonora e a confiabilidade no armazenamento do áudio. Para ele, apesar da revolução tecnológica, que mobilizou e modificou os sistemas de gravação ao longo dos tempos, o padrão analógico ainda é insuperável. "A sonoridade do formato digital precisa passar por alguns ajustes. Além disso, boa parte das gravadoras tem um contrato que exige que o fonograma seja gravado em rolo", diz o profissional, que atua há 26 anos no mercado e já trabalhou em estúdios como Ed Lincoln, Estúdio Mega, Cia dos Técnicos, Mosh, Impressão Digital e AR Studios, onde está até hoje.

 
O engenheiro de som Marcelo Sabóia: longa experiência e paixão pelo sistema analógico

Sabóia não só defende a utilização da fita como também destaca o maior ícone, em sua opinião, deste sistema: o gravador Studer, modelo A820, figura comum em estúdios de grande porte. "São os melhores", avalia. Já Enrico de Paoli - outro expert no assunto - aposta na distinção de qualidades existentes entre marcas e modelos destes equipamentos. Ele afirma que os gravadores Sony/MCI modelo JH24 têm um som excelente - com graves na medida -, assim como os Otari dispõem da melhor relação custo/benefício do mercado. "O melhor transporte de fita é, sem dúvida, o da Studer. Hiper preciso, como todo equipamento de origem suíça. No entanto, para sacar bem as particularidades de cada uma destas peças, é preciso conhecê-las a fundo", justifica o engenheiro, e explica em seguida: "todo gravador magnetiza a fita, mas a partir do momento em que o áudio entra na máquina - como sinal de linha - até se transformar em campo magnético na cabeça de gravação, já passou por uma boa quantidade de componentes eletrônicos, que são os verdadeiros responsáveis por esta variação de resposta sônica", completa Enrico, que teve seus primeiros experimentos com um simples gravador Sony, modelo TC388-4, de quatro canais. "Diferentemente das máquinas profissionais - que permitem fazer overdubs -, este gravador não dispunha da cabeça de sync. Então eu ficava louco tentando entender porque é que os instrumentos se chocavam durante a gravação", diverte-se com a lembrança.

 
Na seqüência, o engenheiro de som Enrico de Paoli e uma máquina Studer: para o profissional, gravador tem o melhor transporte de fita do mercado
 
Quando nem tudo são flores

Ainda que tenha sido amplamente utilizada pela indústria - e tomada como o ápice da qualidade sonora em produções fonográficas -, a gravação analógica tem lá suas limitações técnicas.

 
Fábio Henriques: mais de cem discos em quase 11 anos de profissão

De acordo com o engenheiro de som Fábio Henriques, problemas como alteração de sonoridade, chiados (hiss), baixo headroom (margem dinâmica), acesso linear (FF/rewind) e limite de canais disponíveis podem ser determinantes para quem está a um passo de não optar pelo sistema. Além disso, a reprodução contínua das fitas no gravador - durante o decorrer do trabalho - é responsável pela queda de qualidade do produto final. "A cada contato com as cabeças magnéticas, o som da fita piora um pouco. Com isso, ao término de uma mixagem, quando será feita a Master, ele já está bem prejudicado, pois rodou centenas de vezes", explica ele, que em quase 11 anos de profissão já participou da gravação de mais de 100 discos.

 
Otari MTR90, uma das máquinas com que o engenheiro de som Fábio Henriques já trabalhou

