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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Gravação de Voz
Enrico De Paoli
Publicado em 01/10/2001 - 00h00
 Muitas vezes passamos meses envolvidos em um projeto e gastamos todo o orçamento antes de chegar às duas etapas que talvez sejam as mais importantes: a gravação de voz e a mixagem. Este mês falaremos exclusivamente sobre a parte que faz os vocalistas suarem. Totalmente sem necessidade.

Desde o início do Lugar da Verdade sempre ressalto o fato de que engenheiros devem ser, acima de tudo, psicólogos! Mexer em equipamento muita gente sabe e quem não sabe basta dar uma lidinha no manual. O grande trunfo é fazer esses equipamentos interagirem conosco, servindo apenas como ferramentas para extrair dos vocalistas mais do que eles mesmos se achavam capazes de oferecer. Imagine um fotógrafo fazendo uma modelo bonita ficar espetacular em uma foto. Agora é nossa vez.
A maneira mais fácil de fazer isso é, em primeiro lugar, não olhar para o dia de gravar voz como a última chance do cantor. Deixe isso bem claro. Durante a produção de um disco, gosto de incorporar ao CD cada momento de criatividade. Se no final de um dia de overdubs o cantor ou cantora está de bom humor, se foi um dia produtivo, deu tudo certo, por que não tentar gravar um canal de voz? Esqueça a pressão. Esqueça as emendas (punch), grave um, dois ou mais canais. Depois você vê o que fazer com eles.
 
Fita do Hard Disk?
Claro que tudo vai depender do formato disponível para o seu projeto. Se a dúvida é entre ADAT ou computador, não há dúvidas. Um sistema de hard disk vai lhe proporcionar mil vezes mais praticidade. Canais praticamente ilimitados, dependendo apenas da capacidade de armazenamento do seu hard disk. Não vai existir espera para voltar a fita. E, no caso dos ADATs, a infelicidade de esperar as máquinas sincarem. Sem contar os ADATs que se rebelam no caso do abuso do transporte (play - stop - rewind) e literalmente mastigam a fita, que na maioria dos casos é a única música do projeto que você deixou para fazer o backup depois! A diferença de som entre o ADAT ou Tascam e um sistema de hard disk, não vai ser evidente. Lembre-se: o seu som digital é tão bom quanto a qualidade dos conversores de analógico para digital (ADC) e do clock do sistema.
 
16, 20 ou 24 Bits?
A diferença é que, em 24 bits, você pode gravar com o nível um pouco menor, com menos risco de estar perto da área de clip (distorção digital), ainda mantendo boa resolução e dynamic range (faixa dinâmica). Cada bit equivale a 6dB de dinâmica. Portanto, a diferença técnica entre 16, 20 e 24 bits é 96dB, 120dB e 144dB de dinâmica, respectivamente.
 
Analógico ou Hard Disk?
Não posso responder por você. O som é definitivamente diferente. O som da fita é mais macio neste caso. Os sibilados (palavras com "s"), soam mais amenizados. Se você ama esse som, grave em analógico e depois transfira para o HD para fazer edições. Eu, particularmente, gravo voz direto no computador na maioria dos casos.
O mais importante em uma gravação de voz, é não deixá-la parecer o dia de gravar a voz. O cantor tem que cantar. Curtir. Ouvir bem a música e se ouvir bem no fone. Bem lembrado...Sempre faça uma mix decente e ouça o fone que o cantor usará antes dele. Para que você tenha certeza de que quando ele botar o fone, estará ouvindo um CD. Normalmente, se o cantor está cantando tudo sharp (acima do tom), pode significar que ele está ouvindo muita base e pouca voz no fone. Se ele estiver flat (abaixo do tom), o problema pode ser o inverso, muita voz e pouca base no fone. Faça com que o artista fique feliz, satisfeito, gostando do que está ouvindo no fone, essa alegria se contagiará na gravação. Não interrompa uma performance por causa de uma besteira. Fazendo isso, você estará apontando um erro ao cantor que ele pode nem ter percebido, gerando um clima de insegurança. A partir daí, é capaz de ele começar a cantar tentando não errar. E isso é completamente percebido na performance.

Grave o Primeiro Take
Ainda que você esteja acertando o nível de gravação, a primeira passada é quase sempre a mais descontraída e certamente terá vários trechos bons para serem usados. Então, grave outro canal... outro... mais outro. Peça para o cantor mudar um pouco o estilo, a interpretação, a intensidade...grave outros dois ou três canais. Até agora, você praticamente não fez nenhuma emenda. Não estressou o artista e já capturou vários takes.
Chame o cantor para dar uma ouvida na técnica. Toque para ele o último canal ou o canal que você achou melhor. Lembre-se que o primeiro é forte candidato. Então, tenha a letra da música em um papel e ouça cada frase, canal por canal. Copie o  melhor canal de cada frase para um canal novo que você poderá chamar de Canal Composto. No final da música, você terá um canal montado com a melhor parte de cada take sem ter feito emendas e interferido na fluência da performance. Se uma determinada parte da música não estiver satisfatória em nenhum dos canais, você pode sugerir uma emenda. Mas aí o jogo já está ganho! Lembre-se então de ter nas mãos a letra da música com os minutos escritos do lado de cada frase, para que você possa chegar em cada parte sem que o cantor tenha que ficar em pé ouvindo dez vezes a música inteira.
Por último, lembre-se também que se não estiver ficando bom, deixe para amanhã, mas sem falar que está ruim para não ficar registrado que "essa é aquela música difícil". Guarde os canais gravados, para você poder escolher entre cada um. Anote os parâmetros do seu pré-amp, compressor e eq, se tiver usado, para que você possa voltar ao mesmo som num outro dia. Pois é, nem falamos sobre equipamento, né? Eu uso um Neve 1099 como pré-amp, ligado diretamente em um compressor óptico da Manley, e então direto para o computador. Quanto a microfones, talvez valha a pena, se você tiver vários, montá-los bem perto no início da sessão, quase cápsula com cápsula, e gravar um mesmo take com cada microfone endereçado a um  canal. Sem que esteja valendo, mas para que você, junto com o artista, possa escolher o que será usado para o disco todo, baseando-se em som, não em preço. Se você não tiver acesso a todos esses equipamentos, tudo bem...uma grande performance será sempre uma grande performance. Agora é com você!


Enrico De Paoli (enrico@rio.com.br) é engenheiro de áudio formado pela Grove School of Music e pelo Musicians Institute, na Califórnia. Seus créditos incluem Ray Charles, Marcus Miller, Djavan e outros. É representado pelo HitMixers em Los Angeles (www.HitMixers.com).


 
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.