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Edição #147
outubro de 2011
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Perfil: Punk Rock Tecnológico
Muti Randolph fala de tecnologia 2D, 3D e ferramentas de criação
por Rodrigo Sabatinelli 19/10/2011
foto: Arquivo Pessoal Muti Randolph
Muti Randolph, artista visual que começou a carreira como designer, é, hoje, referência máxima em projetos que integram design, arquitetura e iluminação. De suas mãos nasceram trabalhos marcantes, como os projetos das casas noturnas D.Edge, em São Paulo, e 69, no Rio de Janeiro, entre muitos outros que têm como principal característica o indiscutível mix de ousadia e tecnologia.

"A relação entre o 2D e o 3D é muito explorada nos meus projetos, seja através de impressão, projeção ou displays de vídeo", diz ele, um aficionado por plataformas Mac, as quais conheceu ainda nos anos 1980, num estágio que fez em uma empresa paulista de desktop design e apresentação. "Desde então eu nunca mais usei outro sistema operacional em computadores", lembra.

Em um quarto de hotel num canto qualquer do Brasil, Muti respondeu por e-mail às perguntas de Luz & Cena. Nas próximas páginas, o amante do punk e hardcore conta um pouco de sua história. De como trabalha no "caos arrumado" de sua própria casa, um loft no Rio de Janeiro, até quais sãos os momentos em que encontra maior inspiração.

Luz & Cena: Muti, de onde vem esse fascínio pelas artes visuais?

Muti Randolph: Desde criança gosto de desenhar. Meus primeiros desenhos eletrônicos foram feitos nos anos 1970, num jogo de Atari chamado Surround. Nele, desenhava pixels enormes, de 1 bit, com o joystick. A tela inteira devia ter 60 x 40 pixels, mas era suficiente. Afinal, eu estava desenhando com luz e podia errar à vontade.

No início dos anos 1980, no que chamo de "período verde", que era a cor dos monitores daquela época, pude experimentar mais possibilidades de desenhos em bitmap de 1 bit, porém, com um pouco mais de resolução, no Apple II do meu irmão, e, mais tarde, no XT. Mais para o meio da década, meu irmão ganhou um laptop que já rodava o Windows. Nele, tive meu primeiro contato com um mouse. Uma revolução! Mas a primeira vez em que usei um Mac foi num estágio que fiz em uma empresa paulista de desktop design e apresentação.

L&C: Como eram os computadores nesta época?

Muti: Os Macs 128 e 512, que tinham 128 kb e 512 kb de memória, possuíam monitores brancos, de 10 polegadas, sempre de 1 bit. Com eles, por meio dos programas Illustrator e Freehand, descobri o desenho orientado por objetos, independentemente da resolução da tela. Ali, a interface gráfica do Mac estabelecia uma nova relação. Desde então, nunca mais usei outro sistema operacional em computadores. Naquela época, já estudava comunicação visual na PUC-RJ e tinha um Mac em casa.

Na única aula que oferecia acesso a computadores, os alunos tinham que disputar entre toda a turma uns cinco PCs 386 de tela verde, sem mouse, rodando o Paint Brush. Mesmo assim, era a aula que eu mais gostava. Em outras matérias práticas eu era proibido de usar o computador, pois ele não era considerado uma ferramenta séria para a realização de trabalhos gráficos, que deveriam ser feitos na prancheta.

Apesar do fascínio por desenho e por computadores, meu maior interesse era por biologia. Fiz biomédica no segundo grau e só resolvi experimentar o curso de artes na PUC porque passei em segundo lugar no vestibular e ganhei uma bolsa de estudos. Além disso, o campus era perto da minha casa e cheio de gatas, o que não era bem o caso da UERJ, onde eu faria biologia.

L&C: Então você começou a trabalhar como designer gráfico...

Muti: Sim. Já no final dos anos 1980 eu fazia pré-impressão e usava a única impressora de alta resolução de fotolitos do Rio, a do Bureau Mergulhar. Ela era utilizada pelos pioneiros da Desktop Publishing para impressão de material gráfico de uma ou duas cores. Nessa época, eu já fazia separação de cor em quadricromia usando programas experimentais como o Laser Paint e o Digital Darkroom, precursores do Photoshop.

Minha experiência nessa área fez com que eu fosse contratado pela agência de propaganda Contemporânea, para a qual dei consultoria de computação gráfica ao departamento de criação. O contato com o mercado de publicidade foi muito importante, pois havia uma grande demanda por fotocomposições e ilustrações digitais. Então, fiquei alguns anos fazendo isso. O dinheiro era bom e quase não tinha concorrência, mas o trabalho me afastou um pouco do que eu realmente queria fazer, quer era desenhar.