Fábio aponta ainda outras falhas do sistema e afirma que - diferentemente das lendas que circulam pelo meio - as máquinas não têm o poder de melhorar o som das gravações. "Esse papo é balela pura. O gravador analógico tem crosstalk [vazamento de som entre canais contíguos], excede em graves e agudos, tem pouca faixa dinâmica e responde mal abaixo de 60Hz. Fora isso, é preciso utilizar vários processamentos, como o Dolby, por exemplo, para tentar esconder os chiados. A fita analógica somente foi usada por não haver nada melhor naquela época, e não por ter um som maravilhoso", argumenta ele, que reconhece perfeitamente o valor das máquinas Otari MX80, MTR90 e Studer A80, com as quais já trabalhou. "Sinceramente, a MX80 nunca me deixou na mão. Se fosse comparada a um automóvel, diria que ela é um Fusca, com todas as vantagens de um carro desses", brinca.
Para Enrico de Paoli, o maior problema deste universo está na duplicação de mídias analógicas. Segundo o técnico, durante a reprodução destes materiais não se obtém uma réplica e, sim, uma segunda geração que já surge com discreta perda de qualidade sonora. "Ao contrário do mundo analógico, o digital é totalmente copiável. E isso é muito valioso, pois torna o processo bem mais prático", diz ele, que acredita que cada tipo de gravação tenha suas vantagens. "Não acredito que exista uma ordem escalar. O som da gravação analógica é superior ao da digital que, por sua vez, tem como maior benefício a praticidade e a facilidade de operação. Cada um na sua. Não há melhor ou pior".
Embora privilegie - em boa parte das situações - o valor de um trabalho que utiliza o porte análogo, Marcelo Sabóia reconhece que os tempos são outros. Com a economia oscilante e a grave crise por que a indústria fonográfica passa, nem sempre é possível investir tão pesado. "A verba destinada ao budget de uma produção fonográfica diminuiu muito. Hoje em dia, trabalhar com um sistema digital é muito mais viável financeiramente do que com uma boa máquina de rolo e um bom console. Infelizmente só os grandes projetos podem usufruir do ótimo som que este tipo de gravação tem", conclui.

A chegada do ADAT
Em meados da década de 80, entra em cena um novo personagem que muda a maneira de se trabalhar com áudio: o gravador multicanal digital de fita magnética. Utilizando a tecnologia MDM (Modular Digital Multitrack), a novidade eliminou dezenas de problemas comuns à gravação analógica, já que sua principal característica era converter o sinal elétrico do áudio em uma seqüência numérica, durante o processo de codificação (encoding). Para isto, eram utilizados aparelhos ADAT, formato próprio da Alesis, operando fitas de vídeo do tipo S-VHS - e DA-88, próprio da Tascam, que trabalhavam com o formato Hi-8. Tanto um modelo quanto o outro gravavam, individualmente, oito pistas de áudio e podiam ser acoplados a outros gravadores de origem similar, multiplicando este número para até 24 canais.
Ícone democrático da indústria naquele momento - no Brasil e no mundo -, o novo sistema não só permitia aos usuários a produção de trabalhos com a então bastante discutível qualidade digital, como oferecia essa diferença com custos inferiores aos do formato analógico, modelo que o antecedia. O resultado desta facilidade foi a invasão de estúdios de pequeno porte, que deixaram artistas aspirantes próximos de seu maior sonho: o registro de seus discos. "Foi o começo de tudo. Em 1993, uma máquina Sony modelo 3324 custava cerca de US$ 125 mil. Com três aparelhos de ADAT era possível obter "a mesma" qualidade de som, gastando apenas US$ 9 mil. O pioneirismo deste equipamento trouxe o áudio sem chiados e tornou realidade muitos projetos que nunca teriam acontecido sem ele", defende Fábio Henriques. O técnico, porém, admite o desuso do sistema nos dias atuais. "Com todo o respeito aos ADATs, eles foram tecnicamente superados pelas DAWs [Digital audio workstations], embora alguns estúdios ainda os utilizem. De qualquer forma, ainda acredito que o DA-88 vá resistir por um tempo, até ser transformado em outra nostálgica lembrança", diz.

 
 
No detalhe, os gravadores digitais de fita ADAT e DA-88

Mas será que, com a chegada da gravação digital em HD - nos dias atuais -, ainda há espaço para este tipo de equipamento? A resposta parece positiva. De acordo com Alexandre "Master" Alves, técnico de monitor do grupo Engenheiros do Hawaii, o sistema não foi totalmente descartado pela indústria, que se presta a utilizá-lo em determinadas produções. A prova disso está no registro do álbum Surfando karmas & DNA, gravado pelo técnico em 2001, ano em que nomes como Pro Tools, Logic e Reason não saíam da cabeça dos técnicos. "Este disco foi o primeiro trabalho gravado pela atual formação dos Engenheiros.

