Evento: Manhãs Iluminadas ao alcance de todos
Quinta edição do evento, transmitida via internet, debateu a iluminação e a tecnologia teatral
por Tatiana Queiroz
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15/06/2009
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Da esquerda para direita: Os iluminadores Paulo César Medeiros, Aurélio de Simoni, Luiz Paulo Nenen, Rodrigo Ziolkowiski, Luiz Nobre e Carmine D'Amore |
O Manhãs Iluminadas é um dos poucos eventos fixos no calendário da iluminação brasileira que coloca em discussão questões relativas, sobretudo, à profissão do iluminador e às áreas em que atua.
Organizado pelo núcleo paranaense da Associação Brasileira de Iluminação Cênica (Abric), com patrocínio da Caixa Econômica e do Governo Federal e apoio da loja Zero dB e da empresa Tamanduá Iluminação, a quinta edição do evento levou debates e palestras a profissionais de vários cantos do planeta, graças à sua transmissão ao vivo pela internet.
Brasileiros residentes no Canadá, São Paulo, Bahia e em outros locais puderam participar das discussões que aconteceram entre 23 e 25 de março no Teatro da Caixa Cultural, em Curitiba. "Com a rádio pela internet conseguimos democratizar o Manhãs Iluminadas", diz Luiz Nobre, o Carioca, presidente da Abric.
A estratégia de realizar o evento paralelamente ao Festival de Teatro para atrair pessoas de outros estados tem dado certo. Uma das provas é Paulo José Ribeiro, técnico de iluminação e responsável técnico do Sesc Pinheiros, que viajou de São Paulo a Curitiba para assistir a alguns espetáculos teatrais e aproveitou para participar do Manhãs Iluminadas.
"É a primeira vez que participo do Manhãs Iluminadas. Como eu já viria pelo Sesc assistir a três dias do festival, juntei as duas coisas. É uma forma de conhecer outras coisas e divulgá-las onde trabalho", contou o técnico, entre uma palestra e outra..
Este ano, o evento foi além das manhãs. Durante as tardes de 22 a 25 de março, Luiz Paulo Nenen ministrou uma oficina sobre o o software VectorWorks na loja Zero dB. E nos dias 25 e 26, foi a vez de funcionários da Telem demonstrarem equipamentos de algumas marcas representas no Brasil, principalmente, as mesas ETC.
"A cada edição tentamos aperfeiçoar e acho que nesta melhoramos porque chegamos à conclusão de que as pessoas estão interessadas em saber como se faz ou como foi feito determinado projeto e isso foi demonstrado. Outra coisa legal desta edição foi a aproximação da Abric com as empresas de iluminação", avaliou Carioca.
O presidente da Abric acrescentou que a forma de montar a programação foi democrática. "Coloquei em plenária para que as pessoas sugerissem propostas, temas pelo site da Abric".
Outra novidade foi que pela primeira vez, desde a criação da Abric, se discutiu durante o evento sobre as mudanças necessárias a serem feitas no estatuto da associação, que, segundo a atual diretoria, está obsoleto e impede melhorias na forma de agir.
Além de Carioca, os iluminadores Beto Bruel, Rodrigo Ziolkowiski e Nadia Luciani foram os responsáveis pela programação e produção geral do evento, que este ano teve como homenageado o técnico de iluminação Abel Soares, que há 28 anos trabalha no Centro cultural do teatro Guaíra.
DA OISTAT AOS MUSICAIS
A cenógrafa Luciana Bueno iniciou o primeiro dia de palestras falando sobre as metas e eventos programados para 2011 a serem trabalhados pela representação brasileira da Organização internacional de cenógrafos, técnicos e arquitetos de teatro (Oistat). Entre eles, citou o levantamento das escolas de arquitetura que possuem o curso de edificação cênica; a criação de um plano de captação de recursos; a Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo (CPTG) e a Quadrienal de Praga.
Bueno também explicou sobre a World Stage Design 2009, exposição internacional de cenografia, figurino, iluminação e sonoplastia, que será realizada em setembro na Coreia do Sul.