L&C: E quando passou a criar cenários?

Muti: No começo da década de 1990, o Gringo Cardia me chamou para fazer ilustrações 3D para capas de discos e cenários, experiências que me iniciaram no espaço 3D real. Mas eu já tinha, então, uma considerável experiência no mundo virtual 3D, para o qual fazia ilustrações e animações. Meu primeiro cenário foi o do show Os Cães Ladram, Mas a Caravana Não Para, do Planet Hemp.

Eu tinha desenhado a capa do disco e me chamaram para fazer o cenário. Nele, usei elementos gráficos da capa e outros criados especialmente para o show. Ainda era 2.5D, afinal, eram impressões gigantes, dispostas em camadas sobrepostas, que subiam e desciam nas varas cênicas. No final do show, desciam oito baseados gigantes, de três metros cada. Na verdade, eles eram os únicos elementos tridimensionais do espetáculo. Não eram impressões coladas numa chama de compensado, como o restante dos elementos.

As imagens faziam uma relação entre os cigarros e munições como balas e bombas. Recentemente copiaram isso, ou pode ter sido coincidência, numa campanha de descriminalização das drogas. De qualquer maneira, achei bom.

L&C: Que outros cenários você fez nessa época?

Muti: Fiz um cenário para um especial sobre o descobrimento, no programa Brasil Legal, que tinha ilustrações 3D impressas em inkjet e coladas em compensados. Era o começo da gigantografia no Brasil. A MTV me chamou para fazer alguns cenários depois que viram meu projeto para o Club U-Turn, meu primeiro trabalho de interior. O 2D ainda era muito presente com texturas gráficas, mas não era mais um cenário com somente um ponto de vista, do público ou da câmera - era um espaço para ser vivido. Os desenhos gráficos não estavam mais sobrepostos em camadas paralelas, mas cobrindo todas as paredes e outros elementos do espaço.

Até hoje, a relação entre o 2D e o 3D é muito explorada nos meus projetos, seja através de impressão, projeção ou displays de vídeo. Nos primeiros cenários que fiz para a MTV, o pensamento gráfico ainda era bem presente, mas, com o tempo, as formas ganharam espessura, as curvas aconteciam também no eixo Z e já havia elementos emitindo luz.

L&C: Quando começou a produzir elementos em 3D? Fale sobre as primeiras descobertas neste universo tecnológico.

Muti: O primeiro programa 3D com o qual eu tive contato foi o Swivel 3D, para Mac. Isso foi em 1987. Era um programa bem precário, mas o básico da modelagem estava lá: torno, extrusão, sweep... O melhor render que ele oferecia era gouraud, mas eu achava o máximo. Era um mundo novo que se revelava. No comecinho dos anos 1990 foram surgindo vários programas mais completos para Mac, como o Strata e o Ray Dream. Este último, como o nome indica, já oferecia até render em ray trace, mas demorava horas para renderizar um frame. Mesmo assim eu criava ilustrações mais ou menos realistas com eles.

Cheguei até a ganhar um prêmio da Ray Dream na época, com uma ilustração, mas o sonho de consumo mesmo era o Electric Image Animation System, o único pacote de animação 3D e render profissional para Mac. Com ele, era possível manipular um altíssimo número de polígonos sem travar as máquinas precárias da época, que tinham processadores 68020 da Motorola e ainda ofereciam o render em Phong, que foi o melhor e mais rápido do mercado até muito recentemente.

O único problema é que ele custava uns US$ 4 mil e era impossível de piratear, pois tinha proteção de hardware. Eu não sosseguei enquanto não dei um jeito de arrumar um. Inclusive, essa foi uma das razões da minha incursão no mundo do jornalismo, no qual eu resenhava aplicativos para a heróica revista MacMania. Até hoje, o EIAS, em sua versão 8.0, é o principal programa 3D que uso. Mal posso esperar por sua nova versão!

L&C: O projeto que desenvolveu para a Galeria Melissa, na Oscar Freire, é, assim como os projetos do São Paulo Fashion Week, um dos mais criativos que já fez. Você concorda?

Muti: Este é um dos trabalhos de maior projeção e um dos mais complexos que já fiz. Eu já desenhava os lounges da Melissa no São Paulo Fashion Week, então me contrataram para desenhar o que seria a única loja deles, um espaço conceitual, cuja finalidade era muito mais de marketing do que comercial, firmando a Melissa como um produto de design, indo além de apenas um calçado.

Nesse projeto estão presentes algumas das principais características do meu trabalho: a relação do espaço com o tempo e a relação entre o 2D o 3D. A primeira se manifesta na principal característica do projeto: mudar de roupa a cada estação. O espaço é um suporte para revestimentos e cenografias temporárias. As duas primeiras "roupas" e algumas outras foram criadas por mim, e outros artistas também foram convidados para essa função.

