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Edição #152
março de 2012
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capa: Rabisco - Um Cachorro Perfeito
Maracujá Laboratório de Artes apresenta espetáculo baseado em livro infantil e mistura curiosas técnicas dramatúrgicas nos palcos
por Fernando Barros 11/03/2012
foto: Gil Grossi
Rabisco é um cãozinho que ganha vida após sair do desenho de um menino. Por não ser bonito e perfeito como seu criador gostaria, o rejeitado cachorro sai pelo mundo em diversas aventuras até finalmente voltar para o seu lar. Para animar o personagem principal da peça Rabisco - Um Cachorro Perfeito, o Maracujá Laboratório de Artes lançou mão de diversas ferramentas desenvolvidas através de suas pesquisas nas áreas de teatro, música, animação, cenografia, figurino, adereços e bonecos.

Rabisco parte da pesquisa iniciada em 2008 com o espetáculo As Aventuras de Bambolina, uma premiada realização do grupo Pia Fraus com participação de Sidnei Caria, diretor do Maracujá Laboratório de Artes e ganhador do Prêmio APCA de melhor ator de teatro infantil por este trabalho. As linguagens utilizadas em Bambilina foram aprofundadas em Rabisco e baseiam-se na criação de espetáculos sem palavras.

METALINGUAGEM

O espetáculo é baseado no livro homônimo e sem palavras do autor Michele Iacocca. Toda a equipe procurou seguir fielmente a estética proposta nos desenhos do livro. Segundo o grupo, cenários e figurinos buscam construir, no palco, a mesma impressão causada pelo autor nos desenhos da história original.

Fazendo uma analogia, ou metalinguagem, com o próprio conteúdo da história - um cachorro desenhado que ganha consciência e movimento -, Rabisco utiliza diversas técnicas de animação e interação com recursos audiovisuais, como a utilização de puppet toys. Partindo desta técnica, dezenas de pequenos bonecos, carros e prédios reproduzem, em escala menor, uma grande cidade, que é animada pelos atores - também são os manipuladores - diante de oito câmeras de vídeo cujas imagens são editadas ao vivo e projetadas instantaneamente em um telão de 12 metros quadrados, causando a impressão de cinema feito ao vivo.

Além disso, foram desenvolvidas cenas de teatro de sombras, videocenários, projeções interativas e manipulação de objetos conhecidos pelo mundo infantil. Mais do que entreter, o Maracujá Laboratório de Artes afirma, por meio de seus integrantes, ter um comprometimento com a pesquisa, com a educação e também com a criança brasileira.

Além de diretor geral e idealizador do projeto, Sidnei Caria participa de diversas etapas da feitura do projeto. Ao seu lado estão Silas Caria, Lucas Luciano, Tetê Ribeiro e Camila Ivo, todos jogando em muitas posições do teatro, que incluem cenografia, confecção de bonecos e adereços, figurinos, técnicas audiovisuais e muito mais. A confecção das lanternas no teatro de sombras ficou a cargo de Randolfo Neto.



TEATRO MULTIMÍDIA

Nos anos 1980, Sidnei Caria formou-se em Artes e participou de diversos grupos de teatro, fazendo peças tanto para adultos quanto para crianças. Algumas delas já se arriscavam a misturar linguagens como música ao vivo, teatro, dança, artes plásticas, animação de bonecos e objetos em cena. "Os espetáculos foram desenvolvendo uma linguagem própria e diferenciada. Era um jeito novo de fazer teatro. Invertíamos a ordem da criação e sempre chegávamos ao espetáculo", relembra.

Em 2005, passou a colaborar com os espetáculos da Pia Fraus. Paralelamente, Sidnei criou seu meu atelier de pesquisa, criação e confecção de bonecos e adereços, entre outros, chamado Grupo Maracujá Laboratório de Artes. "A partir daí, fizemos parcerias muito criativas com diversos grupos de São Paulo. Até que, em 2010, nasceu Rabisco - Um Cachorro Perfeito, que é nossa primeira produção", destaca.

Sidnei abre a peça dialogando diretamente com as crianças. Ele fala sobre a história do teatro e sua mistura com outros meios, como a animação e o cinema, ao longo do tempo, o que gera uma discussão bastante relevante e lúdica. "Temos a impressão de que essa tendência é atual, mas isso é um engano. Se você estudar a história do teatro, verá que desde a Grécia antiga os artistas buscam lançar mão da tecnologia existente no seu tempo. Por isso dizemos que no teatro contemporâneo vale tudo. Você faz com os recursos que tem", afirma.



Ele cita a rudimentar tecnologia grega que amplificava a voz e aumentava a imagem dos atores para uma plateia de 15 mil pessoas. "Eram máscaras com cones, espelhos d'água, iluminação que se valia do sol e prolongadores de corpos, para que estes fossem melhor vistos à distância. Também tinham seus truques com espelhos e tochas. Vemos que, com o passar do tempo, o teatro foi se transformando conforme o desenvolvimento tecnológico", explica.

"Hoje, temos a transformação ocorrendo com mais rapidez. As câmeras de vídeo se popularizaram e diminuíram de tamanho, há o controle remoto... Temos a impressão de que é uma tendência recente, mas é só a história seguindo seu curso natural", comenta Sidnei, que alerta que todas estas misturas com cinema, vídeo e teatro são uma questão de intenção artística, estética e gosto.

TÉCNICAS E LINGUAGENS

Em Rabisco, os atores trabalham com uma técnica conhecida como "teatro físico", que se vale do corpo. São os movimentos e ações que narram a história, sem a necessidade do uso de palavras. "Nós adaptamos a história do Rabisco a partir de um livro que usa apenas ilustrações, como uma história em quadrinhos", explica Sidnei.

