No centro de Los Angeles, um imenso prédio em aço inoxidável assinado por Frank Gehry, o mesmo arquiteto do museu Guggenheim, chama atenção pela imponência. É o Walt Disney Concert Hall (WDCH), uma sala de concertos de US$ 300 milhões que faz parte do projeto de recuperação da área urbana daquela cidade. Com uma das melhores acústicas do mundo, o WDCH é também a concretização de um sonho da Orquestra Filarmônica de Los Angeles: ter uma casa própria, digna de sua qualidade e fama. Os parâmetros acústicos foram as sedes das filarmônicas de Berlim, Amsterdã e de Boston. Seu autor, um dos maiores entendedores do assunto, Yasuhisa Toyota, da Nagata Acoustics.
Bancado parcialmente pela família Disney e por outras famílias e empresas da Califórnia, o custo final de US$300 milhões teve apenas pequena parte custeada pela prefeitura da cidade, que ficou com a responsabilidade de adequar a infra-estrutura urbana às neces-sidades do WDCH.
Durante as obras, toda vez em que eu me detinha e olhava o prédio em construção, lembrava-me de outras obras faraônicas, igualmente esculturais, que eram verdadeiras tragédias acústicas (algumas no Brasil e outras fora dele).
Este projeto acústico tinha, entretanto, a assinatura de um dos maiores projetistas acústi-cos do mundo, Yasuhisa Toyota, da Nagata Acoustics (uma das top ten em acústica no mundo), que também assinara os projetos do Suntory Hall e do Sapporo Hall, no Japão.
O WDCH foi inaugurado no final de 2003, mas somente em maio de 2004, durante minha viagem à convenção da NAB (National Broadcasters Association) tive oportunidade de matar minha "curiosidade acústica".
Numa sexta-feira à tarde, fui visitar o WDCH. Foi um audio tour na concepção plena da palavra. Recebi um reprodutor tipo walkman (US$10) e fui seguindo um roteiro pré-determinado pelo prédio. Apertava as teclas de menu do aparelho e recebia informações arquitetônicas, financeiras e algumas outras curiosidades. Nada que, de verdade, me desse as informações que eu tanto queria.
A sala de concertos nada tem de convencional, embora use o conceito shoe-box (caixa de sapato). A disposição da platéia lembra o da sala da Filarmônica de Berlim, projetada em 1963 por Lothar Cremer. Os 2.265 espectadores são dispostos ao redor do palco, envolvendo-o todos os lados. Espacialmente, os grupos de poltronas encontram-se em pequenos terraços, numa configuração tridimensional. Este tipo de disposição é denomi-nado vineyard (vinhedo) por assemelhar-se à técnica de dispor os canteiros de vinhas nas plantações de uva em morros e colinas.
Todo interior, executado em uma madeira clara da família do pinho (Douglas Fir) é de uma beleza rara, contrastando com as poltronas multicoloridas.
O teto apresenta uma incrível sensação de leveza. Seus grandes elementos convexos na mesma madeira parecem apenas decorativos, sem qualquer função acústica. Na realida-de, apenas o exterior visível dos elementos do teto é de madeira. Atrás estão densos e pesados blocos de concreto, com alto poder refletivo e dispersivo, imunes a ressonâncias em quaisquer freqüências.
As paredes são também convexas, auxiliando ainda mais a dispersão sonora. Já as pequenas paredes que separam os terraços são francamente utilizadas para incrementar as primeiras reflexões sonoras (early reflections), ou seja, aquelas reflexões que chegam ao ouvinte com um atraso de até 80 milissegundos após a chegada do som original.
Visual externo do Walt Disney Concert Hall
O palco é dividido em seções e dispõe de elevadores para cada uma delas, possibilitando assim uma disposição também espacial do naipe de instrumentos.
Ao me deparar na sala com um line array da JBL configurando um imenso cluster central, minha curiosidade ficou maior ainda. Se a sala era, de verdade, tudo que se falava dela, o cluster central era um corpo bem estranho naquele envelope acústico.