Na sequência, Ismael Scheffer abordou a formação do designer teatral. Graduado em teatro pela Faculdade de Artes do Paraná (Fap), com mestrado e doutorado na área, Scheffer concentrou a sua palestra sobre o primeiro curso de especialização em cenografia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, da qual é professor. Contou quais são os objetivos do curso, como o elaborou, qual é o programa e como foi a escolha do corpo docente.
O iluminador Paulo César Medeiros foi a Curitiba para falar sobre a iluminação em musicais. Ele, um especialista em espetáculos do gênero no Brasil, introduziu o assunto lembrando que a dança e o canto estão diretamente ligados à essência do teatro, desde a Grécia passando pela Idade Média, "quando o teatro é retomado pela igreja através de rituais onde se cantava e dançava."
O iluminador disse considerar o musical a ópera moderna porque reúne todas as artes. Para embasar o seu pensamento, recorreu ao conceito de obra de arte total difundido por Richard Wagner e depois desenvolvido e questionado por Brecht, Meyerhold, Appia e outros encenadores modernos.
Medeiros, que recentemente viajou a Nova York, contou suas impressões sobre o teatro musical da Broadway, ressaltando as diferenças entre a realidade americana e a brasileira. Ele observou que há uma forma de lidar com a luz no musical, comum a todos os musicais americanos, mesmo a iluminação deles sendo muito diferentes entre si, mas ressaltou que não há regras para se iluminar um musical.
"Na maioria das cenas dramáticas, os iluminadores tinham uma preocupação enorme com o realismo, como se isso permitisse a eles, de certa forma, ter liberdade nas cenas, que eu acho que coloca a luz num campo do entendimento do que é realmente o musical".
Medeiros ainda explicou o conceito de luz da maioria dos espetáculos que assistiu. "Tem canhão o tempo inteiro e os canhoneiros não seguem os atores como um cantor em um show. O canhão é usado de forma conceitual. Nos espetáculos que vi, há três canhões frontais e dois na primeira coxia. No Fantasma da ópera, por exemplo, é como se fossem 12 follow spot, só que não são 12 canhões - três de frente e dois na primeira coxia - e, espalhados pelo palco, lâmpadas com o foco fechado, de um tipo que nunca vi. O operador saía do canhão, às vezes era o contraregra, e iluminava o rosto do ator".
Medeiros disse que essa necessidade de iluminar bem o rosto do ator tem dois motivos: primeiro porque os teatros são muito grandes e parte do público fica bem distante do palco; o segundo motivo é que o ator bem iluminado permite fazer em volta dele, qualquer luz que o profissional desejar.
"Eles trabalham com o canhão muito fechado, geralmente, em plano americano, com o canhão desfocado e com gelatina corretiva da geral. O iluminador tentar fazer com que o canhão fique o mais disfarçado possível dentro daquela luz", disse o iluminador.
Medeiros também lembrou que na Broadway há disponível uma quantidade de equipamentos enorme. Em Billy Elliot, segundo ele, tinham 120 movings e 250 refletores. "Para eu conseguir oito movings nos musicais que tenho feito, eu quase vendo o meu corpo, mas eu entendo que é caro", comparou.
Para o iluminador, é preciso que a iluminação no Brasil seja definitivamente profissionalizada. "Um dos mecanismos para profissionalizar essa área é trazer os produtores para as questões estruturais de iluminação, uma delas é a questão do equipamento. Um dos grandes problemas enfrentados pelos iluminadores é chegar ao teatro e não ter equipamento porque criatividade não falta ao brasileiro".
Ele ressaltou que o iluminador precisa ter um poder de convencimento junto ao produtor, mas com embasamento. "Isso tem que estar ligado a um processo profissional, ou seja, uma noção clara de qual é o tamanho da produção, até aonde aquele produtor pode ir, até onde a iluminação pode salvar um determinado momento do espetáculo; até onde a iluminação pode ser a cenografia do espetáculo, ou seja, trazer o produtor para o seu lado, não é você contra o produtor".