Como se trata da história do desenho de um cachorro que cria vida e sai do papel para conquistar seu dono, a produção resolveu se valer de várias técnicas para brincar um pouco com a metalinguagem já proposta no livro. "Começamos a pesquisar o live animation e conseguimos ampliar sua aplicação em nosso espetáculo."

Um minicenário foi construído: a maquete de uma cidade com minipersonagens, marionetes. "Pela minicidade, várias microcâmeras foram espalhadas. Usamos o mesmo sistema similar ao aplicado na segurança de condomínios. Tudo passa por um circuito interno de DVR Stand Alone, que, por sua vez, manda as imagens para o projetor. Escolhemos a sequência de corte de câmeras utilizando um controle remoto", revela.



Neste momento, todos os atores ficam em volta do minicenário, dentro do palco, manipulando os personagens e os carros, dando, assim, vida a esta pequena cidade. "Seguimos nosso roteiro de ações e em tempo real tudo é editado e projetado no telão. O que a plateia vê está sendo feito simultaneamente", esclarece o diretor.

Além das maquetes, outros tipos de cenários são projetados para que os atores possam participar diretamente da ação. "Criamos um sistema para projetar imagens cenográficas. Por exemplo, em um momento em que o cãozinho se esconde em uma caixa de papelão no meio do lixo, criamos um efeito de chuva. Desenhamos gotas de chuva, uma a uma, em um rolo de papel de fax, que vai passando e fazendo chover até o final da cena."

Quando, na história, cai a noite e Rabisco está acuado, com medo da escuridão e das luzes estranhas da cidade, chega o momento do teatro de sombras. "Neste caso, não é a tradicional técnica chinesa. É uma forma que vai além da imagem chapada, que cria profundidade, cores e sobreposição, dando, também, a impressão de que se está no cinema. Utilizamos duas, às vezes três lanternas, que são dimerizadas e permitem fazer a fusão da imagem da silhueta projetada", revela Sidnei.



O cenário de sombras é feito de silhuetas de madeira, gelatinas coloridas e acetatos, e é posicionado atrás do telão. As lanternas são construídas usando frigideiras com acabamento em teflon. "Nelas, adaptamos um sistema de soquete e dimmer para luz. Desta forma, podemos sobrepor, fundir ou alternar as imagens conforme o roteiro for pedindo", explica.

Outro artifício que lembra a infância de qualquer pessoa que nasceu antes da era dos videogames é o uso de ímãs. "Movimentamos, com ímãs, os carrinhos e o próprio Rabisco em sua versão mini. Também usamos para fazer com que o cachorro em tamanho natural saia do papel e vá para a realidade. Ele se solta do telão e vai para o palco", ressalta Caria, referindo-se a um momento-chave do espetáculo. Uma cópia deste mesmo cãozinho é presa em movimentada por um carrinho de controle remoto nas cenas em que os atores utilizam o palco completo.

Quanto aos figurinos, são cópias fiéis das roupas dos personagens do livro desenhadas em papel cartão colado em espuma, com uma chapa na frente e outra atrás do corpo. "As partes são ligadas por elásticos. Dessa forma, podemos vesti-las em segundos para mudarmos de personagem com a rapidez que a peça exige."

As máscaras, por sua vez, são esculpidas em bloco de isopor. Em seguida, são embaladas em papel. "Recebem mais ou menos oito camadas de papel picado e sobreposto com cola. Depois de seco, tira-se o isopor de dentro e temos a máscara rígida pronta para receber o acabamento artístico de pintura e o forro interno", lista o diretor.

CONTRAPARTIDA SOCIAL

Uma parte importante do trabalho do Maracujá Laboratório de Artes é a realização de workshops com a demonstração dos diversos recursos artísticos e ideias do grupo. "Geralmente, os workshops seguem como contrapartida social dos projetos que realizamos junto a alguma instituição, como foi o caso da Caixa Cultural e do SESI Viagens Teatrais. O objetivo é mostrar que se pode descobrir formas de contar histórias ou fazer teatro com os brinquedos e objetos que temos em casa, como caixas de embalagens, bonecos, ímãs, carrinhos de controle remoto e câmeras de vídeo ou do próprio celular", explica Sidnei Caria.

"Enfim, com coisas bem simples pode-se começar uma brincadeira ou pesquisa, que tanto pode ajudar na educação de crianças quanto virar algo mais profissional, dependendo da intenção de quem participa", complementa o diretor.



Com o final da temporada na Caixa Cultural, Teatro Nelson Rodrigues, no Rio de janeiro, realizou-se uma demonstração de como é todo o processo de construção de um espetáculo. Primeiramente, foi explicado como ocorre a transposição do livro para o teatro, mais especificamente no caso de Rabisco. Em seguida, também foi feito um breve estudo sobre a criação de um roteiro com base nas imagens do livro, suas situações e personagens, com o grupo apresentando os motivos por trás da opção por cada imagem que colocaram em cena.

Após uma apresentação das técnicas dramatúrgicas, artesanais e tecnológicas, o workshop do Maracujá Laboratório de Artes seguiu com a criação de um pequeno roteiro por parte dos alunos. O roteiro é posto em prática através dos bonecos e cenários desenvolvidos e animados e da gravação coordenada das cenas. O workshop termina com a exibição e discussão dos resultados obtidos.

Mesmo com fim da temporada no Rio de Janeiro, o grupo não para. "Temos agora o cumprimento de outro projeto, chamado ProAc [Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura], que iremos apresentar em seis cidades do estado de São Paulo. Depois, faremos uma temporada na capital paulista, pelo Sesc. No nosso blog sempre atualizamos nossa agenda e apresentamos informações sobre novos trabalhos", encera Sidnei Caria.
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