Aos 29 anos, Hamilton de Holanda já é considerado o maior renovador da linguagem do bandolim no Brasil. A inovação tecnológica não tem a ver, porém, com o título de seu disco mais recente, 1 byte e 10 cordas (Biscoito Fino), em que põe à prova, ao vivo, sua performance sem acompanhamento. Longe do terreno high tech, a idéia é artesanal e acústica. Há cinco anos, Hamilton toca um bandolim de dez cordas, com um par mais grave afinado em Dó, para poder fazer acordes junto com a melodia mais facilmente.
A origem do bandolim de dez cordas remonta a 2000, quando Hamilton pediu a Virgílio Lima, luthier de Sabará, Minas Gerais, que lhe fizesse um instrumento com um par de cordas mais graves, para afinar em Dó. "Já tinha três instrumentos convencionais feitos por ele e resolvi testar este recurso", lembra. Além de mais largo para abrigar o par extra, o bandolim de dez cordas teve que ser construído com uma caixa maior, "para dar maior profundidade aos acordes e fazer soar bem as cordas mais graves". A intenção do músico era poder tocar só um instrumento que, normalmente, é usado como parte de conjuntos, principalmente de choro, para temas e improvisos.
A referência de Hamilton de Holanda em relação ao bandolim de dez cordas é semelhante à do falecido jogador Leônidas da Silva, considerado o pai da bicicleta. Artilheiro da Copa do Mundo de 1938, Leônidas dizia não saber se havia inventado a bicicleta, mas que nunca tinha visto ninguém fazê-la antes. Hamilton também não reivindica a paternidade do par de cordas, mas não se lembra de conhecer ninguém que porventura o tenha antecedido.
Bandolins prediletos de Jacob serviram como referência
Atualmente, o músico toca outro bandolim de cinco pares. Seu modelo atual foi construído pelo carioca Tércio Ribeiro, o mesmo que havia sido escolhido pelo Instituto Jacob do Bandolim para reformar, em 2002, os instrumentos que Jacob considerava seus favoritos e que permaneciam fechados em duas caixas desde 1969, ano de sua morte. "Eu queria um instrumento com um som parecido com aquele, que mesmo depois de tanto tempo ainda causava inveja. Cheguei para ele e disse 'pega o que aprendeu e faz um de dez pra mim'", conta.
Hamilton em show ao lado de Seu Jorge, na Via Funchal, São Paulo
O resultado foi um bandolim com tampo e laterais de madeira de maple (a árvore daquela folha que estampa a bandeira do Canadá), frente de pinho e braço de cedro com escala de ébano.
Para soar diferente
Deixando as metáforas futebolísticas, a diferença que Hamilton de Holanda perseguiu em relação aos bandolins convencionais - além da maior facilidade para se apresentar sem acompanhamento -, foi inspirada em outras cordas mais graves afinadas em Dó, as dos violões de sete cordas de Raphael Rabello e Dino Sete Cordas. Embora não tenha sido primeiro a usar este violão, foi Dino que criou a maneira adotada até hoje para tocá-lo, diferente do violão comum, de seis.
O primeiro registro do uso de violão de sete cordas data de 1910, com Otávio Vianna, o China, irmão de Pixinguinha e integrante do grupo Oito Batutas. Também tocando com Pixinguinha no Oito Batutas, Tute conseguiu, na década de 40, respaldo com as sete cordas. Dino o admirava tanto que só passou do violão comum ao de sete depois que ele morreu, para que não pensasse que o estava imitando. Mas foi ele quem acabou consagrando sua maneira de tocar, inspirado nos contrapontos de graves que Pixinguinha passara a fazer à flauta de Benedito Lacerda, desde que havia adotado o sax em lugar da clarineta. Estes contrapontos no violão de sete ficaram conhecidos no universo do samba e do choro como baixaria, que, assim como os chamados turnarounds do blues, marcam e colorem as divisões entre estrofes e modulações, além de prepararem a entrada dos solos instrumentais, fazendo uma espécie de introdução.
Apesar da influência e da admiração pela música de Jacob do Bandolim, bem como de outros ícones do choro, Hamilton de Holanda é tão reverente às fórmulas tradicionais do estilo quanto Astor Piazolla era ao tango - ou seja, nada. Embora não seja xingado por puristas, como foi por várias vezes o bandoneonista argentino, Hamilton não se limita ao choro strictu sensu, passeando por outras praias, "até porque pessoas como Jacob, Pixinguinha e outros já fizeram isto tão bem que eu não via sentido. Quando toco com um grupo de choro tradicional, toco da maneira tradicional, mas quando faço meus shows e discos solo, me obrigo a passear por outras possibilidades".