O que eu queria mesmo era saber o que estava escondido atrás das paredes, por cima do teto, por baixo do palco. Só conseguiria essas informações se tivesse acesso às pessoas certas no WDCH, mas isso seria uma tarefa para o dia seguinte.
Antes de tudo, porém, o mais importante era ouvir a sala, e isto só aconteceria à noite.
Um ingresso de US$80 (e mais US$16 para o estacionamento) era o passaporte de que eu precisava. Na quinta fila, bem no meio da sala. Melhor, impossível.
A primeira impressão foi um pouco preocupante. A sala tem isolamento acústico NC-15 (Noise Criteria) melhor que o da maioria dos estúdios de música que conheço, além de uma acústica absolutamente impiedosa. Todo ruído gerado internamente, de passos das pessoas entrando até programas sendo folheados, era audível. Por isso, não há dúvida do que essa sala exige: uma platéia absolutamente quieta para que não aconteçam interferências no programa musical e, em contrapartida, músicos excepcionais, pois qualquer erro é ouvido até a última fila. É o preço a se pagar para que sejam escutadas todas as nuances dos instrumentos.
A orquestra é das melhores do mundo e a sala se transforma em um imenso instrumento musical, respondendo integralmente a cada impulso gerado pelos músicos, sem nenhu-ma coloração.
Dois atributos aparentemente antagônicos estão presentes no WDCH: uma intimidade envolvente do público com a orquestra, circundando-a por todos os lados, e uma acústica com clareza notável, onde todas as notas emitidas são ouvidas sem qualquer coloração, envolvendo o público.
Saí do concerto com duas certezas:
1. Dr. Toyota colocou o WDCH entre as quatro melhores salas de concerto do mun-do;
2. Eu precisava urgentemente conversar com ele e com os outros envolvidos no pro-jeto (afinal, o que fazia aquele line array da JBL no centro da sala?), ainda que isto significasse ficar mais uma semana em Los Angeles.
Na segunda-feira fui à luta. Marquei uma entrevista com o Dr. Toyota e outra com Rod Sintow, da ProSound, responsável pela instalação do sistema eletroacústico. Também liguei para Dave Clark, da Engineering Harmonics (empresa de Phil Giddings, sediada em Toronto), que desenvolveu todo o projeto eletroacústico e de vídeo do WDCH. Para completar o quadro, tive um longo papo com Kevin Wapner, master de AV do Walt Disney Concert Hall, que é o usuário dos sistemas AV projetados.
Vista geral da sala de concertos
Ele transformou para mim o Disney Hall em Disneylândia. Na sala vazia, pude brincar com o line array, uns 60 amplificadores e mais de uma dúzia de Soundwebs vendo como se comportava a acústica com vários tipos de música e com várias equalizações.
E para tirar por completo as dúvidas, fui assistir ao show de Herbie Hancock e ver como se saía o imenso cluster central da JBL naquele espaço quase sagrado da música clássi-ca nas mãos de um profissional familiarizado com a acústica e eletroacústica da sala.
Saiu-se muitíssimo bem.
Entrevista:
Yasuhisa Toyota, projetista acústico do WDCH
Considerado um dos melhores projetistas acústicos do mundo, Yasuhisa Toyota, da Nagata Acoustics, explica aqui detalhes do projeto, como a forma do auditório e o concei-to da disposição vineyard da audiência, em que esta se situa ao redor do palco. Nos últimos anos, Toyota também assinou projetos como o Suntory Hall e o Sapporo Hall, no Japão. Este último, inclusive, teve algumas semelhanças com o do Walt Disney Concert Hall, como a disposição vineyard da platéia, onde a mesma se situa ao redor do palco. Confira.
Geraldo Ribeiro: Em que ponto do projeto do Walt Disney Concert Hall entrou a Nagata Acoustics?