 
Carlos Maltz, Alexandre "Master" Alves e Humberto Gessinger durante as gravações do álbum Surfando karmas & DNA, que utilizou a tecnologia em ADATs (Foto: Arquivo pessoal Alexandre Alves)

Naquele momento era muito importante, para nós, manter a banda fazendo shows, ensaiando e ao mesmo tempo gravando. Então escolhemos o Estúdio Fibra, no Rio, que dispunha deste sistema de gravação e nos possibilitou equacionar todas estas tarefas. Nós ensaiávamos no início da semana, gravávamos às quartas, quintas e sextas e, depois da gravação, caíamos direto na estrada", lembra Alexandre, que assumiu todo o registro do material.
O técnico explica também a opção da banda em gravar o álbum seguinte, Dançando no campo minado, utilizando o sistema Pro Tools. "Para este segundo projeto, definimos que a agenda de shows seria realmente interrompida e as forças seriam voltadas apenas para a gravação do disco. Então escolhemos o Estúdio Discover, no Rio, que nos ofereceu suporte para ensaiar e registrar as sessões. Isto foi muito interessante para o resultado final do trabalho. Alguns takes foram totalmente aproveitadas por Fábio Henriques, engenheiro de gravação e mixagem do disco", completa Alexandre, que tem 21 anos de experiência com áudio e trabalha com os músicos gaúchos desde 1987.

Entrando para a história

 

O engenheiro de som Renato Muñoz participou da gravação do álbum Unplugged, de Gilberto Gil, um dos primeiros trabalhos produzidos em ADAT no Brasil. A experiência marcou em sua memória algumas curiosidades sobre o formato. "Naquela época, o Estúdio Nas Nuvens havia comprado umas unidades do chamado Cara Preta [aparelhos de ADAT com o painel preto] e nós sequer sabíamos que era necessário formatar as fitas antes de utilizá-las. Foi uma descoberta e tanto", diverte-se.
Muñoz lembra que os aparelhos eram conectados em sync com uma máquina de rolo para a obtenção de um maior número de canais. De acordo com ele, esta junção de tecnologias lhe permitiu notar a clara diferença de qualidade entre os dois formatos. "Jamais gravávamos voz e instrumentos importantes nos canais do ADAT, pois sua qualidade era realmente inferior se comparada à fita. Geralmente destinávamos estes canais para a gravação de instrumentos MIDI, que não fossem microfonados", justifica.

O firmamento do digital

Da mesma forma como a chegada dos ADATs e derivados provocou uma revolução no meio musical, a gravação digital em hard disk chacoalhou o mercado fonográfico. Através dela - e com um simples clique no mouse - era possível manipular o produto (em forma de arquivos) com rapidez e versatilidade incomparáveis, além, é claro, de acessá-lo não-linearmente. O computador substituía as enormes máquinas e os medianos aparelhos de fita magnética. Quem não se associasse a tal avanço, teoricamente daria adeus à profissão.

 
Renato Muñoz: engenheiro aposta na paridade entre gravação analógica e digital 24 bits

Na opinião de Fábio Henriques, que gravou o álbum The Stonewall celebration concert, de Renato Russo, em 1994, - um dos primeiros discos totalmente produzidos em hard disk no Brasil -, a gravação em HD, hoje, é uma realidade. O engenheiro destaca sua relação custo/benefício e afirma ver na figura do Pro Tools 24 bits, a superação dos velhos aparelhos. "Quando se fala em 24 bits, está se falando em mais de 140dB de relação sinal/ruído [teórica]. É como medir a altura do Monte Everest com precisão de meio milímetro. O áudio digital só tem a qualidade questionada por saudosistas que não querem se modernizar. Até entendo que estes profissionais tenham o direito de continuar com as ferramentas que já dominam, mas jamais deveriam criticar aquilo que desconhecem", diz
Assim como Fábio, Renato Muñoz defende a qualidade sonora dos sistemas digitais. Para ele, os upgrades de 16 para 24 bits trouxeram a excelência e a paridade em relação ao formato analógico. "Existem profissionais que insistem com esta discussão de qualidade, mas, na minha opinião, com a chegada do formato 24 bits, esta diferença se anulou. Somente um profissional com um bom ouvido seria capaz de distinguir um registro analógico de um digital. O público consumidor nunca", completa.
Ainda de acordo com Muñoz - e assim como ocorreu com a chegada dos ADATs - a democratização do sistema de gravação transformou, da noite para o dia, curiosos em profissionais. Esse fato é descrito pelo engenheiro como um grande problema. "Hoje, todo mundo que tem um bom computador em casa se considera técnico de gravação. Sim, a gravação digital em HD abriu frentes de trabalho, mas com esta invasão de pseudo-técnicos a qualidade das produções fonográficas caiu bastante. Tem muito disco mal gravado circulando por aí", avalia e completa: "não sou contra a democratização, mas é preciso deixar claro que existem certos cuidados que devem ser tomados durante estas experiências. Conheço estúdios que cobram mais caro quando vão mixar um disco que vem de fora, pois sabem que terão muito mais trabalho. Por outro lado, hoje, é possível ter em casa um sistema de gravação melhor do que qualquer estúdio tinha há cinco anos", afirma.
Depois de saber a preferência de alguns profissionais do áudio, M&T conversou com o produtor musical Mayrton Bahia e descobriu qual é a visão de quem está na outra vertente do processo. Com extensa bagagem profissional - que vai da produção de centenas de discos à direção do Curso de Produção Fonográfica, da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro -, Mayrton falou sobre suas experiências e preferências dentro dos estúdios de gravação.

