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Revista Luz & Cena
Editorial
A massa na mão
Sólon do Valle
Publicado em 01/11/2004 - 00h00
Outro dia conversávamos sobre o contato entre o músico e seu instrumento, e sobre o prazer que isso poderia trazer para cada um.
Achamos que o pianista teria pouco contato com o instrumento, comunicando-se com ele apenas através do plástico das teclas e do metal dos pedais. Nem o marfim e o ébano são mais usados, um por respeito à Natureza e outro por respeito ao bolso. As cordas vibram e soam de maneira linda, mas sem que o músico tenha o prazer sensual de tocá-las nesse momento sublime. O mesmo vale para organistas e para tecladistas em geral - embora teclados eletrônicos com aftertouch dêem uma certa sensação de contato físico, e as rodinhas (de pitch e modulação) também ajudem o músico a expressar mais emoção.
Os violinistas, guitarristas e similares já são mais felizes. Tocam com os dedos o próprio objeto vibrante - a corda -, imprimindo a ele uma carga muito maior de controle, descontrole, emoção e suor. Vibrato, pizzicato e outros atos são modos de estabelecer contato direto.
Os percussionistas também sentem enorme prazer, batendo, roçando, sacudindo suas mil fontes de sons. E como são variados esses sons! Graves, agudos, potentes, sutis, obedecendo fielmente ao toque do artista.
Talvez os mais felizes sejam os músicos de sopro e, entre eles, os do naipe de metais, que têm o privilégio de usar parte de seu corpo - os lábios - como fonte das ondas sonoras. É quase como cantar.
Os DJs, sem usarem instrumentos musicais no sentido tradicional do termo, tiram de seus "instrumentos" sonoridades excitantes, efeitos incríveis, comandam a festa. Como músicos, têm destreza, sensibilidade e estilos pessoais exclusivos. Inventam.
Mas... como fica o engenheiro de som nessa disputa pelo prazer? Muito bem, obrigado. Ele pode mudar a dinâmica, o timbre, a perspectiva, uma enorme gama de parâmetros dos sons - ainda que alheios. Pode criar imagens incríveis na sala de mixagem, pode comandar as emoções no palco a partir de sua mesa de monitor, pode levar o público ao êxtase pilotando um PA. Embora não faça diretamente música, lida com emoções próprias e de outras pessoas. Tem uma deliciosa sensação de domínio mesclado com submissão. É exaustivo e gratificante.
É como... o amor.
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