Yasuhisa Toyota: Nós fomos escolhidos em um processo separado daquele que escolheu o arquiteto Frank Gehry. Começamos junto com ele, sem qualquer idéia pré-concebida por ambas as partes. Posso dizer que começamos do papel em branco. Gradualmente, através de um processo de interações, chegamos ao desenho final. Foi muito diferente do que ocorre usualmente, onde um arquiteto chega com um projeto pronto e solicita que façamos que o mesmo funcione acusticamente. Foi fantástico trabalhar com Gehry, algo diferente de todas as nossas experiências anteriores.
ENTRA (mais ou menos por aqui): Foto 005
Como foi a definição da forma do auditório e como foi o processo de decisão a este respeito?
A forma do edifício tem influência decisiva sobre os resultados acústicos. No caso do WDCH, como eu disse, houve estreita colaboração desde o inicio do projeto. Posso dizer que a forma final do auditório foi uma decisão conjunta. Foi o resultado da estreita colabo-ração entre a Nagata Acoustics e o arquiteto Frank Gehry. Ele apresentou para nós diversas propostas, as quais avaliamos do ponto de vista acústico.O desenho final foi aquele que nos pareceu propiciar os melhores resultados acústicos dentro da concepção arquitetônica da obra. Acredito que, seguramente, a decisão da forma final do auditório foi tomada em conjunto por nós dois. [Foram cerca de 30 modelos simulados em computa-dos até que se chegasse à proposta do envelope acústico do Walt Disney Concert Hall. Este ambiente, por sua vez, foi exaustivamente testado em computadores. Foi construída uma maquete em escala 1:10 para análise das reflexões com uso de raios laser e com sons cujas freqüências eram dez vezes maiores que as esperadas na sala de concertos, ou seja, de 200Hz a 200 kHz, de modo a manter a proporcionalidade entre modelo e som].
Geraldo Ribeiro com Yasuhisa Toyota, projetista acústico
O projeto do WDCH sofreu uma interrupção longa em sua execução. Como isto se refletiu no seu projeto?
Esta é uma questão interessante. Em 1994, houve uma interrupção no projeto Disney por questões financeiras, e o processo ficou paralisado por quatro anos. Durante este perío-do, continuamos a desenvolver normalmente nossas atividades de projetistas e, entre os diversos projetos que executamos, um foi bastante importante para nós: o Sapporo Concert Hall, inaugurado em 1997. Fomos muito bem sucedidos nesse projeto. Em 1998, retomamos nossas atividades de projeto no WDCH.
Boa parte dos estudos e simulações feitas no modelo 1:10 do WDCH foram aplicadas no Sapporo, uma vez que existem algumas semelhanças entre os dois desenhos. A mais marcante delas é o uso do conceito de disposição vineyard, onde a audiência situa-se totalmente ao redor do palco. Aprendemos muitas coisas no projeto Disney que foram aplicadas no Sapporo e, com a parada do WDCH, pudemos aprender muitas coisas no Sapporo que foram posteriormente aplicadas no WDCH.
Como qualificar a acústica de uma sala de concertos?
É muito difícil qualificar a acústica de uma sala. A acústica é como a arquitetura, onde é impossível se medir a beleza de um projeto a não ser comparativamente. Não existem escalas para se medir a beleza. Em acústica, existem algumas grandezas que são men-suráveis, como por exemplo o nível de ruído. Sabemos que quanto menos ruído, melhor é o isolamento. O melhor dos melhores isolamentos é aquele que não deixa passar ruído algum. Existem grandezas físicas que possibilitam sua medida. Com a acústica de uma sala é diferente. Cada sala é única e tem um comportamento acústico também único. É quase impossível se fazer duas salas acusticamente iguais. Embora existam algumas grandezas físicas que nos dêem indicadores de um possível resultado, dois resultados similares em salas diferentes podem implicar em duas acústicas completamente diferen-tes, uma boa e outra má.
O teto é uma das mais importantes superfícies acústicas em uma sala de concerto. O do WDCH é composto de múltiplas superfícies convexas com acabamento em madeira, que emprestam uma leveza ainda maior ao desenho de Frank Gehry. Em que consistem os chamados Toyota's pillows [travesseiros Toyota]?