 
Mayrton Bahia, à esquerda e ao lado de Adinaldo Neves e Sólon do Valle: produtor musical já assinou produção de discos exponenciais, como, por exemplo, os grandes clássicos da Legião Urbana.

Qual a sua opinião sobre o formato analógico de gravação?
A gravação analógica é uma tecnologia que exige grande rigor técnico-científico de manutenção, como o alinhamento, manuseio e planejamento de bounces e dos recursos de minimização de ruídos e do desgaste das mídias. Poderia enumerar dezenas de características; no entanto, as que mais me chamam a atenção são os processamentos de compressão e saturação da fita.
Estes processamentos também ocorrem no formato digital?
Sim. Os efeitos de compressão e saturação da fita - interessantes pelo simples fato de serem um referencial sonoro presente nas trilhas musicais - são facilmente obtidos tanto em processadores digitais quanto em analógicos. Mas para este entendimento é necessário conhecer o funcionamento real dos equipamentos utilizados. A partir daí será possível obter o som desejado, técnica ou artisticamente falando.
Você acha que a gravação analógica foi superada pela digital?
Totalmente. Muitas pessoas falam miticamente da gravação analógica, sem se dar conta dos vários procedimentos rígidos por que fita e máquina devem passar para obter um rendimento satisfatório. São diversos ajustes, geralmente diários, antes de cada sessão de gravação ou mixagem. De qualquer forma, mesmo utilizando uma workstation totalmente digital, os pré-amplificadores - valvulados ou não - não deixam de ser fundamentais. É claro que, no que diz respeito aos consoles mais sofisticados, temos a tecnologia híbrida, com prés, routing e processadores analógicos e toda a parte de controle e automação digitais. Estes equipamentos são excepcionais, como os Neve, SSL e Euphonix. Particularmente, utilizo há algum tempo uma O2R, da Yamaha, que é uma mesa com um custo bem mais acessível que as citadas anteriormente.
Quais são os principais problemas ocorridos durante uma gravação analógica?
Máquina desalinhada com resposta de freqüência diferente em determinados canais, perda de óxido da fita ao longo do projeto, limitação de pistas e, conseqüentemente, da relação sinal/ruído nos bounces, adequação da intensidade de magnetização das cabeças em função das especificações e limites de determinadas marcas de fita, cabeça fora de azimute, crosstalk e freios de máquina desregulados.
E durante a edição?
Certa madrugada, eu editava ao lado do [engenheiro] Framklim Garrido a mixagem de uma faixa do Djavan, quando perdemos um pequeno pedaço da fita, que caiu no carpete do estúdio junto a outros retalhos. Após tentarmos juntar tudo novamente para achar o trecho, olhei para o Framklim - que já estava com vários pedaços de fita pendurados no pescoço - e decidi que o melhor era remixar a música. Não existia automação naquela época. Outro acidente interessante era quando alguém deixava uma lâmina de barbear na sala sem desmagnetizá-la. A cada corte dado na fita, introduzia-se um ruído nas duas extremidades cortadas. O técnico desavisado ia cortando o ruído produzido pela própria lâmina, até se dar conta que já havia devorado um compasso inteiro.
Você tem preferência por marcas e modelos de gravadores?
Sem dúvida nenhuma a Studer foi a máquina com que mais trabalhei. Devo citar também a Telefunken, de 32 canais - pertencente ao estúdio da Gravadora Odeon -, que, no entanto, era uma máquina de difícil alinhamento e estabilidade mecânica, devido à quantidade de canais compartilhando as mesmas 2" da fita. Também tive muito apreço pela minha Otari, de oito canais em 1/2". Estou tentando recomprar esta máquina, não só por razões afetivas, mas para colocá-la à disposição de meus alunos do curso de produção fonográfica. Além disso, tenho algumas fitas de gravações importantes ao vivo, que gostaria de transcrever para o meio digital.