O primeiro dia do Manhãs foi encerrado com uma mesa-redonda onde se discutiu a iluminação arquitetural e a cênica. O iluminador Luiz Paulo Nenen disse que hoje a luz arquitetural está se aproximando da teatral. Simone Tuasco, que há mais de 20 anos trabalha com iluminação arquitetural, concordou dizendo que ambas precisam criar um estímulo, uma atmosfera.
Tuasco contou o que é fundamental para iluminar uma loja, por exemplo. Segundo ela, a luz tem que ser trabalhada de acordo com o público que se quer atingir e o produto que será vendido para poder escolher a quantidade de luz e o efeito que se deseja com ela. É preciso saber as dimensões do espaço e seus materiais de acabamento porque dependendo da cor, vai absorver ou refletir a luz.
"O profissional também deve se preocupar com o tempo de vida da lâmpada, com o calor que o produto está inserindo no ambiente e com o custo de reposição", ressaltou.
Medeiros quis saber como é feita a iluminação de patrimônio. Tuasco disse que o maior problema nesse tipo de iluminação é que não pode haver nenhum tipo de irradiação que possa danificar o patrimônio e que os LEDs sãos os mais indicados, embora não tenham o índice de reprodução de cor tão bom quanto ao de uma halógena.
A PROFISSÃO DO ILUMINADOR
Há 15 anos no Brasil, o italiano Carmine D'Amore explicou qual é a função do iluminador, exemplificando com dois projetos realizados por ele: a iluminação de uma concessionária da Honda e da exposição Tesouros da Terra Santa, no MASP, em São Paulo.
Ele contou que uma das tendências dentro da iluminação arquitetural é interpretar a arquitetura como um estímulo para encontrar a cor. "Olhando como foi concebido o projeto arquitetural, o lighting designer vai descobrir quais são as cores que melhor se adaptam àquele projeto para manifestar a intenção seja do cliente ou do arquiteto".
Ele revelou quais foram os desafios para iluminar a concessionária. Teve que saber os significados da cores dentro da cultural oriental e seguir o conceito passado pelos arquitetos e o cliente, que era que o espaço tivesse abundância de iluminação natural e que a luz mostrasse com fidelidade as características dos automóveis.
D'Amore revelou como resolveu problemas como o ofuscamento do sol no fim da tarde e quais lâmpadas, quantidade e posição usou para obter o resultado desejado.
Em seguida, foi a vez do iluminador Aurélio de Simoni falar sobre a carreira de iluminador no Brasil, tema continuado na mesa-redonda com D'Amore, Carioca, Nenen, entre outros convidados.
Simoni tocou na ausência de um curso regular para obtenção de diploma no país e abordou como é formado um iluminador atualmente no Brasil. "Ninguém ensina a ninguém a fazer luz, só se mostra o caminho", ressaltou. Segundo ele, há três condições básicas para ser iluminador: técnica; sensibilidade e criatividade. "Eu só posso ensinar a técnica", afirmou.
Ainda falou da importância de se saber a nomenclatura dos objetos de trabalho; lembrou de momentos de sua carreira; como era feita a iluminação há 32 anos, quando começou, e qual é a verdadeira função da luz num espetáculo.
DEBATE ACALORADO
Na última manhã do evento, o ator, diretor, dramaturgo, cenógrafo, designer e produtor de teatro, Eneas Lour falou sobre o tema Teatro que eu acredito.
Há 35 anos trabalhando na área, ele ressaltou a importância do trabalho coletivo. "O caminho democrático para a criação envolve todas as pessoas", afirmou.
Como já é tradição no Manhãs, o último assunto abordado no evento é sempre o que provoca mais discussões ao envolver diferentes lados ligados à área da iluminação. Lincoln Araújo começou abordando o problema das certificações dos equipamentos. O tema se estendeu à mesa-redonda depois formada por ele, Rogério Pereira do Couto, o Lero, da locadora Tamanduá Iluminação, D'Amore e Roseli Hipolito, gerente comercial da Telem.
* A editora viajou a convite da Abric e da Caixa Cultural
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