Entre estas possibilidades, incluem-se, somente em 1 byte e 10 cordas, músicas de outros estilos como o samba-canção No rancho fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo; a toada Disparada de Geraldo Vandré; e o tango Adios monino, por coincidência ou não, de Astor Piazzola. Esta é a única música do disco em que o bandolinista toca acompanhado, pela gaita de Gabriel Grossi.
Alguém já ouviu bandolim em funk? Nem o próprio Hamilton de Holanda até dois anos atrás, quando conheceu e tocou um, ao vivo, com o colega norte-americano Mike Marshall. O encontro ocorreu durante um congresso de bandolinistas em Lunel, no sul da França. A jam, em cima do funk composto por Marshall, curiosamente também marcou o primeiro solo de contrabaixo da vida do ex-Led Zepellin John Paul Jones - segundo palavras do próprio, lembra Hamilton. "Pela manhã, eu e Marshall estávamos dando um workshop, quando eu ia passar uma música do Jacob no contrabaixo e um cara diferente, brancão, se levantou, disse para eu ficar no bandolim e deixar o baixo com ele. Só depois fui saber quem ele era e o convidei para tocar conosco à noite. Depois, ele veio me dizer que nunca havia solado no baixo, talvez por falta de espaço", lembra.
Além de se apresentar solo e com conjuntos, já tocou, entre outros, com o violonista Marcos Pereira, com o multiinstrumentista e experimentador-mor Hermeto Pascoal, e com a cantora caboverdiana Cesária Évora, no disco Voz d´amor (2003), que faturou o prêmio Grammy de world music. "É muito interessante a música de Cabo Verde, porque lembra coisas que eram tocadas aqui no Brasil em 1870, por aí, com cavaquinho ao invés de bandolim", ressalta.
Músico usa ponte wireless entre dois pré-amps nos shows
Ao vivo, Hamilton utiliza a técnica pouco usual de dois pré-amplificadores. Ele usa um captador Fishman Standard preso por dentro do bandolim e ligado ao pré-amp Gig Pro da empresa norte-americana LR Baggs. Este pré, por sua vez, é ligado a um transmissor de microfone sem fio, "que pode ser um AKG ou Shure, varia". Dali, o som é enviado para outro pré-amp, desta vez um Aphex 107, e em seguida para as caixas.
A vantagem desta amplificação, segundo o músico, é que "quando o som chega à caixa, é como se fosse tirado de um bom microfone, mas sem microfonia, feedback. Sai mais redondo", afirma.
Maior parte do disco ao vivo foi gravada em uma M-Box
Esta técnica foi aproveitada, junto com outros recursos, na gravação do disco ao vivo 1 byte, 10 cordas. Responsável pelo registro, o técnico Daniel Mussy captou o bandolim de Hamilton por três vias, uma delas aproveitando o sistema usual do músico e outras duas por microfones posicionados em frente ao instrumento. Nesta posição, ele pôs um AKG 451 e um Neumann U87, ligados a um pré Universal Audio 2610, em estéreo.
Para captar o som do público foram usados dois AKG C451. Para a voz do músico, quando este falava com a platéia (Hamilton não canta), um Shure SM58. A gaita de Gabriel Grossi em Adios Monino, único instrumento usado além do bandolim, passou por um Shure SM57. Todas estas vias foram amplificadas em um pré Digimax LT.
Curiosamente, seis das oito faixas do disco acabaram sendo retiradas de um show, no mesmo Leblon Lounge (localizado no shopping Rio Design Center, no Rio), que serviria, em princípio, apenas como uma espécie de ensaio de gravação. "Levei uma M-Box do Pro Tools, que grava apenas dois canais em estéreo (L/R) no meu laptop para ter uma idéia de como seria. No dia da gravação propriamente dita, fizemos em sete canais com um Pro Tools TDM, profissional e muito mais caro, mas eis que quando fomos selecionar as faixas, vimos que a maioria das músicas estava melhor nos registros do ensaio. Então, não havia porque não aproveitá-las, o mais importante é a música e a tecnologia deve servir a ela, e não o contrário", analisa.
Para dividir as sete vias em dois canais, no ensaio que acabou virando gravação, Daniel Mussy direcionou os canais para a mesa de som do Leblon Lounge, "um modelo simples, rudimentar até, que eu nem lembro qual era", e o puxou em L/R para a M-Box.
Apenas Adios Monino, que tinha um instrumento extra, e Disparada foram para o disco nas versões da gravação oficial, feita no TDM.