É verdade que os canais de ponta da fita (1 e 24) estão mais propensos a perderem suas referências sonoras?
Sim, estes canais ficam sujeitos à flutuação, por causa da distribuição da tensão e da precisão das peças envolvidas no transporte da fita nas máquinas. Geralmente os utilizamos para gravar instrumentos de baixa freqüência, como bumbo, baixo ou o próprio SMPTE, que é a via de sync. No entanto, quando dispomos de uma máquina como a Studer, em bom estado de conservação, estes problemas são superados.
Como você vê a utilização dos ADATs nos tempos atuais?
Quando surgiu, o ADAT cumpriu sua missão com todas as suas ousadias e limitações tecnológicas. Mas, hoje, acredito que a tendência natural seja substituí-los por workstations digitais, ou seja, computadores, softwares e HDs.
Fale sobre sua inserção no universo digital.
Quando comecei a trabalhar com este formato, de cara adquiri um computador Apple II. Em seguida passei para um Macintosh Classic, SE, depois um Mac 7500, um 8500, um G3 e, por fim, um G4. Na área de softwares, estreei com o Total Music - que veio a se tornar o Sound Tools, tataravô do Pro Tools - e depois tive um Pro Tools de quatro canais, que utilizei durante a gravação do disco V, da Legião Urbana, acoplando quatro destes módulos para totalizar 16 canais de áudio. Posteriormente passei para um Pro Tools III, com chassi lotado de DSP Farms, e hoje tenho um Mix Plus.
E o que utiliza em seu curso?
Para uso pessoal e do laboratório do curso, possuo duas placas Pulsar II, da Creamware, com seis chips DSP cada uma, rodando num PC com Windows XP. Softwares, utilizo Nuendo, Cubase e WaveLab, da Steinberg, diversos plugins (DX e VST), assim como instrumentos virtuais (VSTi). Estes hardwares e softwares trabalham com processamento interno de até 32 bits, com ponto flutuante, conversores digitais de 24 bits e sample rate de 96kHz.
Quais são os seus softwares de gravação preferidos?
Nuendo e SAW Studio. Este último, todo programado em Assembler, com uma velocidade e otimização do processador espantosa. Durante muitos anos, trabalhei com o Pro Tools, mas detectei um problema. A Digidesign é fechada em seu próprio umbigo e não fala com outros hardwares e plug-ins. A implementação do driver ASIO ainda é muito tímida. DirectX, VST e VSTi, então, nem pensar. Isto sem falar em seu preço. Acredito que o Pro Tools ficará restrito aos estúdios que tenham um bom fluxo de clientes e àqueles cuja produtividade compense o custo.
Na sua opinião, existe alguma diferença tecnológica entre estes softwares?
Em termos de software, quase todos estão em pé de igualdade. A diferença está puramente na afinidade pessoal e nos métodos de trabalho. As vantagens em utilizá-los são muitas e as desvantagens, em geral, estão ligadas aos sistemas operacionais, o que em pouco tempo deverá ser resolvido pelos programadores, que estão desenvolvendo e aperfeiçoando interfaces, softwares e plug-ins gratuitos para rodar em Linux, por exemplo. A possibilidade de se trabalhar com máquinas rodando Linux em cluster [mais de um computador com processamento paralelo] e em rede já é real. Estas novas tecnologias vão revolucionar de vez o custo/benefício do qual estamos falando.

 
 
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