Na realidade, são as partes mais densas e pesadas de toda a estrutura acústica. São feitos em concreto e são tão densos quanto as paredes. O que dá a aparente leveza é o revestimento em Douglas Fir. [Assim como as paredes convexas, os painéis são respon-sáveis pela reflexão e difusão do som, e sua localização exata possibilita que as primei-ras reflexões cheguem a todos os espectadores com um atraso máximo de 80 milisse-gundos com relação ao som que as gerou].
Os painéis foram todos desenhados com o uso de CATIA , sendo diferentes uns dos outros. São 82 painéis, tendo em média 27m de comprimento por 3,6m de largura, pe-sando entre três e cinco toneladas e colocados em seus exatos lugares através do uso de lasers e computadores.
Platéia do Walt Disney Concert Hall: aparente leveza do teto
Por que razão a Nagata Acoustics desenvolveu seus próprios softwares?
Quando começamos a utilizar softwares para desenho e simulação acústica, testamos todos que estavam disponíveis no mercado mundial e nenhum atendeu as nossas neces-sidades. Fomos forçados a desenvolver nossas próprias ferramentas. Se houvéssemos encontrado um que nos atendesse plenamente, o teríamos adotado de imediato.
No WDCH foi considerada a adoção de elementos móveis (teto, painéis, cortinas etc) para a criação de uma acústica variável?
Foi uma decisão conjunta entre todas as partes envolvidas - o arquiteto Frank Gehry, o maestro regente da orquestra, Esa Pekka-Salonen, e eu - não utilizar qualquer tipo de artifício que alterasse a acústica da sala. Afinal, as melhores salas de concerto do mundo (Berlim,Viena,Boston e Amsterdã) não usam tal tipo de artifício; não precisam usar estes recursos. Do ponto de vista exclusivamente acadêmico ou de da engenharia, é sempre interessante termos coisas que possam ser modificadas para que possamos alterá-las e avaliar os resultados. São bons meios experimentais para serem utilizados em escolas para que estudantes possam avaliar resultados das alterações feitas.
Em uma sala de concertos real essa é uma alternativa a ser descartada. Afinal, quem vai efetivamente avaliar e ajustar a acústica da sala: um técnico, o diretor do espetáculo, o regente ou um engenheiro acústico? É um assunto muito complicado, e quando a res-ponsabilidade fica difusa, ninguém é realmente responsável. Em várias salas onde foram instalados estes tipos de mecanismos, o que acaba acontecendo é que se define uma posição para os mesmos e eles se tornam fixos, perdendo-se o investimento feito na acústica variável. Eu chamo a acústica variável de apólice de seguros acústica, de modo a cobrir possíveis insucessos.
Por que os auditórios, como o vinho, precisam de algum tempo para se tornar maduros?
Este é um bom ponto. Eu concordo que as salas de concerto com o tempo se tornam melhores, mas não estou certo se é a sala que se torna melhor ou se o ensemble da orquestra e sua familiaridade com a sala é que se torna melhor. Acredito que, com o tempo, não uma questão de dias ou semanas, os membros da orquestra se familiarizam com a nova sala, com sua acústica e passam a escutar melhor a si próprios e a seus companheiros. Embora seja difícil encontrar alguma evidência que comprove isso, eu também acredito que exista uma melhoria sensível com o tempo, mas não estou certo a que atribuir esta melhora. Um piano novo não tem o mesmo som de um piano usado. Depois de muitas práticas e exercícios, seu som vai se tornando cada vez melhor. Um piano Steinway antigo custa mais que um novo. Por que razão não aconteceria o mesmo com as salas de concerto. Afinal, elas também não são um instrumento musical?
O Dr.Nagata disse certa vez que a acústica é uma ciência inexata e que não deve ser deixada em mão de acadêmicos. Como se forja um bom engenheiro acústico?
