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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
A ergonomia da tecnologia
Enrico De Paoli
Publicado em 01/10/2004 - 00h00
Se cada vez que surgisse uma nova tecnologia esta não herdasse hábitos das antecessoras, seria preciso inventar a roda novamente. Por que a mesa tem faders? O falante tem cone? A maneira de se usar efeitos é como é? Por que os racks têm 19 polegadas? E as cases? São pretas com cantoneiras prata? Por que os carros (de hoje) têm o motor na frente e a mala atrás e por que no Brasil a direção é do lado esquerdo (olha eu aqui falando de carros de novo)? Enfim, o tempo investido serve para melhorar algo já criado. Já que esse algo nunca vai ficar perfeito e a vida é uma eterna evolução. Não acaba nunca - mais ou menos como uma mixagem (comparação perfeita , diga-se de passagem).
Não só pelo tempo de investimento e desenvolvimento de um novo equipamento, mas também porque, quem os usa, (nós, nesse caso), estamos acostumados com a marcha do lado direito e fim de papo. Imagina se de repente muda! Que caos não veríamos nas ruas (como se já não bastasse) ou nos shows (não digo nada).
O que ocorre é que às vezes realmente sofremos mudanças mais bruscas na ergonomia do que estamos acostumados a usar. É como se determinadas épocas tecnológicas chegassem ao fim. A Revolução Digital está se encarregando dessa mudança radical em todos os setores do mundo. Desde que surgiram as mesas digitais com todas suas vantagens e relação custo/benefício desleal, estas começaram a invadir todos os setores da música e do áudio. Eu comecei a usá-las logo no início, em vários portes, desde a ProMix 01 da Yamaha até a SSL Axiom MT. Como tudo na vida - tudo mesmo - encontro vantagens e desvantagens em cada caso.

Então, começamos a ver as mesas digitais invadindo os palcos. Fácil de entender. Muito mais baratas do que as boas mesas analógicas, menores e com processamento interno que muitas vezes faz com que um rack de compressores, gates, e reverbs se faça desnecessário (menos peso e menos dinheiro). Porém, essas mesas não eram de todo feitas, pensadas ou desenvolvidas, para a tarefa show ao vivo (fosse no palco, fosse no PA).
As fábricas foram espertas: criaram um produto que entrou em estúdios, produtoras, rádios etc. Ao mesmo tempo, preparou o solo, seduziu engenheiro, músico e produtor para que eles quisessem comprar/usar o próximo produto anunciado: a mesa digital para shows ao vivo. Ou seja, quando ela surgiu, já era querida. Bingo!

Eu, particularmente, demorei a aderir à nova moda. Aliás, não sou muito fã de ser cobaia. Em nada. Não gosto muito de me dar mal :, ou seja, de que o problema seja descoberto na minha mão. Não que não goste da evolução, mas não me incomodo se o mundo testar bem, muito bem, antes de eu arriscar toda platéia que está lá naquela noite.
Alguns anos se passaram, e todos me perguntando ou me dizendo: "E aí? Já tá usando mesa digital no show? Não? Por quê? Ih, vai pirar!". Mas sempre tive receio de computadores "dando pau". O único computador que eu não sei por que acho que nunca vai travar é o do Boeing em que estou dentro. Jamais acho que ele vai te mandar uma bombinha na tela com o mouse travado (otimismo de sobrevivência).
Mas enfim... (estou devagar hoje; daqui a pouco a Natalie, da redação da M&T, me manda outro e-mail, pedindo pra eu não passar de uma página)... decidi que a tecnologia digital para a estrada já estava mais do que testada. E que estava na hora de eu tacar a mão nela nos meus shows. E assim o fiz. O quê? Não sabemos usar a mesa digital? É mole. Depois que a gente aprende, tudo é fácil. Só é difícil enquanto a gente não sabe (andar também já foi uma grande meta). Olha, a mesinha é incrível. Qual? Qualquer uma. São sensacionais. Têm de tudo: compressores, gates, eqs... Tudo desenhadinho ali na tela. Reverbs? Vários! Eu queria parar tudo e tirar foto com ela, de tão apaixonado que fiquei.
Porém (é, mais um porém), conversa vai, conversa vem, fui chegando às minhas conclusões. Digo, minhas. O som é diferente. Porque é digital? Não. Qualquer equipamento de som soa diferente um do outro. Um jamais substitui o outro. Todos soam diferentes. Essa história de que "esse tal equipamento mais novo tem todos os sons do antecessor e mais um pouco" é mentira. Muda-se os componentes internos, muda-se as fontes, muda-se os conversores, muda-se o som, o timbre. Qual é melhor? Estou acostumado com o som das minhas ferramentas. Não que ele seja melhor, mas é o que eu quero ouvir. E o que eu usei de mesa digital em shows, definitivamente ainda não superou reverbs, compressores e gates externos aos quais estou acostumado. Digo ainda por dois motivos: um é que eles podem ainda mudar o projeto. Podem, não. Vão. Claro. Vão mudar para sempre. Não se trata de evolução? O outro motivo é que mesmo que não mudem, eu posso vir a querer ouvir este som daqui a algum tempo. Todos mudamos de idéia, não? A primeira vez em que vi um carro monovolume, achei estranhíssimo ! Hoje, ele domina as ruas.
E a ergonomia... Sim, a mesa digital tem memórias, cenas. Algo sensacional e revolucionário para um festival onde entra artista, sai artista, todos com cenas gravadas... Na turnê que estou fazendo no momento, não uso cenas. Com a memória, a mesa passa a ter páginas que fazem com que a ergonomia do uso seja um pouco diferente.
Meu objetivo não é confundir você com a conclusão a que cheguei para esta minha turnê. Nem tampouco o(a) seduzir com um equipamento que faz de tudo (e com memória). Avalie se as vantagens são maiores do que as desvantagens para o seu caso. Sempre vão existir as duas. Qualquer escolha pode ser a certa desde que o som esteja como você quer.

Enrico De Paoli mixa discos e shows. Atualmente mixa a turnê Vaidade, do cantor Djavan, após ter feito o CD. E-mails para enrico@rio.com.br

 
 
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