A segunda acontece no suporte dessa mudança: uma área externa com uma fachada recuada em forma de U, que recebe impressões em grande formato, adesivadas (entre outros materiais cenográficos), e uma área interna, onde esse U se espelha para dentro formando também um suporte gráfico tridimensional.

L&C: A ousadia, uma característica marcante do teu trabalho, é nítida em cenários como os do SPFW. Como é carregar essa "marca"?

Muti: Acho que o conjunto das ideias que mais me intrigam e fascinam, como as já citadas preocupações com a relação entre o tempo e o espaço, entre o 2D e o 3D, a imersão, que são os estímulos sensoriais vindo de todas as direções, e a repetição e transformação de formas simples resultando em espaços mais complexos, acaba estabelecendo características comuns em meus trabalhos, por mais diversos que sejam.

Na minha opinião, a ousadia pode, sim, ser considerada mais uma dessas características, tanto no sentido tecnológico quanto estético. Não tenho medo de desenhar coisas que nunca foram realizadas antes e cuja produção é uma incógnita. Isso tem o seu preço. Há sempre o risco de não dar certo ou de estourar o orçamento. Às vezes, por essa razão, até crio, paralelamente, um plano B, mas é isso o que me faz avançar.

L&C: O clube paulistano D.Edge é tido por muitos veículos como o ápice da sua carreira. Como é fazer um projeto tão complexo como esse? Quais as suas referências?

Muti: O D.Edge é minha entrada na maturidade do pensamento espacial. Para ele, eu criei uma arquitetura que é determinada pela música e se modifica a cada batida por meio da luz. Foi o primeiro clube do mundo a usar LED para iluminação e a ter um sistema de iluminação ligado ao sistema de áudio. É uma referência internacional e já foi publicada nas principais revistas e livros de arquitetura do mundo.

Recentemente criei a expansão, com uma pista nova, um lounge e o terraço. O projeto da pista nova é mais complexo em termos de tecnologia. O lounge, com hexaedros de madeira intercedentes, foi difícil de desenhar e ainda mais de construir.

Sobre influências, muita gente que conheço cria com livros e revistas de arquitetura cheios de marcadores de páginas. Eu nem conseguiria achar as revistas certas no meio da bagunça do meu escritório. Acho mais fácil me perder na bagunça da minha própria cabeça, na qual, certamente, também há referências que se misturam e se confundem e acabam tomando forma no meu computador, onde, por sua vez, se transformam em outra coisa. Mas espero que os veículos estejam errados e que o auge da minha carreira ainda esteja por vir.

L&C: Como aconteceu sua aproximação com o mundo das pistas de dança? Com quais elementos tem preferido trabalhar ultimamente em projetos deste tipo?

Muti: Eu era punk e sempre gostei de rock, em especial de punk e hardcore, mas também de muita coisa pré-punk e new wave. Mas, no final dos anos 1980, me pareceu que o rock tinha se esgotado e começava a se repetir e a se reciclar. O que estava acontecendo de novo e fascinante era a música eletrônica para dançar, o house, o techno de Chicago e Detroit, principalmente. Comecei, então, a frequentar festas underground nessa época e durante toda a década seguinte. Assim se deu essa minha aproximação.

Tenho usado meu software para controlar diversos tipos de equipamentos, como projetores e displays de LED de variados formatos e resoluções, além de desenvolver displays customizados. A maior pista que fiz foi a Tenda Sahara, no Festival Coachella desse ano, na Califórnia. Uma instalação reativa ao áudio de 600 metros quadrados de LED de baixa, dispostos em camadas sobrepostas, tomando toda a área da tenda sobre o público.

L&C: Como lida com a questão de ter seu trabalho como referência? Já foi copiado?

Muti: Ao mesmo tempo em que fico orgulhoso, fico chateado. Principalmente, quando me copiam sem nem me consultar. Provavelmente pagaram mais caro pelo projeto copiado! E construir uma coisa nova custa o mesmo que construir uma cópia.

L&C: Por que você escolheu fazer da sua casa o seu escritório? Possui algum um método de trabalho específico?

Muti: Eu escolhi isso por uma ilusão de liberdade, mas nem sempre ela se realiza, pois, em casa, acabo trabalhando ainda mais. Mas consigo, sim, dar minhas escapulidas para surfar à tarde. Eu crio em qualquer momento, mas dois são especialmente férteis: quando estou no chuveiro e quando estou quase dormindo, quando a fronteira entre o sonho e a realidade começa a diluir.

 
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