Antes de mais nada, ele deve amar a música. Ele deve ouvir o maior número de concer-tos que puder. Uma sala de concerto é, sobretudo, um lugar para exercício da música, e deste modo ele deve entender muito de música. Sem dúvida, há a necessidade de uma formação técnica na física do som e da acústica.
Fale-nos, por favor, de sua formação musical.
Comecei ouvindo discos de música clássica de meu pai. Fiquei apaixonado pela Sinfonia n° 8 de Schubert, que é belíssima. Meu interesse musical foi aumentando até o ponto em que decidi tocar um instrumento. Juntei-me à banda da escola e comecei a tocar saxofo-ne. Mais tarde, no segundo grau, tocava em um grupo que às vezes se apresentava junto à orquestra da escola. Neste momento, comecei a tocar oboé, mas não era bom o sufici-ente para me tornar profissional. Decidi então me manter o mais próximo possível da música clássica. Meu trabalho hoje me propicia esta proximidade.
O WDCH é hoje um paradigma em termos acústicos. Sua acústica é envolvente (warm) e apresenta grande claridade (clarity), o que são aparentemente atributos opostos. Você está feliz com o resultado? Seus objetivos foram alcançados?
Quanto a estar feliz, a resposta é, sem dúvida, sim. A segunda parte da pergunta é de difícil resposta. Parte sim e parte não. Atingi o objetivo de ter uma sala onde os atributos físicos que buscávamos foram alcançados. Por outro lado, uma sala de concertos sem uma orquestra é apenas uma caixa de concreto. Em termos da relação entre a música e a sala, este é apenas o ponto inicial. Estamos começando agora o ponto de afinação ou de maturação da relação sala/orquestra. A tendência é que esta relação se torne cada vez melhor com o tempo e, aí sim, os objetivos serão plenamente alcançados.
A sala está sendo utilizada também para música eletrônica. Herbie Hancock e seu quarteto já tocaram no WDCH. O atributo warm (envolvente) implica em uma rever-beração pouco compatível com a música amplificada eletronicamente. Como você vê este tipo de uso? Seu projeto considerou em algum momento este tipo de utili-zação?
A acústica de uma sala para concertos de música clássica como o WDCH é totalmente diferente da de outros auditórios para propósitos múltiplos. A acústica de uma sala de concertos é por si só um sistema de amplificação natural, não eletrônica. No caso do uso de instrumentos amplificados, passa-se a ter uma dupla amplificação. A eletrônica pode ter seu volume controlado, enquanto que a amplificação acústica tem ganho fixo e não pode ser alterada. Não estou negando a possibilidade deste tipo de uso, mas deve-se ter em mente que o equilíbrio entre os instrumentos não será perfeito. Por outro lado, as inúmeras correções que podem ser feitas na música eletrônica poderão tornar o resultado aceitável. Um problema pode surgir com o som trabalhado em pressões sonoras muito elevadas e a amplificação acústica das distorções inerentes à música eletrônica. Outro problema que vejo é a questão dos ensaios. A filarmônica ensaiou no WDCH durante vários meses antes do concerto de inauguração, de modo a se integrar com a sala. Uma banda de jazz faz a passagem de som durante a tarde para tocar à noite. Não existe tempo possível para que exista um entendimento da acústica da sala por técnicos e músicos. É impossível obter um bom resultado em tão pouco tempo. Se eles ensaiassem durante um ou dois meses na sala, tenho certeza que o resultado seria excelente.
Dave Clark fala sobre a eletroacústica da WDCH
Engenheiro de som da Engineering Harmonics, Dave Clark fala aqui de questões essen-ciais para o funcionamento do projeto eletroacústico da WDCH, como o sistema de PA (um line array Vertec) e a sonorização ambiente, explicando como foi pensado o teto, revestido por madeira e embasado por blocos de concreto com alto poder refletivo e dispersivo.
Geraldo Ribeiro: Qual o papel desempenhado pela EH no projeto do Walt Disney Concert Hall?
Dave Clark: Envolvemo-nos no projeto em 1999. Fizemos o projeto daquilo que é cha-mado área de instalações fixas de PSVC, ou seja, Performance Sound, Video and Com-munications, onde estão incluídos os sistemas de PA (reforço sonoro), de monitor; de sonorização ambiente, chamadas e avisos; de intercomunicação; de captação e distribui-ção de vídeo e de auxílio auditivo para deficientes, que é um item obrigatório em todos os teatros.
A sonorização de grandes salas como o WDCH implica em sistemas nem um pouco discretos. Frank Gehry colocou algum tipo de restrição quanto a tamanho ou posi-ção dos sonofletores?
As restrições foram feitas apenas com relação ao sistema de alto-falantes de teto (para sonorização ambiente e avisos). Quanto às caixas da sala de concertos, tivemos liberda-de para definirmos tipo, tamanho e colocação. Naturalmente, submetemos desenhos tridimensionais para aprovação da arquitetura antes da tomada de qualquer decisão.
O WDCH é uma sala projetada para utilização de amplificação acústica em música clássica, e em decorrência é um ambiente com reverberação. Como foi colocar caixas acústicas neste tipo de sala de concertos?
Exige grande atenção na colocação física das caixas acústicas, assim como em seus padrões de diretividade e no tipo de programa que será amplificado. Como o projeto é anterior à versão atual do EASE (software de simulação acústica e auralização), que é o nosso preferido, e a complexidade geométrica da sala impossibilitava o uso da versão anterior, acabamos por utilizar um sistema antigo de modelagem acústica. Todos os resultados foram posteriormente checados com o Line Array Modeler da JBL, que confir-mou nossas escolhas. As localizações foram definidas com total exatidão pelos softwa-res, mas a angulação das caixas foi refinada com experimentações na sala de concertos. Isto nos tomou diversos dias, remodelando no computador, ajustando a configuração dos arrays e verificando os resultados in loco.
Por que vocês decidiram pela utilização de line arrays?
A excelente diretividade no eixo vertical garante que o som não incida nas superfícies reflexivas acima e abaixo das áreas onde se situa a audiência. Tivemos uma ajuda subs-tancial da JBL através de Ted Leamy e de sua equipe, tanto no refinamento dos dese-nhos como na adequação de produto. O desempenho do sistema Vertec é excelente, superando expectativas. Foi feita uma composição entre os modelos VT-4888, VT-4887 e AM-6212.
Qual a razão da adoção de um cluster central ao invés das configurações tradicio-nais L/R ou L/C/R (left-center-right)?
O nosso projeto original contemplava a configuração L/R com uma distribuição espacial dos line arrays, mas a Filarmônica de Los Angeles optou pela configuração central.
Foi considerada no projeto a possibilidade de se utilizar caixas acústicas para surround?
Sim, porém não fazem parte da instalação fixa. Existem pontos de fixação e cabeamento para a colocação de caixas de surround, mas isso somente é utilizado quando o espetá-culo exige.
O projeto acústico de Yasuhisa Toyota considera que a fonte sonora é o centro do palco (orquestra) e a utilização de um sistema line array suspenso desloca a fonte sonora para vários metros acima do palco. Como foi resolvido o problema da pers-pectiva sonora, de modo a assegurar à audiência a ilusão de que o som vem do palco?
Devin Wapner, master de AV do Walt Disney Concert Hall, junto aos racks de amplificação
Dr. Toyota está certo em considerar o palco como fonte sonora. Infelizmente, nós não podemos colocar as caixas acústicas no palco ou mesmo perto dele, pois sonofletores com excelente diretividade em todas as freqüências são muito grandes e obstruiriam tanto a visão do palco quanto a iluminação. Deste modo, trabalhamos com o espaço disponível e criamos uma ilusão auditiva através da colocação de caixas embutidas sob o palco. Geralmente os espectadores localizam as fontes sonoras com base na localização visual das fontes de som, a menos que a diferença entre ambas seja muito grande. Deste modo, desde que não quebremos este elo entre o auditivo e o visual, as coisas funcionam e a imagem sonora fica correlacionada com sua fonte. Como no Walt Disney Concert Hall a audiência se dispõe circundando o palco, utilizamos diferentes procedimentos para se assegurar este elo entre o aural e o visual.
Para a área frontal ao palco utilizamos um grupo de caixas (front fill) sob o mesmo. Isto se encarrega de abaixar a imagem sonora, uma vez que a audiência recebe o produto do line array e do front fill. Para reforçar o elo, criamos um pequeno delay de modo a asse-gurar que o som originado nas caixas sob o palco chegasse primeiro à audiência. O cérebro interpreta este som, ainda que mais fraco, como a origem sonora, e deste modo o elo está criado. Para as laterais do palco e para sua parte traseira, não existe a possibi-lidade de embutirmos caixas acústicas, mas tiramos vantagem de um fato psicoacústico que é a pequena capacidade de o ouvido discriminar a origem da fonte sonora no plano vertical. Mais uma vez aplicamos a técnica do delay, menos satisfatoriamente que na área frontal, mas com qualidade suficiente para satisfazer a audiência. Usamos no front fill oito caixas JBL ACF4325.
Como é a disposição das caixas de sub-graves no teatro?
Os subwoofers JBL VT-881 encontram-se montados sob o palco, alternadamente com as caixas de front fill. Eles se encontram ligados em pares eqüidistantes do centro e delays são aplicados a cada par, com o delay mais longo para o par colocado nas extremidades do palco, decrescendo para o centro. Isto cria um arco virtual, que distribui a energia dos subgraves na frente e nas laterais do palco. As caixas de front fill ajudam a mascarar o impacto dos subgraves nos assentos das primeiras fileiras.
Considerando-se que o WDCH é um projeto muito recente, quais foram os equipa-mentos digitais utilizados e que razões levaram à escolha do digital ao invés do analógico?
Embora o equipamento digital ainda não apresente a mesma qualidade sonora que os bons equipamentos analógicos, ele oferece uma gama muito grande de vantagens, como flexibilidade, estabilidade e possibilidade de presets múltiplos - isso acaba sendo mais importante que a pura qualidade sônica. Na parte de áudio, o digital está restrito às mesas e aos processadores.
Como é feito o processamento e a distribuição de sinal para line array, front fill, balcony fills, subgraves, monitores de palco, sistemas de vídeo e de avisos?
Neste ponto, os sistemas digitais são de grande utilidade. Foi tudo feito através do uso de DSP. Usamos cerca de 24 unidades BSS Soundweb dos modelos 9088IIS e 9000iis. Temos utilizado este processador em um grande número de projetos para executar estas funções. Foram projetos bem maiores que o Walt Disney Concert Hall, e alguns estão em operação há quase nove anos. É um produto bastante estável e já bem maduro em termos de projeto e conceito, apresentando a confiabilidade e a flexibilidade que reque-remos.
Qual a potência instalada na sala? Foi feita alguma recomendação quanto ao má-ximo SPL da sala, de modo a assegurar perfeito desempenho do sistema, uma vez que em uma sala viva qualquer excesso pode excitar acusticamente o ambiente?
Não poderia afirmar de pronto a potência total disponível para sonorização, mas foram usados mais de 60 amplificadores Crown MA3600 e MA5002. Considero que seja o necessário, considerando-se perdas em cabos, eficiência de sonofletores etc.
Deixamos a definição da pressão sonora a cargo do engenheiro de som que estiver operando o sistema. Desde que a suscetibilidade ao feedback acústico é função combi-nada das caixas acústicas, da acústica da sala, das características de captação e rejei-ção dos microfones e do ganho aplicado em cada um dos estágios do sistema de sonori-zação, os níveis de feedback acústico serão dependentes do tipo de programa e poderão variar de uma sessão para a sessão seguinte.
Geraldo Ribeiro é engenheiro eletroacústico.